Imagem ilustrativa da imagem Salão Coroados fecha as portas após 71 anos de atividades
| Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Ederaldo Almeida, 81, um dos proprietários do salão: "Nunca cortei o rosto de uma pessoa em toda a minha carreira”

O Salão Coroados, localizado na rua Souza Naves e um dos mais antigos de Londrina, irá fechar no fim de junho. Com ele se encerra um ciclo que se iniciou no antigo Hotel Londrina, inaugurado em 1948 no prédio que foi construído por Newton Câmara. Naquela época o salão, que fica no mesmo prédio do hotel, também se chamava Londrina e foi inaugurado por Francisco Barbosa de Oliveira. Ederaldo Almeida, 81, um dos atuais proprietários do Salão Coroados, começou a trabalhar no estabelecimento em 1953.

Ele conta que aprendeu o ofício em outro salão, o de seu pai, Paulo Eduardo Almeida. Quando começou a trabalhar no salão da rua Souza Naves, se recorda que a via ainda não era pavimentada. “A cidade era só barro; usava galochas para evitar a lama. Só depois entrou o paralelepípedo e muito tempo depois veio o asfalto”, conta, lembrando que na época era comum jogar pó de serra no chão para evitar que o barro se espalhasse pelo salão. "A cidade era mais parecida com a zona rural."

Segundo Almeida, um de seus primeiros clientes foi Kooki Tan, hoje um médico otorrinolaringologista bastante conhecido em Londrina. “Eu tinha 15 anos e ele era uma criança. E ele continua meu cliente até hoje”, garante. O barbeiro conta ainda que um dos colegas daquela época foi Murilo Zamboni, que depois veio a se tornar presidente do Londrina Esporte Clube e comentarista de futebol.

A mudança do nome do estabelecimento ocorreu em 1963, quando o hotel foi comprado pela família Vicentini e mudou o nome para Coroados logo após a reforma. O salão saiu do saguão do hotel e foi para uma sala no mesmo prédio, mas com a porta voltada para a rua. A reforma foi realizada por Lourival Vicentini. Foi nessa época que o salão foi vendido por Francisco Barbosa de Oliveira para três funcionários do salão. Os irmãos Dácio e Décio Salvino de Oliveira, e Ederaldo Almeida.

A porta de madeira pintada de branco, de quatro folhas e envidraçada com a palavra “ENTRE” na cor vermelha, continua a mesma desde o início do Salão Coroados. Pela vidraça da porta, Almeida viu o antigo campo de futebol que havia na frente ser transformado na atual Galeria Lafayette.

O interior do salão mudou muito pouco. Almeida aponta que só as cadeiras de barbeiro originalmente eram de ferro, mas depois foram trocadas pelas que estão em uso até hoje, de madeira, com alguns detalhes em ferro e com assento estofado. “As outras eram muito mais fortes”, relembra.

Os cortes que realizava com máquina manual hoje são feitos om um equipamento elétrico. “A manual era pesada para movimentar. Tinha que ser rápido no movimento para cortar”, relembra, explicando ainda que as navalhas de antigamente não usavam lâminas descartáveis. “Tínhamos que afiá-las no assentador, que era uma tira de couro. Afiávamos com a ajuda de uma pasta francesa. Hoje é tudo feito com lâminas descartáveis que são colocadas dentro da navalha”, destaca.

CLARK GABLE

O surgimento da lâmina descartável também contribuiu para a queda do movimento no salão. “Antes todo mundo fazia a barba no barbeiro. Ninguém fazia isso em casa. E também não tinha barbeador elétrico”, aponta. Ele se recorda que uma grande moda no início de sua carreira foi aparar os bigodes ao estilo de Clark Gable. “Fazer a barba foi uma das coisas mais difíceis de aprender, por causa do risco de cortar um cliente. Graças a Deus nunca cortei o rosto de uma pessoa em toda a minha carreira”, orgulha-se.

Uma das piores crises do salão aconteceu durante os anos 1970. “Naquela época era moda os homens manterem cabelos compridos, como as mulheres. Os clientes sumiram do salão”, destaca.

Almeida conta que, após o fechamento do salão da Souza Naves, continuará trabalhando em sua casa, no jardim Shangri-lá (zona oeste). “Mandei levar a minha cadeira para reformar. Estou montando um salão em casa só para mim”, relata. “Mas não haverá o mesmo movimento. Nos anos de mais movimento lotava este salão. Ficavam 8 ou 10 pessoas sentadas no banco de espera", recorda. “Já não estou conseguindo dormir pensando em como será a minha vida depois de tantos anos aqui”, diz emocionado.

'FOI UMA VIDA AQUI DENTRO'

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| Foto: Ricardo Chicarelli - Grupo Folha

Uma cabeleireira está trabalhando no Salão Coroados há 48 anos. Maria Aparecida Pedriça, mais conhecida como Cida, lamenta o encerramento das atividades. “Estou aqui desde 1971. Eu sou de Arapongas e desde os 14 anos trabalhava em salão de cabeleireiro. Vim para Londrina e fui trabalhar no Salão Presidente -que ficava na avenida São Paulo", explica. “Aqui tem muitas histórias, mas hoje, quando abro a agenda, muitos fregueses já se foram. Eu costumo dizer que conheço todas as igrejas para assistir casamentos e agora conheço todas as capelas de velório.”

Cida conta que conheceu o fundador do Salão Coroados como cliente e não como colega de trabalho. “Atendi muito o senhor Francisco Barbosa depois que ele parou de trabalhar. Até hoje eu converso com a esposa dele, que passa aqui sempre. Infelizmente ele já se foi, mas era uma pessoa muito bacana”, declara.

Ela relata que foi graças ao trabalho no Salão Coroados que pôde comprar a sua casa. “O Salão Coroados representa muito para Londrina. Aqui atendemos muita gente, mas não tem mais como continuar. O fechamento é desagradável e é difícil. Foram muitos anos com a gente aqui dentro. Depois que eu vim trabalhar aqui, tive minha filha e a criei trabalhando aqui. Hoje tenho neto na faculdade. Foi uma vida aqui dentro, das 8 horas às 19 horas, todos os dias, inclusive aos sábados. Só parava aos domingos”, declara.

COQUE TRANÇADO

De acordo com a cabeleireira, quando começou as pessoas pediam coque trançado. “A gente colocava palha de aço no meio do coque para dar volume, porque só com o cabelo não havia volume suficiente”, destaca. Entre os cortes mais pedidos ao longo dos anos o de Xuxa, com cabelos curtos, fazia muito sucesso. “O pessoal também pedia para fazer cortes iguais de atrizes que estavam fazendo determinada novela. Muitas vezes não dava tempo de assistir a novela, então eu ia às bancas e comprava a revista na banca que tinha a foto da atriz e reproduzia aqui”, destaca.

O fim das atividades não é fácil de assimilar, mas ela está lidando bem com isso. “A gente vem se preparando para o encerramento há muito tempo. Eu não tenho apego a coisas materiais. Para o Ederaldo é muito mais difícil. Eu não saio antes do salão por causa dele. Ele se emociona muito. Não é fácil”, declara.