“Quem disse que você pode fazer engenharia?”, foi o que ouviu a professora Maria Bernadete França, do departamento de Engenharia Elétrica, do CTU (Centro de Tecnologia e Urbanismo), da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Quando adolescente, ela foi questionada sobre sua capacidade. Hoje ela coordena, com Silvia Galvão Cervantes, do mesmo departamento, o projeto TechNinas - Robótica para Meninas, que incentiva garotas a entrarem no mundo da ciência, tecnologia, engenharia e matemática.

“Com 16 ano eu escolhi fazer o curso técnico de tecnologia, eu era uma das poucas meninas e da periferia, meu professor disse que eu não seria capaz de passar no vestibular”, recorda França. Mas ela conseguiu. Saiu de Teresina-PI para cursar engenharia em Campina Grande-PB. Não era comum uma menina querer seguir esse caminho, mas apesar dos desafios da época, ela conta que as coisas não mudaram tanto. “A proporção de meninas nessa área ainda é de 15 a 20% do total de alunos”, comenta.

Com o projeto TechNinas pretende mudar essa situação. “Precisamos criar oportunidades para elas na área de exatas e engenharias, despertar sonhos e mostrar que existem caminhos e coisas diferentes que elas podem acessar também”, afirma.

A professora comenta que diversos motivos, alguns naturalizados, levam meninas a não terem interesse na área, a falta de estímulo é um deles. “Não é uma coisa só, são muitas questões envolvidas, tem muito preconceito e falta oportunidade”, revela. França aponta desde o olhar dos pais sobre a escolha da filha até a falta de estímulo na escola e preconceito da sociedade.

Por essas e outras questões, o TechNinas foi até a Escola Estadual Doutor Olavo Garcia Ferreira da Silva, no conjunto habitacional Avelino Vieira (Oeste), para convidar garotas para o projeto. “Nós iniciamos como uma gincana como forma de atração para esse ambiente”, revela. Depois iniciaram as oficinas. “Acredito que por se tratar apenas de mulheres, elas se sentem mais à vontade para participar e questionar.”

O projeto teve início no meio deste ano com oficinas realizadas na própria escola, nas tardes de sábado. Hoje, as adolescentes passaram a usar o espaço da UEL para facilitar o processo de construção das maquetes. Elas estão projetando uma 'minicidade' inteligente que aciona iluminação pública e particular de forma automática e utilizam energia solar por meio de painel fotovoltaico. O trabalho será apresentado no Robolon – Mostra Científica de Robótica e Automação de Londrina, no final de novembro.

ALUNAS

Karla da Silva, 11, se interessou pelo projeto assim que as monitoras e coordenadoras foram até a escola apresentar a proposta. “Eu queria aprender mais tecnologia, mexer em computador e achei legal porque era só de meninas”, conta. A estudante diz que teve incentivo dos pais para participar do projeto. “Minha família falou que queria participar também”, brinca.

Além das aulas, a adolescente conta que também está gostando de conhecer o ambiente universitário. “Eu já tinha vindo aqui uma vez com a minha escola, mas para estudar assim não, eu estou gostando muito”, revela. Entusiasmada com o projeto, ela mostra uma das casinhas que vão compor a maquete da cidade inteligente e fala que uma das partes mais difíceis foi aprender a programar para que as luzes se acendessem sozinhas.

MONITORAS

Atualmente, o projeto conta com 15 alunas da graduação dos cursos de engenharia elétrica, ciência da computação, matemática e arquitetura e urbanismo. Vanessa dos Santos, 24, conta que nunca teve problema com a escolha do curso de engenharia elétrica, mas menciona que ela só tem uma colega mulher entre 35 estudantes. “Eu nunca tive problema de representatividade, porque eu sempre fui representante da sala e os meninos sempre me respeitaram, eu passei a me incomodar no quarto ano”, afirma.

Neste período, como única mulher da turma em certa disciplina, passou a ser alvo de piadas de um professor. “Ele fazia algumas gracinhas e isso passou a me incomodar bastante”, afirma. Santos reprovou na disciplina, mas refez no ano seguinte com outro docente e finalizou a matéria.

Diante da experiência e de outros relatos de meninas, decidiu participar do projeto TechNinas e criou um grupo de apoio com alunas da graduação. “Achei importante estimular meninas a entrarem na área, mas também apoiar as que já entraram para que elas não desistam”, aponta. A partir disso, foi criado o projeto Katherine Johnson, com reuniões semanais em que se discute questões de gênero na universidade, sobretudo, os desafios das mulheres na área de exatas e engenharias.

A professora conta que é uma realidade nacional ter poucas meninas nas áreas de ciência e tecnologia e menos ainda se formam. “Há muito tempo eu e Silvia estávamos preocupadas com isso”, revela. As duas fazem parte do único trio de mulheres que integram um corpo docente de 25 pessoas. “Acredito que temos a responsabilidade social não só com nossos alunos, mas toda geração que poderia chegar aqui e não chega. Quantas grandes cabeças estamos perdendo? Quantas curas de doenças perdemos por falta de oportunidade?”, questiona.