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. | Foto: Dalva Vidotte /Divulgação

Comprei em Natal um boné bonito, na hora nem reparei que tinha uma bandeirinha nacional costurada. Gosto de bonés como meu avô gostava de chapéus, e tenho três em constante uso: o de lidar no quintal, o de passear com cachorro e o boné social.

Aos bonés me afeiçoo e troco só quando algum se vai, roto pelo tempo ou de algum modo sumido; então enterrei com todas as honras um velho boné, rebaixando os outros dois e assim abrindo vaga para o novo boné passar a ser o boné social. Então estávamos numa academia de praça, meu novo boné e eu, quando um rapaz passando apontou minha cabeça como se mirando com uma arminha, aí sorriu grande, já com as mãos fazendo o sinal de positivo e falando alto: firme, tio!

Depois, na fila do supermercado, o jovem casal à minha frente paga a conta e ele pergunta se comprei coxinhas. Penso até que ele fala com alguém na fila, olho para trás, ninguém, e ele repete: coxinhas, tio, não esquece as coxinhas! Ela faz careta e se vão rindo, fico sem entender - até o caixa me apontar o boné, aí tiro da cabeça, olho, ele bota o dedo sobre a bandeirinha, aí entendo!

Como os nazistas marcavam os judeus com uma estrela amarela na roupa, com a bandeirinha no boné me tornei um fascista, um direitista, um bolsonarista, portanto também machista e homofóbico!

Lembro do amigo que foi visitar os pais, no centro, no dia daquelas grandes caminhadas de 2013, e só foi entender tanta cara feia quando no apê dos pais um sobrinho apontou sua camiseta vermelha: ih, tio, essa jamais vai ser a cor da nossa bandeira!

Rapazola comecei a ver nossa bandeira de fato, ou seja, ver com o coração, através dos olhos de um poeta, Castro Alves, que usou a bandeira para condenar a escravidão : “Auriverde pensão da minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança, / antes te houvessem roto na batalha / que servires a um povo de mortalha!”

Mas reneguei a bandeira quando foi empunhada pela ditadura do “Brasil ame-o ou deixe-o”, preferi deixar a bandeira por um tempo do que deixar o Brasil. Mas voltei a amar a bandeira em São Paulo, num daqueles imensos comícios da redemocratização.

E como bate o coração, fora do país, ao ver a verde-amarela a tremular! E dane-se quem achar que é patriotice lacrimejar vendo a bandeira subir no pódio olímpico, ou vibrar vendo a bandeira dar a volta vitoriosa na Copa.

Além disso, também aprendi a amar o verde/amarelo porque já estava na Bandeira do Império, representando assim uma respeitável continuidade histórica sem traumas, um velho regime cedendo sem sequer um tiro para nascimento de uma república, coisa raríssima no mundo.

Aprendi também que as primeiras bandeiras da nossa república foram bordadas por mulheres. E com Ayrton Senna aprendi a empunhar a bandeira com orgulho.

Mas agora, “coxinha” por causa da bandeira no boné, que faço? Deixo a bandeira ali e passo a ser visto como não sou? Ou tiro a bandeira como se tirasse minha própria história do boné?

Não, confrontem-se bolsonáticos e luláticos, empunhando bandeiras amarelas ou vermelhas, minha bandeirinha vai passar ao largo. Ela representa todos que querem uma democracia onde não se julgue pessoas por bandeira no boné ou tatuagem no braço, cor da roupa ou da pele, brinco na orelha ou rubi no anel.

Minha bandeira é filha do negro José do Patrocínio e da austríaca Maria Leopoldoldina. É bandeira de quem trabalha, paga os maiores impostos embutidos do mundo, vendo tanta barbaridade e desigualdade mas acreditando que só com ordem se tem progresso e só com democracia avança a civilização.

Afinal, a bandeira no boné é discreta, é só um lembrete de que, seja qual for a cor preferida de quem eventualmente está no poder, sou brasileiro, do país da Seleção canarinho, da bandeira verdamarela.