Jacarezinho - Uma das poucas pinturas artísticas tombadas pelo Patrimônio Cultural do Estado do Paraná está localizada no Norte Pioneiro. O mural pintado a óleo por Eugênio de Proença Sigaud, no decorrer do ano de 1957, possui 600 metros e cobre o interior da nave da catedral Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Jacarezinho. O autor foi um arquiteto, gravador, desenhista e pintor nascido no Rio de Janeiro e que fez os estudos superiores na antiga Escola Nacional de Belas Artes e, paralelamente ao curso regular, estudou desenho com Modesto Brocos, que na época era o grande mestre da disciplina.

Imagem ilustrativa da imagem Um mural religioso em Jacarezinho pintado por um ateu
| Foto: Luciana Evangelista - Arquivo Pessoal

A partir de 1924, ele passou a figurar no Salão Nacional de Belas Artes, onde obteve as medalhas de bronze e prata, já na Divisão Moderna, em 1942. Participou de muitas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior. Esteve na I Bienal de São Paulo, em 1951, e em quase todos os Salões Nacionais de Arte Moderna, entre 1952 e 1967.

Quando o bispo diocesano dom Geraldo de Proença Sigaud assume em Jacarezinho, entrega as obras da catedral em 1949, e poucos anos depois convida seu irmão Eugênio para executar os trabalhos de decoração das paredes da catedral. Para os painéis da matriz de Jacarezinho, Sigaud utilizou, como modelos, pessoas da comunidade local.

A professora de História da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Luciana Evangelista, trabalha há muitos anos com arte e investiga Sigaud há tempos. "A imagem, para ficar boa, precisa ser observada de alguns pontos ideais, que são as entradas, os corredores ou sentado”, observa. “Os próprios arcos da catedral vão direcionando nosso olhar para as pinturas e algumas delas são feitas para serem vistas de longe e na transversal. Não é nem de frente, nem de baixo, pois assim você vai estar vendo uma imagem desfocada, porque o fato dele ser arquiteto e pintor possibilitou que calculasse quais seriam os pontos de vistas ideais”, aponta.

Mural pintado a óleo por Eugênio de Proença Sigaud, no decorrer do ano de 1957,  possui 600 metros e cobre o interior da nave
Mural pintado a óleo por Eugênio de Proença Sigaud, no decorrer do ano de 1957, possui 600 metros e cobre o interior da nave | Foto: Luciana Evangelista - Arquivo Pessoal

Ela acrescenta que a paleta de cores do mural da catedral tem muita tinta vermelha. “Isso é influência da terra vermelha, que está presente naquelas pinturas. Na revista Helena, de Curitiba, eu não me lembro quem escreveu, mas diz que depois que a catedral pintou as paredes, que originalmente eram azuis e depois verdes, mas quando elas foram pintadas de amarelo creme isso melhorou a participação dos fiéis no culto, porque o creme suavizou esse contraste.”

LEIA MAIS:

A importância de preservar o patrimônio cultural do Norte Pioneiro

VISÕES DIFERENTES DO MUNDO

Segundo a docente da UEL, dom Geraldo, irmão de Eugênio, era ultraconservador e combatia a presença de comunistas, enquanto o próprio Eugênio era comunista. “Embora tivessem visões diferentes do mundo, acho que eles compartilhavam muita coisa do ponto de vista artístico e acredito que dom Geraldo admirava o irmão como artista plástico.”

E embora Eugênio fosse ateu, Evangelista ressalta que ele tinha muita admiração pelo Jesus histórico. “A feição do Jesus da pintura era de um pedreiro que trabalhou nas obras da catedral. Ele vai colocando a feição de várias personalidades nos painéis, inclusive a imagem do próprio irmão, dom Geraldo. Com isso ele vai criando uma narrativa mesmo”, apontou a professora.

Evangelista informa que o tombamento do mural foi decorrente de uma iniciativa de um grupo de Curitiba, vinculado ao MAC (Museu de Arte Contemporânea). "O diretor da época, Ênio Ferreira, morou um tempo Jacarezinho.”
Arte que reconstitui digitalmente como era a nave da catedral com os painéis envoltos pela cor azul original.
Arte que reconstitui digitalmente como era a nave da catedral com os painéis envoltos pela cor azul original. | Foto: Arquivo pessoal/Luciana Evangelista

PINTOR DOS OPERÁRIOS

Sigaud participou do 38º Salão Nacional de Belas Artes, organizado em 1931 pelo urbanista Lucio Costa, edição que ficou conhecida como Salão Revolucionário por permitir a exibição da obra de todos os inscritos. Isso causou o afastamento do urbanista da direção da instituição.

Sigaud ficou conhecido como o pintor dos operários, e explora em suas telas, de maneira intensa e militante, o tema do trabalho, sobretudo a partir de meados dos anos 1930. É quando passa a participar do Grupo Portinari, em 1935, e assume uma postura explícita de defesa de formas de expressão mais populares, como a pintura mural. “Seu trabalho vai dentro desse ideal de artistas modernistas, que é de valorizar a identidade brasileira. O programa de pintura mural se dá a partir de um conhecimento e uma reflexão sobre o que se debatia internacionalmente, como o muralismo mexicano e a própria síntese das artes do Le Corbusier. E tinha um pouco da pintura decorativa, que era uma questão mais francesa”, aponta Evangelista.

Após a sua fase de retratar trabalhadores e operários, ao observar o trabalho rural em Jacarezinho, Sigaud acrescenta as mulheres em sua obra. “Isso também é interessante, porque na construção civil não deveria ter muitas mulheres, mas no trabalho rural sim”, apontou a pesquisadora.