“Quando eu tinha 7 anos, meu pai me ensinou a cantar uma música que ele passou dias me mostrando a letra, os detalhes da música, como que cantava. Era Pé de Cedro, eu comecei a cantar e ele, com o violão na mão, começou a tocar”, conta Luciano Galbiati, 45, sobre a visita virtual que fez ao pai, Jaime Farina Galbiati, 82, internado em uma casa de repouso de Londrina.

Adriana Galbiati se emocionou ao ver o pai Jaime acariciando seu rosto na tela
Adriana Galbiati se emocionou ao ver o pai Jaime acariciando seu rosto na tela | Foto: Arquivo Pessoal

As ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos) estão proibidas de receber visitas desde março, quando teve o início da pandemia de coronavírus em Londrina. Para contornar a ausência, a tecnologia tem promovido momentos encantadores, como esse de Jaime, que, mesmo com a memória abalada, lembrou da música que tocava com o filho.

A música de Belmonte e Amaraí foi regravada por diversos artistas de moda caipira, entre eles Sérgio Reis, e foi o gatilho de conexão entre pai e filho. “Vim rever meu pé de cedro e está grande como o que, mas é menor que a saudade que hoje eu sinto de você”, cantou o filho com a família de um lado da tela e o pai acompanhando no violão do outro. Era o 82º aniversário de Jaime, que usou pela primeira vez a sala de videoconferência para interagir com os filhos.

“A gente tinha uma rotina de visita. Eu o levava três vezes na semana para a fisioterapeuta, a rotina era de encontrar, fazê-lo caminhar, conversar; mas com a pandemia ficamos completamente impedidos”, revela Luciano. O pai não tem autonomia e a casa de repouso foi uma alternativa de ter supervisão necessária de profissionais capacitados dentro da rotina que ele precisa, como auxílio para comer, tomar banho e dormir.

Como a casa não possui horário de visita específico, Luciano ia com frequência ver o pai. Com a pandemia, iniciaram um sistema de visita presencial com distanciamento, que também não pôde ser continuada, além das tentativas de videochamada por smartphone, que não deram certo. Jaime fica confuso com a tela pequena e a visita não fluiu, mas com uma TV maior instalada, houve uma troca.

CHORO E GRATIDÃO

No dia do seu aniversário, ele sentiu, depois de cinco meses, a presença dos filhos novamente. “A gente conseguiu usar bem no aniversário dele, ele se emocionou, chorou, agradeceu, foi tocado por aquilo”, menciona Luciano. Para a irmã, Adriana Galbiati, 52, que vive em outra cidade, a visita virtual foi solução muito bem-vinda para que conseguisse falar com o pai mais vezes.

Ela conta que presencialmente o pai tinha dificuldade de lembrar quem ela era e que o celular o deixava ainda mais confuso. “Apesar de ele ficar feliz e emocionado quando eu falava ‘pai, grata por você ter me dado a vida... Você é uma pessoa muito importante para mim’ , ele ficava confuso e no minuto seguinte já esquecia quem estava falando”, conta com a voz embargada.

O esquecimento ainda continua, mas a videoconferência em telas maiores foi uma alternativa que funcionou bem para dividir esses momentos mais vezes. “Mudou para melhor, porque eu não poderia ir para Londrina; vou poder falar mais com meu pai”, aponta. Ela também utilizou a música para se conectar com o pai e conta que também se emocionou ao ver que ele acariciava seu rosto na tela durante toda a conversa.

ESTÍMULOS

Ageu Caetano é representante legal e psicólogo da Casa de Repouso Colibri, em Londrina, onde Jaime Farina Galbiati está internado e aponta que é preciso analisar uma forma de suprir a ausência de cada um dos acolhidos e seus familiares. “Alguns se emocionam bastante, outros a gente não consegue interação tão profunda, então vai vendo caso a caso. Alguns ficam emocionados, alisando a TV, é bem lindo ver algumas reações”, comenta.

A ILPI tem 23 idosos, entre 70 e 93 anos, internados. Caetano comenta que é preciso ter olhar aprofundado para tentar humanizar o cuidado o máximo possível. Com a pandemia, esse cuidado sofreu impacto, pois havia circulação grande na casa e agora é preciso rever novos formatos de estímulos. A equipe improvisou uma sala de videoconferência e coloca sempre um técnico de acompanhante para dirigir a conversa.

Caetano vê com bons olhos o novo processo, mas teme que seja ferramenta de substituição por algumas famílias. Foram anos tentando desvincular as casas de repouso ao estigma de ponto de abandono para ser visto como uma casa com serviço de qualidade e agora o distanciamento obrigatório pode fazer voltar à imagem anterior.

Repensando em fórmulas para esse período de incertezas, a videoconferência se tornou alternativa para manter os estímulos neurológicos por meio do contato com a família. E está funcionando bem para alguns. Para Jaime e os filhos, é a única ferramenta de aproximação e demonstração de carinho. “Quando consegui falar com ele, agradeci por tudo, eu vi que ele se emocionou, chorou, foi uma conexão interessante que funcionou e foi importante”, menciona o filho Luciano Galbiati.

ENCURTANDO DISTÂNCIA

Débora Romo, 61, mora em Fall City, no Texas (EUA) há 20 anos, mas há dois sua mãe, que vivia em Arapongas (Região Metropolitana de Londrina), precisou ser internada em casa de repouso específica para idosos. Dalva Pinetti, 84, tem Alzheimer, depende da cadeira de rodas, se alimenta por sonda e precisa de cuidados permanentes. Para encurtar essa distância, mãe e filha tiveram que recorrer aos dispositivos de videoconferências.

Débora Romo e a mãe Dalva Pinetti estiveram juntas pela última vez em novembro de 2019: "Quero que esteja seguro para viajar; por enquanto vamos ficar na videoconferência"
Débora Romo e a mãe Dalva Pinetti estiveram juntas pela última vez em novembro de 2019: "Quero que esteja seguro para viajar; por enquanto vamos ficar na videoconferência" | Foto: Arquivo Pessoal

“Quando meu irmão ia visitá-la nós ligávamos pela câmera do celular ou eu ligo nos finais de semana e peço para o coordenador auxiliar”, comenta a filha. Apesar de funcionar, Romo observa que o tamanho da tela do smartphone tem dificultado o processo.

Por conta disso, ficou animada com o novo formato de sala de videoconferência com tela maior para os idosos interagirem. “Com a tela maior na TV eu acredito que ela vá enxergar melhor, ver a gente direito, porque quero ver se ela realmente não está mais nos reconhecendo ou se ela não está enxergando direito”, menciona.

A casa de repouso deixa disponível o aparelho para que as famílias entrem em contato a qualquer momento do dia. Isso tem sido a salvação mesmo para aqueles que moram perto e estão proibidos da visitação.

Para a filha, que já estava longe antes da pandemia, o uso da tecnologia foi fundamental para que continuasse em contato e acompanhando a mãe ainda que distante. “Se eu quiser, posso falar com ela todos os dias e acompanhar como ela está, para mim faz toda diferença do mundo”, explica.

As duas se viram pessoalmente pela última vez em novembro. Os planos de Romo seria voltar entre abril e maio, mas com a pandemia, ficou impedida de viajar. “Queria estar para o aniversário dela e Dia das Mães, mas não pude. Daqui eu mandei flores e nos falamos por vídeo com a família toda, cantamos parabéns, a gente fez uma festa”, recorda.

Esse recurso sempre foi muito importante para a família, porém, durante a pandemia, se tornou peça importantíssima para aqueles que têm familiares internados. “Se não fosse a tecnologia, os que estão lá estariam abandonados agora”, destaca.

Aguardando o mundo voltar ao normal, a filha fica na expectativa para visitar a mãe novamente. “Quero que esteja seguro para viajar de avião, tenho medo de ir, pegar o vírus, passar para um monte de gente e ainda visitar minha mãe, que está doente. Por enquanto, vamos ficar na videoconferência”, aponta. Enquanto isso, de forma adaptada e segura, elas encurtam a distância à espera de dias melhores.