Imagem ilustrativa da imagem Ao deus da chuva
| Foto: Gustavo Carneiro/ 16-04-2021

E, finalmente, veio a chuva tão esperada pelos milharais, os pés de milho já com seus pendões, como a pedir ao céu água para encharcar as raízes e encher as espigas. Nossa casa é cercada de plantações que todo ano fazem o vale enverdecer e amarelar, e esse verde-amarelo se completa com céu azul e nuvens brancas, assim o vale está sempre nos lembrando da Bandeira e do Brasil, e também nos lembrando de agradecer à chuva.

Vizinho lavrador diz que “choveu na veia”, fazendo pensar na elementar semelhança líquida entre água e sangue, e também fazendo lembrar que sem chuva nem haveria vida. Os livros na estante lembram que a própria terra nem estaria aí não fosse o trabalho das chuvas por bilhões de anos, fazendo das rochas isso que chamamos de crosta terrestre. Mudos, os livros ainda fazem lembrar que são as chuvas que salgam o mar, levando os sais que varrem das tantas cordilheiras e milhares de colinas nos continentes, através de incontáveis riachos e rios. E o mar agradece devolvendo água aos continentes na forma de chuva, com a ajuda do sol para a evaporação fazer as nuvens que viajam com o vento, numa imensamente viva cooperação que chamamos de clima.

Assim, as chuvas são como o sangue desse ser vivo que chamamos de Terra, e que, se a lógica imperasse, devia se chamar Chuva.

Mas a mesma chuva tão benéfica para os que vivem da terra, prejudica outros como o pessoal da dúzia de construções na vizinhança. Nas casas já com telhados ainda se trabalha por dentro, mas as outras silenciaram seus estalos de martelo e gemidos de serra, poucos ruídos chegam abafados pelo chuvisqueiro. Mas já noutras chuvas percebemos que, quando mal passa a chuvarada, o céu ainda coberto de nuvens, os passarinhos porém cantam mais animados, decerto já confiando em cavoucar e bicar minhocas na terra úmida, que o joão-de-barro irá aproveitar para também fazer sua casa.

No posto de combustíveis onde se vende de tudo e até se come e se bebe, um pedreiro conhecido me diz que, mesmo sem poder trabalhar com o tempo chuviscoso, ficará ali esperando o tempo secar talvez à tarde, para isso trouxe sua marmita e sua esperança.

Pergunto se valerá a pena trabalhar só metade de um dia, custeando transporte e gastando tempo, e seus olhos brilham contando que tem fila de serviços esperando, a pandemia aumentou a procura, então precisa aproveitar essa maré boa depois de ano com pouco ou nada. Mas arremata que, mesmo assim, não maldiz a chuva, porque já foi “da roça” e sabe que “é da chuva que vem o feijão”. Além disso, completa, “se não cai chuva lá, corre muito menos dinheiro aqui”.

Em casa, os noticiários repetem que, no Norte deste país continente, as chuvas enchem os rios e invadem as cidades, mas, no Sul, estamos há alguns anos na pior temporada de secas nas últimas décadas, com previsão de só piorar e causar até racionamento, como já em Curitiba. Então, concordo com o pedreiro: dai-nos, deus da chuva, nem tanto que nos afogue, nem menos do que precisamos para encher as espigas do nosso milho, nosso fubá, nossa polenta, nosso maná.

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