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O sujeito no sinaleiro pede ajuda com um cartaz, puxo conversa de minuto e ele já começa a contar sua história. Na feira, digo que o preço da cenoura subiu demais, o feirante conta que é devido à pouca chuva no plantio e chuva demais na colheita, além da alta do diesel, toda uma história. O neto brigou na escola, pergunto por que, lá vem história. Em cada história, claro, personagens e situações são ajeitados conforme os interesses de quem conta. E a netinha vem nos visitar e já não quer só brincar, quer ouvir histórias. Amamos histórias até porque a humanidade começou com histórias.

Era uma vez uns bichos esquisitos que viviam nas árvores, mas um dia resolveram viver no chão. No antebraço, eles têm ainda vestígios de onde se encaixava um osso, que deixou de existir quando não precisaram mais viver de galho em galho. Mas, para viver no chão, os pés tiveram de ter mais ossos, e todo o corpo mudou para se tornarem coletores, catadores de frutas, sementes e ovos.

Mas só deixaram de ser bichos quando começaram a contar histórias em volta das fogueiras. Um trazia lenha e, com brasas trazidas do fogo sempre aceso na caverna, acendia a fogueira ao luar para assar as caças. Um tinha caçado diferente, outro tinha lutado com bicho grande, outro tinha achado mais uma caverna, e, para contar isso aos outros distribuindo a experiência e fortalecendo a tribo, começaram a falar e viraram o único animal do planeta que conta a própria história.

Como a linguagem surgiu contando histórias, a política também não deixa de ser contação de histórias. O chefe da tribo era aquele que, além de caçar mais e lutar melhor, bem contava as próprias histórias, dando quinhão maior do assado aos que mais aplaudissem, assim as histórias também inventaram o teatro e os aplausos. Até que, hoje, as histórias e visões políticas são chamadas de narrativas. E nas eleições se defrontam contadores de histórias, os candidatos a falar de si mesmos, contando o que já fizeram e por isso merecerão nosso voto, ou contando o que farão, na forma de ficção política, os planos e promessas eleitorais.

Humanos, somos consumidores e produtores de histórias, em livros, revistas, gibis, filmes, música, crenças e ideologias. Cada família tem sua história, na forma de fotos relíquias, documentos antigos, lembranças e casos passados de boca em boca, geração a geração.

Meus primeiros contos foram histórias de trabalhadores, talvez já porque as primeiras histórias que ouvi, menino, eram contadas por peões em redor do fogo do tacho de sabão na pensão de meus pais. E, se contar histórias é um dom, o meu veio do avô João Fernandes Nóbrega, que picava fumo e enrolava cigarro contando histórias. Contou muitas vezes como lutou na revolução paulista de 1932, entre muitos perigos e façanhas, trincheiras e tiroteios. E só homem feito fui descobrir que aquela revolução durou só três meses, quase sem combates onde ele estivera nas trincheiras. Suas tantas lutas eram só histórias e, por isso, passei a gostar mais de meu avô. Contar histórias é do sangue.

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