Em avião a caminho da Europa, brasileiros se juntam e começam roda de samba, ainda cantando meio baixo, com tanto gosto quanto tanto receio de incomodar outros passageiros, principalmente os europeus. Vão de Noel a Chico, de Caymmi a Paulinho sempre ainda em voz contida mas, quando começam Trem das Onze, passam a cantar bem alto, como a atestar a tantos estrangeiros que, mesmo deixando o Brasil, continuam sendo brasileiros.

Também juntam-se mais vozes cantando porque é uma das músicas de Adoniran Barbosa que todos conhecem, eleitas pelo povo como hinos nacionais informais.

Saudosa Maloca é exemplo dessa adonidade a inserir na MPB a “língua do povão”, simples, direta e cheia de coração, já começando com o que nem parecem versos mas simples frases narrativas, pedindo licença respeitosamente: “Se o senhor não tá lembrado / dá licença de eu contar / ali onde agora está / esse edifício alto / era uma casa velha / palacete abandonado”.

Nessa mesma linguagem de narrador de história, amizade e cooperação são apresentadas com o respeito merecido como fontes de civilização: “Foi ali, seo moço / que eu, Matogrosso e o Joca / construímos nossa maloca”.

A música sobe o tom em frases longas: “Mas um dia nós nem pode se alembrá/ veio os homi co´as ferramenta / o dono mandô derrubá”. As incorreções de linguagem dão autenticidade ao narrador excluído, também dando sensação de inclusor a quem canta.

A narração cinematográfica volta ao tom baixo para triste cena: “Peguemos todas nossas coisas / e fumos pro meio da rua / apreciá a demolição”. Passa-se para foco interior: “Que tristeza que nóis sentia / cada tauba que caía / doía no coração” (com o hiato “ia” como que a ecoar as quedas das tábuas).

O tom musical sobe com revolta mas a razão fala mais alto: “Matogrosso quis gritar / mas em cima em falei / os homi tá co´a razão / nóis arranja otro lugar”.

Nessa gangorra emocional, o tom volta a baixar para a sabedoria da experiência e o conformismo da fraqueza: “Só se conformemos quando o Joca falou / Deus dá o frio conforme o cobertor / e hoje nós pega paia nas grama do jardim”.

Mas a narração não encerra, pois o verso seguinte é um paradoxo: “e pra esquecer nós cantemos assim”. Pois se é para esquecer, cantar não será lembrar mais?

Nessa ilogicidade se vê também conformismo, logo a seguir assumido com alegria pelo excluído: “Saudosa maloca, maloca querida / din-din donde nós passemo / os dias feliz de nossas vidas”.

Assim a saudade dos bons dias consola o presente ruim, com essa brincalhice da memória se evidenciando na infantil expressão “din-din donde”, como se a buscar refúgio na nossa casa interior da infância.

Quando estrangeiros perguntam porque tal música é cantada com tanto entusiasmo, pode-se responder que é porque as músicas de Adoniran falam de um profundo, resistente e esperançoso Brasil.

E deve ser por tudo isso que, em roda de samba, Saudosa Maloca está sempre presente.