Arapongas - Essa não é só uma história de superação. É uma história de vida contada por um garotinho que ainda não conhece o significado das palavras, mas entende de amor. Internado por mais de 180 dias com sérias complicações de saúde, Davi Willian Bento celebra agora os 10 meses de vida em casa ao lado da mãe Luana Rodrigues Rocha, 24.

“O melhor remédio que posso dar para meu filho é amor, companheirismo e cuidado. E para aqueles que estão passando por algo semelhante, o meu recado é para que tenham fé”, diz Luana Rocha
“O melhor remédio que posso dar para meu filho é amor, companheirismo e cuidado. E para aqueles que estão passando por algo semelhante, o meu recado é para que tenham fé”, diz Luana Rocha | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

Os médicos que o acompanham descrevem a experiência como “um milagre da vida”, que começou no dia 5 de fevereiro de 2019. Apesar de alguns exames na gravidez, Rocha só teve o diagnóstico de Síndrome de Down após o nascimento do filho. A pediatra Camila Ercolin Ramos explica que a condição costuma ter doenças associadas como cardiopatias. Davi precisava então passar por uma cirurgia do coração logo nos primeiros dias de vida, mas essa seria outra etapa a ser enfrentada.

Em primeiro lugar, aquele bebezinho com menos de três quilos precisava lutar contra a desnutrição e outras infecções. “Pela cardiopatia, ele respirava com muito esforço e esse gasto energético fazia com que ele emagrecesse e aspirasse o leite materno. Então, ele foi para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por conta de uma pneumonia”, conta a médica.

Foram mais de 20 esquemas de antibióticos entre os meses de fevereiro e agosto. “A gente não conseguia estabilizar o quadro de base e assim esperamos pela morte dele por vários dias, preparando a família e todos os demais envolvidos. Mas vendo o Davi hoje, o que me vem à cabeça é que a gente sabe bem pouco da vida. Tudo pode acontecer. Foi a criança que mais teve vontade de viver que eu conheci até agora. Tem sido uma superação atrás da outra”, desabafa a profissional.

O pequeno Davi já passou por quatro cirurgias, entre elas, a do coração. “Mesmo quando ele estava super sedado na UTI, quando eu o chamava ele abria os olhinhos. Eu cheguei, muitas vezes, a entregar toda aquela situação para Deus. Busquei apegar à minha fé porque era o que me restava”, diz Rocha, entre um mimo e outro com o filho.

De mãe, Rocha assumiu também o papel de enfermeira. É ela quem faz toda a higiene da traqueostomia (inserção de tubo na traqueia) e da sonda ligada ao estômago, por onde Davi é alimentado. Ele já ganhou peso e a expectativa da mãe para o ano que se inicia é que o filho passe a respirar normalmente.

“Esse ano foi bem pesado e para 2020 desejo uma boa evolução para o Davi. O melhor remédio que posso dar para meu filho é amor, companheirismo e cuidado. E para aqueles que estão passando por algo semelhante, o meu recado é para que tenham fé”, diz a mãe, que mora em Arapongas (Região Metropolitana de Londrina).

'Não é uma limitação física
que nos impede de fazer algo bom'

Luana Rodrigues Rocha não tem com quem dividir os cuidados diários com o filho Davi, mas ela conta uma rede de apoio formada pela equipe multidisciplinar que os acompanha semanalmente. Entre eles estão os pediatras Camila Ercolin Ramos e Mario Utiamada.

Utiamada nasceu - assim como os outros três irmãos - com hemofilia (distúrbio genético e hereditário que afeta a coagulação do sangue). Durante a infância no distrito de Guaravera, na zona sul de Londrina, ficou sem andar durante quatro anos pela doença. “O meio hospitalar era quase uma segunda casa”.

Mario Utiamada, pediatra: "Já passei por situações constrangedoras por atender em uma cadeira de rodas ou com muletas, mas oferecer um tratamento de qualidade independe da minha condição física"
Mario Utiamada, pediatra: "Já passei por situações constrangedoras por atender em uma cadeira de rodas ou com muletas, mas oferecer um tratamento de qualidade independe da minha condição física" | Foto: Divulgação - Hospital Evangélico

E até hoje a medicina faz parte de sua vida. Ao se formar em 2007, após ter trancado o curso por dois anos para uma cirurgia no joelho, Utiamada passou a ter um contato maior com as crianças internadas no HU (Hospital Universitário) que demandam um tratamento global devido a problemas de saúde crônicos complexos. “Cuidando melhor das nossas crianças podemos pensar em um futuro melhor”, justifica.

Utiama se especializou em Cuidados Paliativos Pediátricos no Instituto de Ensino e Pesquisa do Sírio Libanês, em São Paulo, e diz que apesar do desgaste físico e emocional, causados muitas vezes pela doença, ele nunca deixou de trabalhar. Muito pelo contrário. Ele afirma que é no cuidar de crianças que está sua grande motivação.

“Se você faz o outro se sentir bem a chance dessa pessoa também praticar e espalhar o bem aumenta. Já passei por situações constrangedoras por atender em uma cadeira de rodas ou com muletas, mas oferecer um tratamento de qualidade independe da minha condição física. Não é uma limitação física ou social que nos impede de fazer algo bom”, completa.

Com o coração aberto, Utiamada sente que não poderia exercer outra profissão. “Entendo que as crianças que estão sob os meus cuidados são uma joia preciosa para alguém. Nós precisamos resgatar a humanidade nos tratamentos de saúde”, afirma o médico, que é coordenador do Pronto Atendimento Pediátrico do Hospital Evangélico de Londrina

Destino ou não, o fato é que o coraçãozinho de Davi encontrou mais um companheiro de vida, que também venceu muitos desafios. “O Davi tem um diferencial, com certeza. Ele é muito guerreiro e no final a gente acredita que tudo aconteceu no tempo certo”, diz o médico. E mesmo que o pequeno Davi ainda não possa agradecer com palavras toda a energia que seu coração vem recebendo, ele sabe que o amor é para ser sentido e a vida é para ser celebrada.