Em 2022, o cultivo da soja no Brasil comemorou 140 anos desde sua introdução no País, em 1882. Ela entrou pelo Estado da Bahia (latitude 12ºS), onde fracassou como potencial cultura comercial na época, dadas as condições de baixa latitude dessa região para as variedades então disponíveis, todas desenvolvidas para as condições de elevadas latitudes dos Estados Unidos da América, onde prevalecem latitudes próximas ou superiores a 30°N, desde onde foram introduzidas. Dadas as condições desfavoráveis para o seu desenvolvimento no estado da Bahia, a soja permaneceu esquecida como cultura potencial para o Brasil, por mais de meio século.

Foi somente a partir da década de 1940, quando testada para as condições subtropicais do extremo sul brasileiro (latitudes de 25°S a 32°S), onde predominam condições climáticas semelhantes às do sul dos EUA, que a soja desponta como potencial lavoura para o Brasil.

O primeiro registro de produção comercial de soja no Brasil data de 1941: área de 702 ha, produção de 457 toneladas (t) e rendimento inferior a 700 kg/ha. Nesse mesmo ano foi instalada em Santa Rosa, Rio Grande do Sul, a primeira esmagadora de soja do país. Nessa época, ali, também, teve início o cultivo comercial da oleaginosa em território brasileiro. De 1941 a 1949, a produção evoluiu para 25 mil t, para 100 mil t em meados dos anos 50 e para mais de 1.0 milhão de toneladas (Mt) em 1969, a partir de quando a produção explodiu, alcançando cerca de 15 Mt em 1979 e para as atuais 153 Mt, constituindo-se no líder global destacado entre os grandes produtores mundiais de soja, superando, inclusive, os EUA, historicamente o líder global destacado na produção de soja.

Imagem ilustrativa da imagem Soja: um negócio da China, mas para o Brasil
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De produtor periférico, o Brasil foi catapultado para a liderança no ranking dos países grandes produtores da oleaginosa. Sua participação no bolo global da produção cresceu de 1% em 1960, para cerca de 50% em 2022, quando o País desfruta folgadamente a liderança global da produção de soja e com perspectivas de que não mais será superado por outro concorrente.

Depois de ocupar praticamente todas as áreas disponíveis para o seu cultivo na Região Sul do Brasil, a soja avançou com fúria sobre a despovoada e desvalorizada Região do Bioma Cerrado (centro oeste), transformando-a, de uma quase curiosidade, em 1977, no principal celeiro nacional. Nesse ano, a soja produzida no Cerrado respondia por apenas 7,13% da produção brasileira, mas claramente sinalizava a determinação de avançar sobre o ecossistema central do País, apoiada pelos mesmos atores que haviam experimentado o sucesso com a sua exploração no sul do país.

A partir dessa época, a produção de soja iniciou uma viagem sem retorno rumo ao centro-oeste, elevando a produção da região de 722 mil t em 1978, para mais de 80 Mt em 2022, uma produção superior a 100 vezes no período, quando a produção da região tradicional (RS, SC, PR e SP) também cresceu, mas incomparavelmente menos, dada a menor disponibilidade de terras na região.

As principais causas pelo rápido crescimento da produção na região tradicional (Sul) foram os altos preços de mercado da soja em meados dos anos 70, assim como a boa adaptação das variedades introduzidas desde os EUA e o perfeito casamento da soja com o trigo, permitindo um duplo cultivo no ano, utilizando a mesma infraestrutura de armazéns, de máquinas e de mão-de-obra. Para a região central do País, o grande motivador para o deslanche da produção esteve vinculado à grande disponibilidade e baixo valor das terras, ao desenvolvimento de variedades adaptadas às condições de baixa latitude do Brasil central (Soja Tropical), à boa distribuição das chuvas no período primavera/verão, à melhoria da infraestrutura de rodovias e comunicações – no marco da construção da nova capital brasileira (Brasília) - e ao bom nível econômico e tecnológico dos produtores que migraram do sul para o Cerrado.

PESQUISA

Na sua curta trajetória pelo Brasil, a soja enfrentou problemas que foram rapidamente solucionados pela pesquisa nacional. Nos anos 60, embora a pesquisa fosse pouca e concentrada – como a própria soja – no sul do País, os problemas também eram poucos. Os mais importantes foram a falta de boas variedades, o controle de plantas daninhas, o percevejo verde e a lagarta da soja. As doenças não eram consideradas um problema sério e, portanto, quase negligenciadas. Pústula bacteriana e Fogo Selvagem constituíam os problemas fitossanitários mais sérios e foram facilmente controladas pela incorporação de resistência às variedades comerciais.

Nos anos 70, a pesquisa com soja foi fortalecida com o estabelecimento da Embrapa Soja, em Londrina, PR e por outras unidades de pesquisa, com destaque para o Instituto Agronômico de Campinas (IAC-SP), a Emgopa (GO), e a Embrapa Cerrados, no Distrito Federal. Variedades adaptadas para as condições do Brasil-Central e resistentes à nova doença denominada de Mancha-olho-de-rã foram desenvolvidas e disponibilizadas ao setor produtivo da região.

INSETICIDAS

O bom preço da soja em meados dos anos 70 favoreceu excessos no uso de pesticidas, problema resolvido com a implementação do programa Manejo Integrado de Pragas (MIP), o que reduziu de cinco para duas a média anual de pulverizações com inseticidas. Infelizmente, o programa perdeu força e os agricultores estão voltando ao passado, com pulverizações calendarizadas, independentemente da presença dos insetos-praga.

Os anos 80 foram muito pródigos no desenvolvimento e oferta de boas variedades para a região do Cerrado, mas no final dessa década surgiu o Cancro-da-haste, uma nova e devastadora doença da soja. Felizmente, a existência de fontes de resistência no banco de germoplasma da Embrapa permitiu que o mal fosse prontamente sanado, via incorporação de resistência nas variedades comerciais.

NOVOS PROBLEMAS

Nos anos 90, a soja continuou a expandir-se aceleradamente pelo bioma Cerrado e com ela foram aparecendo novos problemas como o nematoide de cisto (início dos anos 90) e a Ferrugem Asiática (2001); presentemente a mais importante doença da soja no mundo. Variedades com alguma tolerância ao nematoide e à ferrugem já foram conseguidas, mas não se vislumbram, ainda, possibilidades reais a curto prazo de conseguir cultivares imunes a esses dois problemas. A solução, em curto prazo, é o tratamento com fungicidas para a ferrugem e manejo e tratos culturais para reduzir a infestação com os nematoides.

Na falta de fontes de resistência nos bancos de germoplasma de soja pelo mundo, a pesquisa está concentrando esforços na identificação de genes transgênicos (estranhos ao DNA da soja) capazes de conferir resistência aos nematóides e à ferrugem asiática, incorporando-os nas cultivares comerciais. É um trabalho moroso, delicado e caro, mas foi assim que se conseguiu incorporar resistência ao herbicida glifosato na soja RR e dois genes para conseguir a soja RR 2 Bt Ipro.

O futuro da soja brasileira é promissor. As perspectivas do mercado internacional são boas. O Brasil tem potencial para incrementar sua produção e atender ao esperado aumento da demanda mundial.

Amélio Dall’Agnol, Engenheiro Agrônomo