Era um rapaz de 20 quando começou a trabalhar como porteiro em um condomínio no centro de Londrina. Trinta e três anos depois, Ademar Pedro da Silva, 54, foi solicitado para último favor antes da despedida, mas foi surpreendido com uma homenagem dos moradores. “Eu não esperava. Fiquei feliz, chorei... É muito forte!”, declara. Três gerações homenagearam o porteiro em seu último dia de trabalho em direção à aposentadoria.

Imagem ilustrativa da imagem Um porteiro nota dez em Londrina
| Foto: Sofia Araújo Loredo/Divulgação

Desde que parou de fumar, há 21 anos, o porteiro adotou a bicicleta como meio de transporte. Por entender do veículo, era a ele que as crianças recorriam quando precisavam de ajuda. “Ele ajudava com as minhas, a besuntar, dava conselho, uns toques, porque ele sempre ia e voltava de bicicleta para o condomínio e ele mora lá nos Cinco Conjuntos (norte)”, menciona Gregório Lousada Lima, 40.

O morador chegou aos oito anos no condomínio Residencial Paranaguá e recorda uma infância tentando esconder a bagunça do Seo Ademar. “A gente aprontava muito e alguém avisava: ‘lá vem o Ademar!’. A gente não era fácil, pulava mureta, queria subir bicicleta pelo elevador e ele sempre atrás da gente. Ele brigava, levei muita bronca dele”, ri. Lima agora divide a história com a os filhos. “O Ademar me viu crescer, viu meus três filhos nascerem, acompanhou a nossa vida toda”, revela.

O porteiro coloca os episódios com as crianças em destaque na memória. “Na época do Gregório era terrível, tinham umas 22 crianças, só um apartamento tinha cinco. Agora não existe mais isso. Eles corriam, brigavam, tinha que apartar briga”, recorda entre risos. “Eu dou risada. Com criança tem que ter paciência, mas sempre foram obedientes, não deram trabalho”, garante.

"Para mim foi uma satisfação muito grande, amo esses moradores de coração", afirma Ademar Pedro da Silva, que foi surpreendido com a  homenagem
"Para mim foi uma satisfação muito grande, amo esses moradores de coração", afirma Ademar Pedro da Silva, que foi surpreendido com a homenagem | Foto: Sofia Araújo Loredo/Divulgação

Isso porque o porteiro ganhou a confiança dos moradores com o seu cuidado e com a forma de enxergar o trabalho. “Eu nunca fiz curso de porteiro, mas dentro de um condomínio a gente aprende mais que um curso e eu sempre quis ajudar. Eu cuidava, fazia manutenção, coisa simples, reparo de torneira, mexer com válvula, trocar uma lâmpada... Eu varria a calçada, sempre cuidei, zelei, era a minha casa ali”, argumenta.

Para ele, esse jeito afetuoso é o que faz a diferença na profissão. “A qualidade do bom porteiro é a atenção, não só com os moradores, mas com quem trabalha no condomínio e com quem presta serviço, diariamente a gente recebe muito entregador e eles já nos conhecem, sabem o nome, tem que tratar bem essas pessoas também”, afirma.

Porém, o vínculo só se cria com a rotina e respeito mútuo e acredita que lá tenha atingido esse nível de relacionamento. O que acredita estar em falta, considerando que boa parte dos condomínios prefere contratar empresas terceirizadas com rotatividade de pessoal. “O ideal mesmo é a pessoa fixa, trabalhando, zelando pelas pessoas, porque cria esse vínculo, gera confiança”, defende.

'MUITO ESPECIAL'

Confiança que Dálgima Favoreto, 76, tinha de olhos fechados ao deixar os filhos adolescentes no apartamento aos cuidados da avó e no pátio aos cuidados do Ademar. O porteiro se tornou peça fundamental para aconselhar os filhos e vigiar os netos. “Quando falavam que era o senhor Ademar na portaria, a gente ficava sossegada, porque ele olhava para a minha família ele foi muito especial, meus netos e filhos admiram e gostam muito dele”, conta.

Favoreto tem grande relação com o local. A família cresceu e Silva viu tudo: a formação na faculdade, os casamentos, a chegada dos netos e também a despedida do marido. “Eles faziam aniversário no mesmo dia. Meu marido, quando era vivo, era companheiro pra uma conversa lá embaixo”, cita.

A segunda geração não saiu de lá, três dos quatro filhos de Favoreto vivem no mesmo condomínio com os netos. “Hoje eu estou com 76 anos e às vezes saio sem celular, passo na portaria e aviso o Ademar onde estou indo. Meus filhos ou netos ligam na portaria para perguntar se ele sabe onde eu estou ou se deixei recado”, comenta rindo.

NAS ORAÇÕES

Cada apartamento, uma história. Silva guarda cada uma com muito carinho e diz colocar os moradores em suas orações. No último dia de trabalho, ele sairia mais cedo, mas se deparou com uma homenagem surpresa no pátio. Favoreto era uma das participantes. “Como a gente não pode aglomerar, alguns assistiram à homenagem da sacada batendo palma, abanando a mão para ele, foi uma coisa inusitada e maravilhosa, não estava combinado”, comenta a moradora.

Imagem ilustrativa da imagem Um porteiro nota dez em Londrina
| Foto: Sofia Araújo Loredo/Divulgação

“A gente vai sentir falta, mas merece descansar, fazer o que ele gosta”, comenta Lima. “Ele viu nossa história, mas a gente também viu a dele. Ele é um porteiro nota dez!”, aponta Favoreto. “Para mim, foi uma satisfação muito grande, esses moradores eu amo de paixão, de coração”, comenta Silva.

Depois de quase 34 anos trabalhando no mesmo local, sente-se feliz em poder levar boas histórias. “Têm crianças que eu vi crescer e hoje têm um carinho por mim, que já são pais e têm filhos de 18 anos. Bacana ver na homenagem três gerações participando”, menciona.

O projeto agora é ficar com a família, descansar, viajar para a casa dos filhos e nunca abandonar a bicicleta. “Eu tenho uma ligação muito grande com eles, porque, sinceramente, lá foi a minha segunda casa”, fala. O trabalho acabou, mas sobre dois pedais ele vai longe e não descarta fazer uma visita aos amigos de vez em quando.