Professoras e equipe da secretaria de Educação na escola rural Dom Pedro II, a mais antiga do município
Professoras e equipe da secretaria de Educação na escola rural Dom Pedro II, a mais antiga do município | Foto: Gustavo Carneiro




Cambé - Um projeto capitaneado pela secretária de Educação de Cambé, Cláudia Codato, e pela assessora de História e de Geografia da pasta, Angélica Pires Nantes de Oliveira Zerbetto, está resgatando a história das escolas rurais do município localizado na Região Metropolitana de Londrina. O projeto começou em 2017, com a pesquisa e coleta de documentos oficiais e fotografias que tratavam da abertura, acompanhamento e fechamento das escolas que já funcionaram no município. "Nós não conseguimos contato com todas as professoras e algumas ficaram chateadas. Agora queremos encontrar todas. E gravar as histórias de todo o pessoal que estava no início da dificuldade da zona rural. Escrever a história da educação em Cambé", afirmou.

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De acordo com Codato, a maioria das escolas rurais ficava em propriedades particulares, que cediam o espaço e a prefeitura se responsabilizava pelos professores. A maioria delas foi demolida, algumas ficaram abandonadas. Segundo Zerbetto, a pesquisa começou pelos documentos oficiais, mas havia muitas lacunas nos registros encontrados. "Havia quase 50 escolas, mas hoje restaram apenas duas: a Dom Pedro II e a Bratislava. O que existia eram registros bem objetivos, como o número de alunos, os móveis no local. Informações sobre as pessoas não tínhamos praticamente nada."

O trabalho começou pela coleta de nomes das pessoas. "Começamos a achar os nomes de algumas pessoas pelo Instituto de Previdência e como já trabalho há alguns anos na secretaria, fomos complementando com o que eu lembrava. A Cláudia também já tinha passado pela secretaria de Educação em outras gestões, conviveu e se lembrava de outras pessoas para compor essa pesquisa", relatou Zerbetto. Além disso, elas entraram em contato com ex-secretários para coletar informações sobre as lacunas que surgiam. "Eles lembraram de situações de abertura e fechamento das escolas. A segunda fase foi a realização de um café com as professoras, em que elas relataram o que recordam. Essas histórias estão sendo registradas em áudio e fotografias. Muitas professoras trouxeram fotos. Várias das escolas não tínhamos fotos", apontou, se referindo ao projeto "Relembrando as antigas escolas rurais: a história da educação no Município de Cambé".

As entrevistas para a FOLHA foram realizadas na primeira escola rural de Cambé, a Dom Pedro II, inaugurada em 1939 e localizada no km 9 da Estrada da Prata, na antiga Gleba Caçadores. Inicialmente foi instalada em uma área doada por Atílio Codato, bisavô da secretária, mas posteriormente foi transferida para o terreno ao lado, que pertencia a Kentaro Yamashita.


A professora aposentada Terezinha Toki Sugayama dos Santos começou a dar aulas em 1954
A professora aposentada Terezinha Toki Sugayama dos Santos começou a dar aulas em 1954 | Foto: Gustavo Carneiro


A professora aposentada Terezinha Toki Sugayama dos Santos, 81, trabalhou nessa escola. Ela começou a dar aulas em 1954, aos 15 anos. "Meu pai tinha um sítio e ali perto tinha uma escola que as professoras que começavam a trabalhar lá, mas logo desistiam", destacou. Ela fez um teste, passou e começou a trabalhar lá, no local que se chamava Água do Viadinho. "Em 1962 me casei e meu marido comprou uma venda na Paineirinha (saída para Prado Ferreira) e como estava faltando uma professora, acabei assumindo a vaga depois de realizar a prova", destacou.

APRONTE
Santos acabou sendo nomeada pelo Estado para outra escola rural, a Machado de Assis, que foi inaugurada em 1957. "Não era uma classe muito seriada. Éramos em três professoras. A única coisa é que o quadro-negro era bem pequeno. Os alunos eram bem assíduos", destacou. Ela relatou que as faltas só começaram quando a secretaria de Educação "nuclearizou" as escolas, termo utilizado para aglutinar várias escolas em uma, que tinha estrutura um pouco melhor. "Naquela época as escolas eram todas de madeira, a água era de poço, não tinha energia elétrica", destacou, observando que, além das aulas,
os professores eram responsáveis pela limpeza e pelo preparo da merenda. "Preparávamos mandioca, batata doce, sopa de arroz quebradinho.Fazíamos a comida com o que os alunos traziam de casa", destacou, observando que o fogão era improvisado com tijolos e a alimentação era preparada em latas de 20 litros. Ela também reclamou bastante da sujeira, já que a escola ficava na beira da estrada e a poeira era constante. "A gente passava o braço nos cadernos e eles ficavam sujos", destacou.

Sua filha Márcia Simões dos Santos Monteiro, 50, começou a carreira como professora aos 17 anos, em 1986, ao lado da mãe. "Para mim foi tranquilo, pois eu tinha a minha mãe ao lado. Quando comecei os alunos já não entravam com o pé cheio de barro. Os alunos não tinham transporte e iam para escola a pé." Ela relatou que começou a dar aulas mediante o "apronte", que era um estudo para habilitar professores sem magistério nem faculdade. Eram professoras leigas. Na época, como não tinha educação infantil, ela percorria as propriedades rurais em busca dos alunos que já estivessem em idade escolar, o que hoje se convencionou chamar de busca ativa.

Monteiro relatou que conciliou as aulas com os estudos de pedagogia. "Eu fiz os estudos a distância, em Presidente Prudente (SP). Eu fazia as provas uma vez por mês presencialmente", destacou. Para conseguir melhorar a estrutura da escola, ela relembra que eram realizadas festas para aumentar as salas, adquirir materiais e construir o refeitório. A sua maior satisfação foi o fato de que muitos alunos se formaram na faculdade, outros se destacaram na vida religiosa.

RESPEITO
A professora Sílvia Elaine Dalto Rosa, 48, está na ativa na escola Dom Pedro II. Ela iniciou os trabalhos na antiga escola rural localizada na propriedade da família, a Fazenda Dalto. "Foi na escola que estudei. Minha primeira professora foi a minha tia, irmã de meu pai. Fiz o magistério na cidade, meu pai levou o certificado para o Luiz Forastieri (ex-prefeito) e comecei a trabalhar na escola em que fui alfabetizada", relembrou. Em 1994 a escola foi fechada e ela começou a trabalhar na escola Dom Pedro II.

"O início da escola da Fazenda Dalto não era diferente do que a professora Toki e a Márcia relataram. A faxina e a merenda era eu que fazia. Barro não entrava na sala, porque cada um tinha seu chinelinho que ficava na escola", destacou. Ela relatou que sentia muita dificuldade por não ter energia elétrica. Quando chovia escurecia tudo e não tinha como dar aula. "A escola foi fechada por causa de um assaltante que veio para roubar o botijão de gás. Eu o vi com a faca indo em direção a um aluno, que tinha ido ao banheiro. Eu saí e ele correu para o meio do cafezal", lembrou. Ela relatou que naquela época não possuía livros de história disponíveis e que eles eram adquiridos com a realização de bailes. "Com esse dinheiro a gente comprava materiais para crianças e livros de literatura infantil", apontou.

De acordo com Rosa, naquela época havia as salas multisseriadas, ou seja, eram várias séries em um único ambiente. "Era difícil, mas é mais fácil que hoje, que tem uma série só. Havia respeito e as famílias valorizavam o professor. Hoje não tem isso. A gente tinha uma caixa no fundo da sala com atividades diversificadas. A criança terminava a sua atividade e ia para essa caixa para fazer uma outra atividade em vez de ficar conversando", detalhou. Mesmo assim ela afirma que as crianças da zona rural ainda possuem mais carinho pelos professores que os alunos da cidade. "Hoje estou dando aulas para filhos de ex-alunos. Isso é prazeroso para a gente", destacou.

Secretária de Educação de Cambé, Cláudia Codato
Secretária de Educação de Cambé, Cláudia Codato | Foto: Gustavo Carneiro



"Esses relatos de valorização são bonitos da gente ver", destacou a secretária Educação.

SERVIÇO - Quem trabalhou em alguma escola rural de Cambé e ainda não participou deste projeto pode entrar em contato com Angélica Zerbetto na secretaria municipal de Educação, na rua Francisco Delgado Sanches, 189 (antigo IBC), fone (43) 3174-0255 ou 3174-0256.