Com uma população de mais de 213 milhões de habitantes distribuídos em 5.570 municípios, o Brasil é um gigante emaranhado de realidades, contextos e desigualdades. Formular políticas públicas que atendam às especificidades de cada região, portanto, não é tarefa fácil e, só tem sentido, se as particularidades de cada local forem levadas em conta. Nos grandes centros o trabalho geralmente é mais assertivo, já que as fontes de pesquisa e levantamento de informações são mais estruturadas e estão próximas. Logo, quanto menor a cidade ou região, maior o desafio de se encontrar dados disponíveis.

De acordo com números de 2021 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 96% dos municípios brasileiros – ou seja, 5.379 – têm menos de 150 mil habitantes e concentram 50% da população. “É sabidamente mais difícil, muitas vezes, conseguir informações específicas sobre a realidade de cidades menores, já que o foco dos levantamentos acaba sendo os grandes centros urbanos, com todas as suas complexidades. Por outro lado, é urgente um olhar mais apurado para essa metade da população brasileira”, aponta o geógrafo Marcelo Barbosa.

E se o assunto é mobilidade, o caminho é ainda mais tortuoso. “Quando se fala em acessibilidade, urbanização ou transporte público, quase sempre o debate gira em torno de uma metrópole”, admite Barbosa. Grande parte das empresas tomadoras de decisão do país estão concentradas em apenas 0,9% dos municípios brasileiros, que abrigam 32% da população. Com isso, a maior parte das soluções de mobilidade também focam em problemas e estruturas destas grandes cidades. Porém, muitas vezes as tecnologias criadas para os centros urbanos ou importadas de países desenvolvidos acabam não solucionando problemas e desafios das pequenas e médias cidades brasileiras.

Foi apostando nesse território ainda pouco desbravado que o casal de empreendedores Ariane Marques – química, especialista na área de marketing da indústria automotiva e voluntária no grupo de Mobilidade Humana da SAE Brasil – e Tobias Hückeholfen – administrador, fotógrafo e videomaker alemão, vivendo na América do Sul há quase 10 anos e trabalhando em áreas como marketing e logística – fundaram o “Observatório da Mobilidade”. A bordo de uma van, eles estão percorrendo o país, desde outubro, e devem registrar dados de ao menos 40 cidades pelo interior de 24 estados brasileiros, criando uma amostragem consistente de realidades econômicas e sociais diversas e buscando informações que nunca foram analisadas e consolidadas.

A jornada começou no Mato Grosso do Sul, chegou ao Mato Grosso e já passou por Rondônia. Agora, o destino é o Acre. Pelos próximos 10 meses, a grande viagem continua. No Paraná, há paradas programadas para pesquisas em Peabiru, Francisco Beltrão, Sapopema e Faxinal. A ideia de contribuir com o futuro da mobilidade no país começou quando os dois trabalhavam no setor automotivo.

“Sempre participava de eventos sobre o futuro da mobilidade e, quando viajava pelo país, pensava em como aquilo tudo seria implementado num contexto de tantas dificuldades que eu encontrava. Será que os avanços chegariam para todos? Em 2020, decidi tirar um ano sabático. A ideia era conhecer o Brasil para, ao retornar ao trabalho, continuar gerando produtos alinhados com essa realidade muitas vezes deixada de lado”, explica Marques. Já Hückeholfen queria deixar o mundo corporativo para trabalhar com turismo. “O plano era viajar pelo país buscando parceiros”, conta. Decididos a pegar a estrada, os dois só não contavam com a chegada da pandemia, que atrasou o projeto.

Durante o período de isolamento social, em uma conversa com Camilo Adas, presidente da SAE Brasil, entidade chamada de “Casa do Conhecimento da Mobilidade Brasileira” e que estuda a temática no país, Marques teve a ideia da van percorrendo o país. Com apoio da SAE e outros parceiros, o projeto, então, saiu do papel e ganhou as estradas.

Em cada uma das cidades, eles vêm observando tanto os parâmetros objetivos, como o perfil socioeconômico, indicadores de urbanização das vias, transporte público, idade das frotas, acessibilidade e conectividade, por exemplo, como também têm realizado entrevistas com moradores, empresários e líderes locais, procurando entender as necessidades de cada região visitada. Todo o material coletado será consolidado e trabalhado tecnicamente pela Associação SAE Brasil. A BASF também é apoiadora da iniciativa.

Os resultados devem fomentar não só o setor público, ajudando na adoção de políticas mais eficientes, como também mapear as necessidades reais e oportunidades de inovação para as indústrias, contribuindo para a resolução de questões que impactam na qualidade de vida dos brasileiros e no desenvolvimento sustentável do País.

“A intenção é cruzar esses dados e, além de impactar e influenciar políticas públicas e desburocratizar questões de trânsito e do futuro, também impactar empresas para soluções com produtos alinhados à realidade do Brasil”, resume Marques.

"Temos sido recebidos de braços abertos”

A mobilidade é essencial, tanto que faz parte da “Agenda 2030” da ONU (Organização das Nações Unidas), integrando a base dos “17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”. Poder se mover facilmente para a escola, trabalho, atendimento médico, abastecer a casa ou se divertir é requisito fundamental para o desenvolvimento não só individual, como de toda a sociedade, segundo a Organização.

Os resultados finais do Observatório da Mobilidade devem ser conhecidos no segundo semestre de 2022, mas as primeiras impressões já podem ser acompanhadas no site do projeto. “Serão dois passos de geração de conteúdo. Ao longo da jornada, artigos dos lugares visitados, com as primeiras impressões, aprofundando as informações da região. Isso vai se repetir, com textos e vídeos apresentando os desafios e belezas desses locais, formando uma matriz com dados macro de tudo o que vimos, quem sabe gerando um ebook dentro do site do conteúdo da SAE, que fique à disposição da sociedade”, prevê a empreendedora Ariane Marques, do “Observatório da Mobilidade”.

Nos quilômetros rodados até agora, o casal se deparou com surpresas e grande receptividade. “Primeiro foi preciso se acostumar com a acomodação. O espaço é pequeno, então tem que otimizar. Tivemos coisas que levamos e acabamos não precisando, assim como outras descobrimos que seriam de grande utilidade, como a tela-mosquiteiro para a janela da van. E é preciso ter cuidado ainda com as estradas de terra em dias de chuva, que deixam o caminho muito escorregadio”, revela Tobias Hückeholfen, que se diz impressionado com a acolhida nas cidades. “As pessoas vêm perguntar o que é nossa van, o que estamos fazendo e conversam, nos levam a outros personagens, autoridades das cidades ficam sabendo e querem nos conhecer. Temos sido recebidos de braços abertos”, explica. Quem quiser acompanhar o trabalho do casal pode conferir cada passo no Instagram oficial do projeto: @observatoriosaebrasil.