"Eu gosto de escrever muito na internet. Os pensamentos são sobre vários assuntos", explica Antonio Tunouti, que usa o tablet (presente dos filhos) para acessar o Facebook
"Eu gosto de escrever muito na internet. Os pensamentos são sobre vários assuntos", explica Antonio Tunouti, que usa o tablet (presente dos filhos) para acessar o Facebook | Foto: Saulo Ohara



O aposentado Antonio Tunouti já trabalhou muito na vida. Formado em farmácia, em 1959, e em direito, em 1979, foi propagandista de produtos farmacêuticos, até quatro anos atrás mantinha uma farmácia em Londrina e durante 20 anos atuou paralelamente como advogado sindicalista. Com os frutos de seu trabalho, criou e formou seus quatro filhos. Para muita gente, a aposentadoria é o momento ideal para descansar e acompanhar o crescimento dos netos, mas parar parece ser uma palavra inexistente no vocabulário de Tunouti.

Recentemente, concluiu o curso de corretor de imóveis como uma possibilidade de viabilizar um novo negócio, e perto de completar 81 anos, ele é o candidato mais velho inscrito no Vestibular 2019 da UEL (Universidade Estadual de Londrina). No início do mês a instituição divulgou os nomes dos aprovados na primeira fase e o dele estava na lista. Tunouti tenta uma vaga no curso de letras português vespertino e se prepara para as provas da segunda fase, que acontecem no início de dezembro. "Pretendo ter uma ocupação em vez de ficar no boteco 'enchendo' a cara ou jogando baralho no Calçadão", diz. "Vestibular é coisa de louco. Sou um museu ambulante, mas não quero ser um museu, quero ser uma enciclopédia ambulante", conta, rindo.

Mas o principal motivo que o levou a inscrever-se no vestibular da UEL, revela, foram as reclamações de jovens estudantes sobre a dificuldade da prova aplicada pela instituição. "Sempre ouvi muitos jovens dizerem que as provas eram muito difíceis e eu queria fazer uma avaliação do sistema de perguntas do vestibular." Após passar pela primeira fase, Tunouti diz concordar com eles. "O nível das perguntas está fora do contexto colegial. A formulação das questões está em nível de quem vai lecionar nas faculdades e não de quem vai aprender. Eles se preocupam em fazer perguntas para os alunos errarem e não para os alunos acertarem. O MEC (Ministério da Educação) deveria estabelecer um padrão de perguntas", sugere.

Mesmo considerando elevado o grau de dificuldade do vestibular da UEL, Tunouti passou para a segunda fase. Para a próxima etapa do concurso começou a estudar sociologia e língua portuguesa, disciplinas nas quais tem mais dificuldade. "Vou estudar um pouco mais para a próxima fase, mas o tempo é muito curto."

O ingresso na faculdade de letras, acredita Tunouti, vai aproximá-lo ainda mais de seu sonho. "A pessoa tem que ter um sonho para poder estudar. E meu sonho é ser escritor, mas me falta conhecimento em gramática. Por isso quero estudar letras. Pretendo escrever um livro sobre o Norte do Paraná. Contar sobre a geografia da região, desde o seu nascimento", comenta.


REDES SOCIAIS
Tunouti nasceu em Cornélio Procópio (Norte) em 1937, e mudou-se para Londrina na juventude. Formado em farmácia, trabalhava como propagandista de produtos farmacêuticos e veio para o Norte do Paraná transferido pela empresa na qual atuava. Foi aqui que se casou, teve os quatro filhos e se estabeleceu profissionalmente.

Hoje, aposentado, divide as horas entre as aulas de inglês, no Sesc, e as artes, que sempre admirou, mas não tinha tempo para se dedicar com a intensidade que gostaria. Durante a entrevista, pediu licença por alguns minutos e retornou com um tablet em uma das mãos e uma tela na outra. A pintura é de uma paisagem onde um dos destaques é uma araucária. "Mas ainda não está pronta. Falta colocar as pessoas. Aprendi com uma pintora que a gente tem que ir pintando aos poucos."

O tablet, presente dos filhos, ele utiliza para acessar o Facebook, onde há três anos começou a registrar suas reflexões. "Já estou no número 350", diz, orgulhoso. É na página que criou na rede social que escreve suas impressões sobre a vida e o cotidiano, como sua percepção a respeito da infantilidade, publicada no último dia 11 de novembro: "Nem o tempo nos dá o certificado de adulto, mesmo com a cachola inteiramente coberta de musgos."

"Eu gosto de escrever muito na internet. Os pensamentos são sobre vários assuntos. As reflexões caem do céu, é algo instantâneo, brota, e se não escrever naquele momento, acabo esquecendo", diz. E de onde vem a inspiração? "Para escrever tem que sair, frequentar outros ambientes. Se ficar no sofá, não vou coletar material. Eu não sou um velho frustrado. Me sinto realizado na vida."