Com o mestre na estrada
PUBLICAÇÃO
sábado, 15 de maio de 2021
Colunista Domingos Pellegrini
A estrada se desenrola em curvas.
- Mestre, qual a diferença entre paciência e perseverança?
- Se eu respondesse, estaria ignorando que você só pergunta por já saber a resposta.
- Pensei que fosse o tipo de pergunta que o mestre gosta de responder, por exemplo, dizendo que é preciso paciência para ser perseverante, ou que a perseverança é a paciência que segue adiante.
- As palavras aceitam que se brinque com elas porque não são fatos, mas o caminho se vence com sapatos.
- Melhor então caminhar calados?
- Melhor é gostar de caminhar.
- Claro... Até porque, se o agora é sempre nosso único tempo disponível, e se o aqui é sempre o único lugar onde podemos estar, caminhar é viajar entre o Infinito e a Eternidade, não?
- Sim, como ficar parado também é. E sempre, parado ou andando, carregando bagagem.
- Nossas mochilas, mestre?
- Nosso ego.
Silêncio por algum tempo ou alguns metros.
- Mestre, aquele filósofo antigo disse que o rio que nos banhou ontem não é o mesmo que nos banha hoje. Assim também uma estrada se renova a cada nova viagem?
- Não se você passar por ela como sempre ou, então, se não prestar atenção.
Silêncio; até:
- Mestre, a felicidade é conquistar os grandes sonhos ou viver os bons momentos?
- Depende. Grandes sonhos se conquistam com muitos momentos.
- Então, a esperança é sonho, mestre, e o trabalho é perseverança?
- Como o silêncio sabe ouvir e muita conversa cansa.
Seguem em silêncio mas:
- Mestre, o senhor diz que a melhor forma de ser é servir, certo?
- Ou errado, para quem só gosta de ser servido.
- Mas esses não têm futuro, têm, mestre?
- É, os faraós morreram mas Jesus continua vivo.
Passam um barranco florido.
- Quem então será exemplo de felicidade, mestre, o Dalai Lama?
O mestre senta numa pedra.
- Parou para pensar, mestre?
- Não, ainda consigo pensar andando. Parei para ver as flores que respondem tua pergunta.
- Mas são apenas marias-sem-vergonha!
- Por isso mesmo, florem onde quer que se ponham.
- Sem vergonha do lugar, mestre?
- Sem vergonha de servir.
- Mas não dão frutos nem néctar, servem a quem?
- À vida, ao vale, aos viajantes.
- Só mesmo o mestre para ver flores tão comuns que ninguém vê.
- Como o ar, o que não nos impede de respirar.
- Mudando de assunto, que poente micho, hem, mestre?
- O melhor poente de hoje.
- Hoje já quase ontem, né.
- Ou começo de amanhã.