Terapias informais para problemas reais
PUBLICAÇÃO
domingo, 03 de janeiro de 2010
Marian Trigueiros<BR>Reportagem Local
Seja pela falta de tempo, insegurança ou estilo de vida, o fato é que os relacionamentos interpessoais têm ficado mais superficiais. Passamos anos sem conhecer o vizinho da porta ao lado, sem ampliar o círculo de amizades e acabamos nos restringindo apenas aos integrantes da nossa família e do ambiente de trabalho. Entretanto, por mais que tenhamos um bom convívio com eles, nem sempre há liberdade para falar tudo o que se tem vontade.
Na contramão desse comportamento existem pessoas que sentem falta de alguém para conversar, contar sobre sua vida, seus problemas. Mas o que acontece em grande parte das vezes, é que o acesso a um profissional habilitado é dificultado por desconhecimento ou até mesmo pela questão financeira.
É nessa onda, portanto, que trabalhadores das mais variadas áreas acabam se tornando ''terapeutas informais''. No salão de beleza, dentro do táxi ou no bar da esquina, sempre há alguém desabafando, transformando esses locais em divãs improvisados. E nesses consultórios tem gente que fala, fala e não se cansa de falar. E os profissionais, além de desempenharem sua atividade, também ouvem o tempo todo.
''Acho que muitos clientes preferem me contar sobre os problemas, sua vida em geral, pois sabem que sou um pessoa neutra, distante de seu núcleo de convivência. Às vezes, é mais fácil falar para uma pessoa 'estranha' do que para alguém da família, que poderá julgá-los'', diz a esteticista Célia Morais, que trabalha há 15 anos no ramo, em Londrina.
Em todos esses anos de atividade, ela diz já ter ouvido de tudo. ''Deitadas na maca, as clientes se sentem realmente em uma espécie de divã. Atendo muitas mulheres, e os casos de amor - desde brigas conjugais a encontros mais picantes - estão no topo da lista dos assuntos mais comentados. É difícil algo me chocar, mas se não concordo, tento não dar muita opinião, a menos que a pessoa em pergunte. Ainda assim, mantenho sempre uma postura neutra. Além disso, não comentar com outros é o princípio básico de uma relação ética.''
Para Célia, o que leva as pessoas a falarem de sua vida é a vontade de desabafar ou receber uma palavra de conforto, sem ser criticada. ''Não sou profissional da área de saúde mental, mas acabei desenvolvendo um método próprio para lidar com essas situações. Há momentos em que a pessoa quer apenas ser ouvida. Já, em outros, quer um conselho. Por isso, é necessário ter jogo de cintura'', observa.
Entre ceras de depilação, produtos de pele, acontece de mulheres irem até o salão só para conversar. ''Algumas chegam aqui dizendo que querem retocar a sobrancelha, fazer algum tratamento, mas na verdade eu sei que não é nada disso. Querem mesmo é bater papo, falar da vida. Eu não ligo, já me acostumei. E noto que elas saem aliviadas, como se tirassem um peso das costas, só de falar.''
Sem dar nomes às protagonistas da história, Célia lembra que, certa vez, uma cliente ligou perguntando se ela sabia de alguma quitinete para alugar, já que estava se separando do marido. ''O tempo passou e ela retornou ao salão. Foi quando me disse que o apartamento era para ela, e que já estava separada. Ela não contou a ninguém da família e preferiu contar só para mim, pois sabia que eu não iria interferir na decisão dela'', conta.