Reunindo folclore, religiosidade e tradição, a “Folia de Reis” tem resistido ao passar do tempo e das gerações, se fortalecendo como uma festa histórica, mesmo que de forma mais singela se comparada a sua origem. Em Londrina, um dos grupos mais antigos é o “Menino Deus”, com mais de seis décadas de existência. Atualmente, está vinculado à paróquia Nossa Senhora do Amparo, na zona leste, mas reúne pessoas de várias localidades.

A Folia representa a história narrada na Bíblia da viagem dos três reis magos - Gaspar, Melchior e Baltazar
A Folia representa a história narrada na Bíblia da viagem dos três reis magos - Gaspar, Melchior e Baltazar | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

De acordo com o padre Lourival Zati, responsável pela paróquia e coordenador do grupo, atualmente são três companhias na cidade. “Nas décadas de 1980, 1990 tinham quase dez grupos. Com o passar dos anos foi reduzindo, o que é uma pena levando em consideração o tamanho de Londrina”, lamentou. “Os foliões antigos foram falecendo e ninguém assumindo”, constatou.

A Folia de Reis começou na Europa e foi trazida para o Brasil entre os séculos 19 e 20 pelos portugueses, se difundindo para vários municípios, em especial no interior. Representa a história narrada na Bíblia da viagem dos três reis magos - Gaspar, Melchior e Baltazar - à gruta de Belém, onde Jesus nasceu. De forma simbólica, os grupos vão de casa em casa adorar o Menino Jesus, muitas vezes representado no presépio.

A atividade começa no dia 24 de dezembro e se encerra em 6 de janeiro, data que os cristãos católicos comemoram o dia dos reis magos. “É a celebração do nascimento de Jesus com a viagem dos reis magos”, destacou o sacerdote, que coordena o grupo há dois anos. A história narrada pelos cristãos, segundo as escrituras, é de que os reis levaram e ofereceram ao Cristo ouro, incenso e mirra.

CÂNTICOS

A companhia “Menino de Jesus” conta com 18 integrantes e a expectativa é de que até o início do próximo mês visitem durantes as tardes residências do jardim Interlagos e adjacências, além de outros bairros, como o Santiago (oeste) e Ouro Branco (sul). Para o dia 6 está programada a chegada dos foliões na paróquia Nossa Senhora do Amparo, onde haverá uma missa e, posteriormente, confraternização.

Padre Lourival Zati coordena o grupo da zona leste:  “É a religiosidade do povo de Deus"
Padre Lourival Zati coordena o grupo da zona leste: “É a religiosidade do povo de Deus" | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A folia conta com músicas e versos alusivos à visita dos reis, entoados com instrumentos como violão, viola, sanfona, pandeiro e caixa. Os cânticos saúdam a família visitada, solicitam doações e depois agradecem. “Quando a pessoa que recebe pede para cantar por algum ente que faleceu não se tocam os instrumentos de percussão, porque eles simbolizam a vida”, destacou.

DIFUSÃO

Os alimentos recebidos por meio de doações serão repassados às famílias carentes e o dinheiro, caso seja ofertado, vai ser utilizado para manutenção das roupas usadas pelo grupo. De acordo com o padre Lourival Zati, que tem ligação com a “Folia de Reis” desde quando era criança e morava na zona rural de Londrina, a igreja pela qual é responsável apoia esta cultura por ser uma forma de difundir a tradição.

“É a religiosidade do povo de Deus. O Documento de Aparecida (texto conclusivo da quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, de 2007) diz que precisamos apoiar e incentivar a tradição do povo”, ressalta. “Para quem recebe a folia é um momento significativo, pois conhecem sua história e importância”, acrescenta o sacerdote, que chegou a participar de uma outra companhia quando estava no seminário e já viajou por diversas cidades brasileiras para acompanhar outros grupos.

‘Cantamos por termos fé’

A Folia de Reis carrega diversos objetos e funções simbólicas, como a bandeira, que sempre vai à frente dos foliões. Cada grupo tem a sua, sendo normalmente representadas as imagens do Menino Jesus, Maria, José e dos três reis magos, como é o caso da companhia “Menino Deus”. O responsável por anunciar a chegada da bandeira e recolher as doações é o “bastião”.

Paulo Dionisio é folião há 61 anos: "É uma tradição que não pode acabar"
Paulo Dionisio é folião há 61 anos: "É uma tradição que não pode acabar" | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Cômico, está sempre mascarado e vestindo roupas coloridas. Nas mãos segura uma espada de madeira, como forma de “defender” a bandeira. Folião há 61 anos, Paulo Dionisio é embaixador de “Folião de Reis” há quase duas décadas, sendo os dois últimos anos no grupo londrinense “Menino Deus”. É ele quem organiza e mantém o bom andamento da companhia, além de ser a voz que inicia as cantorias.

Sua participação em grupos começou em Ivaiporã (Vale do Ivaí), sua terra natal, seguindo os passos do pai. “Meu pai era embaixador e fui o acompanhando. Em um dia faltou um embaixador e fui chamado. Desde então sigo nesta função”, contou. “É uma tradição que não pode acabar. Deveríamos ter mais companhias em Londrina. Temos gente nova e que amanhã ou depois pode ser embaixador. Cantamos não por achar bonito, mas por termos fé”, valorizou.

Morador do jardim Campos Verdes, na zona norte de Londrina, Sebastião Ramos Filho, mais conhecido como “Tião”, já passou por várias funções no grupo e atualmente é o contramestre. É um dos pioneiros da companhia “Menino Deus”. “Quando minha família recebia em casa, na época de criança, no distrito de Paiquerê (zona sul), meus pais davam almoço e jantar. De lá já ia junto os foliões”, relembrou.

Bandeira vai sempre na frente e traz simbolismo, com imagens de Jesus, Maria, José e o reis magos
Bandeira vai sempre na frente e traz simbolismo, com imagens de Jesus, Maria, José e o reis magos | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Considerando a atividade como uma missão religiosa e maneira de falar das primeiras pessoas que visitaram Jesus após o nascimento, de acordo com a Bíblia, os foliões afirmam que diversos moradores já relataram milagres alcançados por intermédio dos reis magos. “Todos nos recebem bem. Muita gente fez promessa e foi atendida”, disse Ramos.