Imagem ilustrativa da imagem Projeto de Londrina sobre jogos de tabuleiro é selecionado em programa francês
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Atire a primeira pedra quem nunca entrou em disputa acirrada com amigos em jogo de tabuleiro. Em uma partida emocionante, há quem arranje confusão, com dedo na cara e gritaria, e quem fortaleça os instintos diplomáticos para finalizar o jogo e manter a amizade. Nesse processo, pode haver aprendizado. É o que investiga uma equipe de pesquisadores de três universidades de Londrina, com o projeto “O uso de jogos de tabuleiro na aquisição e na manutenção de habilidades sociais”. O estudo foi o único brasileiro entre cinco selecionados em programa de empresa francesa.

Três universidades de Londrina se unem no projeto, com pesquisadores do IFPR (Instituto Federal do Paraná), UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e UEL (Universidade Estadual de Londrina). A ideia surgiu como um prolongamento de projeto de extensão. “O projeto inicialmente visava a realização de eventos que ocorriam dentro dos campi Londrina e Cornélio Procópio da UTFPR. Nesses eventos eu levava os jogos de tabuleiro para que os participantes pudessem pegar os jogos para jogar no local”, conta o professor do departamento acadêmico de Mecânica, da UTFPR Cornélio Procópio, Maurício Iwama Takano.

Foi em um desses encontros que a psicóloga do IFPR Londrina, Ariela de Oliveira Holanda, conheceu Takano e nasceu a intenção de pesquisa na área. “Surgiu a ideia de tentar relacionar o desenvolvimento e aquisição de habilidades sociais com o engajamento dos participantes. Nós queremos saber se as pessoas que jogam mais ou que jogam menos determinados jogos possuem mais habilidades sociais que outras”, explica.

Com esse questionamento, o projeto foi selecionado pelo programa Game In Lab, programa promovido pela fabricante de jogos francesa Asmodee, que é representada pela Galápagos, no Brasil. Entre diversos trabalhos recebidos pela multinacional, cinco foram selecionados. O projeto londrinense foi o único brasileiro entre a lista de vencedores, que conta com instituições da França, Inglaterra, Estados Unidos e Espanha. Com a seleção, a empresa vai apoiar em custos ferramentas para a pesquisa e vai doar jogos de tabuleiro para o acervo.

Assim como Takano, o professor do departamento de Física, da UEL, Gustavo Iachel, desenvolvia um projeto utilizando jogos de tabuleiro moderno como uma atividade de saneamento mental. “Principalmente dos nossos estudantes de cursos que são historicamente considerados difíceis, que são os cursos de exatas, mas também contamos com a participação ativa da comunidade dentro do projeto”, explica. O professor também passou a integrar à equipe de pesquisa selecionada no programa francês.

Iachel acredita que a Asmodee tenha aceitado o projeto principalmente pelo capital humano envolvido, com professores universitários de três instituições públicas diferentes. O fato de o projeto já ter realizado alguns trabalhos anteriores e apresentado os resultados em eventos também potencializou a escolha, conforme acredita o professor.

Para ele, a resposta da empresa francesa vem mostrar a relevância desses estudos. “Esse aceite e envio de recursos mostra para os pesquisadores do País, que é, sim, possível conseguir fundos para realizar pesquisa nessa área, que é o uso de jogos de tabuleiro moderno na educação, na psicologia e em outros campos. Mostra que é possível desenvolver seus projetos em suas instituições”, defende.

O estudo seria desenvolvido durante um ano, mas com a pandemia, o convênio foi ampliado por mais seis meses. Holanda explica que se a pesquisa confirmar que há relação entre o desenvolvimento de habilidades sociais e os jogos de tabuleiro, seria possível contribuir com o bem-estar da população.

“Em nosso dia a dia, a gente percebe que há muito sofrimento psicológico em uma sociedade que impõe juízo de valor o tempo todo, então há adoecimento na escola”, afirma a pesquisadora. “Se a gente conseguisse desenvolver habilidades sociais, talvez tivéssemos jovens e adolescentes com mais variabilidade de comportamento em reações adversas. Nossa esperança é essa. A gente está visualizando um pedaço, mas gostaria de poder contribuir com o bem-estar dos nossos alunos e professores”, defende.

Avançando uma casa na pesquisa e na extensão

O amor aos jogos levou o professor Maurício Takano, da UTFPR, a buscar novos métodos de ensino. “Comecei a pesquisar sobre o uso de atividades lúdicas na educação. Percebi que muito se falava do uso de jogos e atividades lúdicas na infância, mas depois, na adolescência e na fase adulta, pouco se discutia. O ato de jogar é muito visto pela sociedade como um ato infantil, principalmente quando falamos de jogos de tabuleiro”, afirma.

Maurício Takano: “Eu sempre acreditei que os jogos, de uma forma geral, possuem uma capacidade incrível de ensinar"
Maurício Takano: “Eu sempre acreditei que os jogos, de uma forma geral, possuem uma capacidade incrível de ensinar" | Foto: Arquivo Pessoal

Confrontando esse pensamento, o professor criou um projeto de extensão disponibilizando jogos de tabuleiro do seu próprio acervo para a comunidade, os encontros não tinham restrição de idade. O projeto nasceu no campus de Cornélio Procópio e se intercalou com eventos em Londrina. Em média,100 pessoas participavam do encontro. O acervo precisou crescer. Entre as unidades do professor e do projeto, são quase 200 jogos disponíveis.

Difícil escolher um favorito, mas O Senhor dos Anéis: Jornadas na Terra Média, Bunny Kingdom e Indian Summer encabeçam a lista dos queridinhos do momento do professor. Impossibilitado de realizar encontros na pandemia, Takano deixou os jogos de tabuleiro no núcleo familiar, mas manteve os jogos on-line. Além disso, a cada 15 dias promove encontros com estudantes voluntários e bolsistas para praticarem o ensino das regras dos jogos.

Outra forma de não se distanciar dos jogos são os encontros de mesas semanais de RPG. “Todas as terças-feiras abrimos as inscrições para uma mesa de RPG. Qualquer pessoa pode se inscrever para participar”, comenta. As inscrições podem ser feitas por meio das redes sociais do projeto: facebook.com/UTFPR.BG e instagram.com/utfprbg/.

Uma paixão que vem da infância, mas que foi se modernizando com o tempo. Os jogos atuais são diferentes daqueles conhecidos Banco Imobiliário, War e Jogo da Vida, que continuam populares. Segundo o professor, os jogos de tabuleiro moderno se diferem desses em relação ao tempo de jogo, que é mais bem definido, e redução do critério sorte. “Consequentemente, há aumento da necessidade de uma boa estratégia para ganhar o jogo”, afirma.

E eles estão cada vez mais populares, com empresas investindo no mercado. Mais de 124 mil jogos de tabuleiro estão cadastrados no site Board Game Geek, que é o maior acervo de jogos de tabuleiro do mundo. A última edição do SPIEL, evento focado em jogos analógicos, realizado em 2019, na Alemanha, contou com 209 mil participantes.

Para Takano, mais que uma febre e mercado em alta, os jogos de tabuleiro têm potencial na educação. “Eu sempre acreditei que os jogos, de uma forma geral, possuem uma capacidade incrível de ensinar. Também, sempre acreditei que existe muito mais a se aprender do que somente o conteúdo escolar, coisas como ‘como se relacionar com outras pessoas’ ou ‘como falar em público’, etc. Acredito que as habilidades sociais são tão importantes quanto, se não mais, o conhecimento do conteúdo escolar ou universitário”, defende.

SERVIÇO
Durante a pandemia, o projeto de extensão com jogos analógicos da UTFPR realiza eventos on-line com palestra, mesa redonda, workshop, mesa de RPG e de jogos de tabuleiro. O link para o evento é: facebook.com/events/248067240050278