Emerson Cervi
De Curitiba
No penúltimo ano do século XX, as relações entre poder público e a sociedade de Curitiba foram marcadas principalmente pelas discussões sobre uma nova lei de zoneamento e uso de solos para a cidade. Destinada a regulamentar as construções e a forma de ocupação dos espaços urbanos, a nova lei de zoneamento prevê uma descentralização dos pólos de adensamento humano e maior integração com cidades da região metropolitana. A novidade na legislação para crescimento urbano é outra coincidência entre a Curitiba do final dos dois séculos.
Em 1899 os construtores e proprietários de imóveis curitibanos estavam se adaptando às determinações do primeiro Código de Posturas do município, aprovado pela Câmara de Vereadores em 1895. De acordo com o historiador Marcelo Saldanha Sutil, que fez uma dissertação de mestrado sobre a arquitetura da cidade, ‘‘regulamentos destinados às edificações não eram novidade na época. O inusitado, nesse caso, é a entrada de um personagem técnico, o engenheiro’’.
Desde o Código de Posturas de 1895, o diretor de obras do município, sempre um engenheiro, passou a ser responsável pelo cumprimento das normas. Aqueles que desrespeitassem a lei seriam multados em até 30$ (trinta mil réis) pelo técnico. A lei estabelecia alinhamentos, normas sanitárias, afastamentos e aparência das fachadas. O cidadão multado pelo técnico poderia recorrer ao prefeito, caso se sentisse lesado, ‘‘mas seria a disputa entre o saber técnico-científico e o autoditatismo que prevalecia na maioria das obras’’, relata o pesquisador. Muito antes do Ippuc (Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba), o conhecimento técnico tinha importância decisiva em questões urbanísticas da cidade.
Assim como a legislação atual, a do século passado punia os proprietários de lotes vazios. Hoje, os donos desses terrenos pagam alíquotas maiores de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Em 1899, muito antes da criação do IPTU, o incentivo à ocupação se dava pelo parcelamento de terrenos com no máximo 22 metros de frente e o equivalente de fundo. Os donos das áreas não edificadas tinham que cercá-las com gradil ou muro em até seis meses. E tinham no máximo dois anos para construir no local.
O artigo 110 desse Código de Posturas determinava que ‘‘... não serão permitidos no quadro urbano cercas que não sejam gradis ou muros feitos com o fim permanente de embelezar a cidade... A infração será punida com 50$ (cinquenta mil réis) de multa, além de ser o infrator obrigado a fazer a modificação dentro do prazo que lhe foi marcado.’’
Para comprovar as semelhanças entre os curitibanos de 1899 e os de 1999, a questão dos afastamentos laterais foi um dos principais pontos do código de posturas do século passado e da nova lei de zoneamento da cidade. A proposta aprovada no dia 14 de dezembro desse ano pela Câmara de Vereadores estabelece como afastamento mínimo o índice de H/6 (altura da construção dividida por seis para cada lado do imóvel). O objetivo da mudança é aumentar o espaço livre entre os prédios, reduzir a ocupação por metro quadrado, melhorar a circulação do ar, ensolação e preservar a privacidade das pessoas.
‘‘O Código de 1895 rompia com o antigo costume das casas coladas parede a parede e fazia referência a corredores abertos entre as edificações’’, conta Marcelo Sutil. Para ele, essa lei foi o ponto inicial de uma nova proposta de urbanismo para Curitiba. As distâncias mínimas entre paredes laterais eram de 1,5 metro a partir da divisa do terreno. ‘‘Com espaços vazios entre as residências, os proprietários poderiam fazer jardins laterais e ampliar a área de iluminação de cômodos da casa’’, e completa, ‘‘o afastamento lateral atendia às prescrições da medicina sanitária e transformava a paisagem das ruas da cidade.’’

COMPARATIVO
Curitiba - 1899 - 1999
População - 49,5 mil - 1,60 milhão
Pop. economicamente ativa - 16,8 mil - 686 mil
Taxa de natalidade - 33,4/1000 - 19,6/1000
Transporte coletivo - Bondes a burros - Ônibus biarticulados
Legislação/planej. urbano - Cód. de Posturas - Lei de zoneamento

DADOS GEOGRÁFICOS
Área: 432,17 Km2
Extensão Norte-Sul: 35 Km
Extensão Leste-Oeste: 20 Km
Relevo levemente ondulado
Altitude média: 908 m
Clima: temperado
Pluviosidade: 1.500 mm/ano
Temp. média no verão: 21ºC
Temp. média no inverno: 13ºC