A vó está tão velha que a neta olha seus pés com curiosidade, a vó percebe:

- É, meus pés foram bem trabalhados... pelo tempo.

Podem ser velhos mas ainda são bonitos, diz a neta. É o que dizia seu avô, diz a vó.

- E meus pés tem saudade. É, meus pés levantam com saudade dos pés dele.

A vó confidencia com voz de menina:

- Amanhecendo, na cama a gente juntava os pés e ficava ouvindo os passarinhos. Meus pés tem muita saudade... – fala olhando longe – Nosso amor era dos pés à cabeça!

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. | Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação

A neta ri, e pergunta à mãe se a vó não está começando a variar... Depois vai para sua vida de muitas gentes e lugares, entretanto sempre se sentindo sozinha. Até pensa se será verdade que a vida de cada um só se completa com outro?

Pensando nisso, tropeça num papel ao vento, torce o pé. Com a dor, senta no meio-fio e logo um moço agacha na sua frente: pode ajudar? Ela aperta os lábios, só consegue se perguntar gemendo como é que um tropecinho assim pode doer tanto. Ele aponta o meio-fio:

- O pé que estava descendo, torceu recebendo todo o peso do corpo.

Inteligente o tipo, avalia ela, só falta ser sensível, e ele parece que adivinha o pensamento:

- Sente muita dor?

Ela assente trincando os dentes, ele aponta farmácia logo ali:

- Eu tomaria logo um analgésico, pra pelo menos parar a dor.

- Pelo menos por que?

- Porque eu jogo futebol– ele sorri com dó – então sei que isso aí decerto vai inchar, e o inchaço vai durar dias.

Ela faz careta, ele diz que compressa gelada alivia, mas que ela decerto vai andar mal uns dias, talvez tenha até de, desculpe falar, usar bengala. Riem, e ele diz que podia ser pior:

- Você podia ter pés feios – e agacha para ajudar que ela levante, abraça pela cintura e, ela com um pé suspenso, vão para a farmácia.

Na farmácia, ela espera sentada até ir para o caixa pagar o analgésico, enquanto ele vai comprar água no bar ao lado. Depois ela se pergunta como irá para casa, ele pede seu celular para chamar carro, e pergunta se pode anotar seu telefone. Claro, ela geme, claro.

Ele liga no dia seguinte: - Melhorou?

Sim, ela responde, ele diz que não acredita, só mesmo vendo. Ela ri, ele diz que agora acredita.

- E, além dos pés bonitos, você tem uma risada bonita.

Ela ri, ele diz que gostaria de ver, ela pergunta ver o que, o pé?

Os artigos publicados não refletem, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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