Em agosto de 1964, o major-aviador Rubem Vaz, guarda-costa voluntário do jornalista Carlos Lacerda, foi morto por um tiro no atentado que visava Lacerda, praticado por integrantes da segurança do presidente Getúlio Vargas. A Aeronáutica tomou a si a investigação do fato, instalando uma espécie de tribunal na Base Aérea do Galeão, que entrou para a história como República do Galeão. A Força Aérea se sentiu agredida, ignorou os caminhos legais, fez o inquérito e julgou. Dois dias depois, Getúlio se matou. Não creio que o Supremo de hoje queira comparar-se à República do Galeão, para tirar um presidente. A arma mais persistente já tem 14 meses nas mãos de Alexandre de Moraes, é o Inquérito das Fake News. Ironicamente, essa denominação em si já é uma fake news.

Contrariando o Ministério Público desde o tempo de Raquel Dodge, está embutida na investigação uma intimidatória censura, proibida pela Constituição, que garante a liberdade de opinião e de expressão. Injúria, calúnia e difamação são crimes; não fake news. Se alguém posta a intenção de tocar fogo no Supremo ou enfiar outra faca em Bolsonaro, isso não é notícia falsa; é ameaça, crime previsto no Código Penal. E fake news não são exclusividade das redes sociais onde, aliás, uma notícia falsa é detectada e desmentida em minutos.

Fake news é quando um grupo de camisas-pretas, punhos cerrados, com todas as características de movimento fascista, atacando manifestantes pacíficos a socos e pontapés, no noticiário é chamado de "antifascista”, porque gritava “democracia”. Quando um grupo arranca do mastro do Palácio Iguaçu em Curitiba a bandeira nacional e a rasga e queima e é chamado de antifascista na TV, isso é fake news.

No próximo dia 10, o plenário do Supremo vai examinar esse inusitado inquérito que nem tem sequer finalidade clara. Uma outra questão, essa nas mãos de Celso de Mello, é o pedido de partidos de oposição para quebrar o sigilo do celular do presidente. Acaba de ser arquivada pelo ministro, depois que o procurador-geral o ensinou que partido político não é parte legítima para isso. Também contra o presidente, a insinuação de Sergio Moro de influência indevida na Polícia Federal; mas isso já se diluiu depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Nem Vargas teve tantas acusações na República do Galeão: agora o ministro Barroso, que assumiu a Justiça Eleitoral, tira da gaveta pedido de dois candidatos derrotados, Boulos e Marina, para anular o registro da chapa Bolsonaro-Mourão. Isso cassaria o voto de quase 58 milhões de eleitores. No primeiro artigo da Constituição, o parágrafo único que diz que todo poder emana do povo. E isso não é fake news; é a base da democracia.

Alexandre Garcia é jornalista – [email protected]