O cotidiano da favela escrito pelo olhar de quem está dentro dela. Quarto de Despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, saiu de anotações da rotina da autora, mostrando a fome, a escassez e as relações conturbadas da sua comunidade. A obra literária está listada em diversos vestibulares, inclusive o da UEL (Universidade Estadual de Londrina), e por isso foi discutida no podcast do Clube de Leitura Vestibular da UEL 2021/2022, da FOLHA.

Imagem ilustrativa da imagem Quarto de Despejo é tema de podcast da FOLHA
| Foto: Isaac Fontana - FramePhoto - Folhapress

Amanda Gomes Amaral, mestranda em Estudos Literários pela UEL e pesquisadora da literatura afro-brasileira produzida por mulheres, foi convidada para discutir a obra. “A literatura que a gente aprende na escola não parece essa que Carolina produz. Uma literatura sempre feita por homens brancos, classe média alta, que tiveram alta escolaridade, que tem o tempo e o espaço para se querer enquanto escritor, Carolina não tinha isso. Ela era mãe solteira e abdicou da vida de casada porque não queria isso pra vida dela; e muito forte desse livro fica pra mim é esse querer ser escritor, esse projeto literário. Se hoje já é difícil, imagina para Carolina e naquela época!”, avalia Amaral.

A história se passa na segunda metade da década de 1950, com início no dia 15 de julho de 1955, aniversário da filha da protagonista. “Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar”, inicia a história.

A autora fala sobre a escassez, a fome, o trabalho árduo de uma mãe solteira de três filhos, mulher negra independente e muito consciente da sua realidade. Crítica com a situação política e com o descaso com a população, Maria Carolina de Jesus escrevia os diários em cadernos que encontrava no lixo com intuito de um dia publicá-los.

A autora e seus diários foram encontrados por um jornalista incumbido de escrever reportagem sobre a situação das famílias na favela do Canindé, em São Paulo. Audálio Dantas publicou trechos do diário na Folha da Noite, em 1958, na revista O Cruzeiro, em 1959, e editou os cadernos para livro, publicado em agosto de 1960. Em poucos meses, o livro atingiu a marca de 100 mil cópias e foi traduzido para 13 idiomas.

O sucesso estava na autenticidade de uma semianalfabeta ao descrever com tantos detalhes e com tanta crítica a realidade de muitos moradores daquela área. Carolina não terminou os estudos, a escrita não obedece a gramática padrão, mas era apaixonada pelos livros. “Carolina sabe o que é literatura, ela era leitora, não é porque ela não sabe escrever uma palavra com 'SS’ que ela não sabe fazer uma metáfora, que ela não tem qualidade de escritora, ela conhece os românticos, os parnasianos”, comenta a pesquisadora.

Quarto de Despejo é um retrato e crítica social, mostra o papel da mulher nas áreas marginalizadas e a ruptura com outras camadas. Em um trecho, Carolina explica bem essa relação distante entre os pontos da cidade. “Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”

O podcast com análise completa da obra está disponível no canal da FOLHA no Spotify e também no SoundCloud. O Clube de Leitura Vestibular da UEL 2021/2022 também tem um canal no Telegram para discussão das obras em que os membros podem tirar dúvidas, colocar suas opiniões e participar dos sorteios dos livros físicos. Acesse o grupo por meio do link: t.me/joinchat/QrI2OhxM3PXu7UOPknmceA