Imagine uma cidade onde quem se sentir doente não vai ter um posto de saúde perto de casa. Essa cidade era Londrina até 1970, quando começou a funcionar a Unidade Básica de Saúde da Vila da Fraternidade. Com o tempo, o postinho pioneiro envelheceu tanto que foi fechado e demolido, mas logo voltará como o mais moderno da cidade, conforme o prefeito.

Aleluia, o postinho da Fraternidade deve ser comemorado como símbolo rico de transformações. Começou a nascer quando o médico Ascênsio Garcia Lopes, então ainda reitor da particular Faculdade de Medicina do Norte do Paraná, que seria incorporada pela UEL, trouxe os médicos Nelson Rodrigues dos Santos e Darli Antônio Soares para ensinar saúde pública – transformando a educação médica, levando a medicina ao povo, de forma não só curativa mas também preventiva. Vinte anos antes do programa Saúde da Família, Darli visitava as casas do bairro com seus alunos, ensinando uma medicina tão eficaz quanto humana.

Isso só foi possível porque os médicos da futura UEL contaram com o apoio de outro médico, o prefeito Dalton Paranaguá, para quem “a saúde do povo é a suprema lei”. Encarnava assim outra transformação, o político que investe não só no que aparece como no que é preciso - como ele fez com obras de saneamento, contrariando a velha tese de que esgoto não dá votos porque fica enterrado e ninguém vê...

Imagem ilustrativa da imagem Fraternidade de fato
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Um postinho de saúde numa pequena vila poderia também nem “ser visto”, mas o que se viu ali foi o início de uma rede de mais de 60 hoje, transformando a saúde pública de Londrina e também do país - pois serviu de modelo para implantação do sistema de atenção primária à saúde no Paraná, como também para implantação do SUS e enfim como referência internacional, replicada em muitos países. E nasceu num bairro também símbolo de transformação.

Rapazola, eu lia nesta Folha notícias frequentes sobre a campanha de Frei Nereu do Vale para transformar a favela Vila do Grilo em Vila da Fraternidade com moradias decentes. Só o Militão deve ter batucado dezenas de notas sobre a vila onde a fraternidade deixava de ser palavra e se transformava em fatos. Depois viraria costume dos políticos inaugurar várias vezes uma mesma obra, e Frei Nereu do Vale não fazia isso por vaidade ou politiquice, mas para transformar a entrega de cada casa num acontecimento comunitário, animando mais doações para novas casas. Assim, como dona Lucila Balalai ergueu o Hospital do Câncer “com coração e saliva”, como ela dizia batendo no peito, Frei Nereu ergueu um conjunto habitacional sem verbas públicas.

O postinho da Fraternidade simboliza portanto uma conquista da nossa civilização, a da atenção primária à saúde, um legado dos nossos pioneiros, a cooperação comunitária, e um avanço da cidadania, pois foi insistentemente solicitado pela comunidade. Seu renascimento pode simbolizar também um renascimento para Londrina, com aumento da auto-estima e da confiança no futuro com raízes no passado. Estamos precisando. Como dizia Wilson Moreira, tudo tem jeito se a gente fizer bem feito.