Em forma
Lendo o estupendo A Corrupção da Inteligência, de Flávio Gordon, que desvenda porque o Brasil tanto derrapa no atoleiro esquerda/direita, lembro do sargento Isidoro.
Eu tinha dezoito anos, barba cerrada e cabeça feito pelo comunismo, queria ser Guevara. Enfiado em partidinho clandestino que pregava a luta armada, vivi meses de mochila pronta, esperando ser chamado para a guerrilha, em heróico e egóico romantismo... Agitava na universidade, doutrinava colegiais, mimeografava panfletos, fazia pichações, coletava de simpatizantes, sempre confiante que os sargentos do Tiro de Guerra de nada saberiam. Mas me intriguei de, no exame final, o sargento-chefe Isidoro só fazer perguntas políticas: o Brasil mantinha relações com a Rússia? E com a China? E com Cuba?

Imagem ilustrativa da imagem AOS DOMINGOS PELLEGRINI
| Foto: Reprodução



Alguns anos depois, já me curando da doença ideológica, por acaso encontro o sargento Cláudio, convido para uma cerveja e, depois de três ou quatro, pergunto se eles sargentos sabiam da minha vida clandestina. Claro, ele respondeu de pronto:
- Não viu que no exame o Isidoro só pra você fez perguntas políticas? Foi o modo dele dizer que sabia de tudo. O que você não sabe é que ele te livrou de ser preso. É, a polícia política nos visitou, querendo te pegar mas precisava de autorização do Tiro, pois militar só pode ser preso por militar. Então o Isidoro perguntou qual teu crime, disseram que era só para "investigar"... Aí ele disse que autorizaria e escoltaria pessoalmente a detenção, desde que depois da devida acusação legal, e a coisa ficou nisso.
Sem saber disso, fui com barba de três dias à formatura do Tiro, para saudar a bandeira nacional no Altar da Pátria na Praça Floriano Peixoto, assim já recomeçando a barba guevarista que tinha cortado para o serviço militar. O sempre vigilante sargento Isidoro mandou sair de forma para ir me barbear. Menti que estava barbado por irritação alérgica, aí ele me olhou fundo e deu um de seus raros sorrisos: - Entre em forma, saúde a bandeira e seja feliz...
Assim também me livrou de repetir o serviço militar em quartel, pois eu estava – devido à vida política – estourado em faltas. E sim, meu saudoso sargento, entrei em forma e continuo como você, vigilante com os deslizes e tolerante com os infelizes. Também continuo, como naquele dia, saudando com respeito e esperança a bandeira nacional.

Notícia da Chácara

FLORAÇÃO
Permita-me, leitor, ser professor floral, convidando para se perguntar a diferença entre florada e floração. É a mesma diferença entre fotografia e cinema ou entre ação e processo. A florada é resultado da floração, que começa já com a queda das folhas das árvores caducifólias, assim chamadas porque se despem da folharada poupando energia para se cobrir de flores.

Imagem ilustrativa da imagem AOS DOMINGOS PELLEGRINI
| Foto: Foto: Dalva Vidotte



No flamboiã, quando surgem os botões, como na foto já com as primeiras flores, a árvore faz fitografia de toda sua história: os botões contém as flores, prenunciando as novas vagens com novas sementes, enquanto nos galhos ainda resistem velhas vagens com velhas sementes. Velhice e renovação ao mesmo tempo, como nós quando estamos com os netos. Envelhecemos entre árvores que se renovam todo ano, também sempre crescendo enquanto nós, depois de certa idade, você sabe, só crescemos para os lados...
E o flamboiã, depois da florada, ainda choverá flores, como o artista que agradece lançando a capa dos ombros aos pés.