Um floquinho de pelo caolho se tornou flor: Tulipa. A cadela sofreu o abandono ainda filhote, quando perdeu um olho por doenças que a encontraram antes do socorro. Apesar dos traumas e da possibilidade de sofrer a pecha de patinho feio entre os cães, encontrou quem a acolhesse. O desafio para achar um lar para animais abandonados ou que sofreram maus-tratos já existe, mas pode ser ainda maior entre aqueles bichinhos que têm alguma deficiência.

Imagem ilustrativa da imagem Pets com deficiência também merecem um lar
| Foto: Arquivo Pessoal

Michele Costa Granziera, 41, viu a foto do filhote na rede social da protetora voluntária que a socorreu. “Ela foi encontrada com uma lesão ocular, era bem filhote, teve que passar por cirurgia para a retirada do globo ocular e estava muito debilitada. Então, a Nina, que ficou cuidando dela nesse período, perguntou se eu não me importava de ir lá visitá-la, conhecer, saber se era isso mesmo que eu queria e foi amor à primeira vista quando vi aquele toquinho de pelo sem olho”, menciona.

A assistente social passou algumas semanas visitando a filhote até poder levá-la de fato para casa. As primeiras semanas foram de cuidados pós-cirúrgicos. “Ela tinha alguns pontos, a região estava bem sensível, precisando de cuidados, e foi um tempo para ficar bonitinho”, afirma. Hoje, a tutora comenta que quase não se percebe que Tulipa só tem um olho, já que os pelos ao redor cresceram.

Na rotina do dia a dia, Granziero afirma que não há diferença entre outros cães. “A princípio, a gente pensou que ela teria dificuldade, mas muito pelo contrário, a gente percebe que ela vem desenvolvendo mais a visão do único olho dela, ela enxerga de longe, desenvolveu o sentido de audição e escuta muito bem”, afirma.

Tulipa completou um ano de convivência com a família em outubro de 2020 e nunca demonstrou problema que a falta de uma visão poderia trazer. “Ela é terrível, também brinca, corre, entra debaixo da cama, dos armários, não há diferença alguma entre ela e a ‘irmã’. Elas são iguais e são absolutamente parceiras”, afirma. Porpeta foi adotada um mês depois da Tulipa para uma fizesse companhia a outra.

TRÊS PATAS

Essa é a segunda experiência com um animal especial que a tutora já teve. A primeira foi com uma cadela que só tinha três patas, uma das deficiências mais comuns encontradas pela ONG SOS Vida Animal, em Londrina. “Nós atendemos muitos animais com deficiência, as mais comuns são amputação de membros, por conta de atropelamentos, e cegueira, decorrente de maus tratos e abandono”, menciona Nina Biagini, colaboradora na organização.

Em 2020, a ONG conseguiu promover 546 adoções de animais resgatados, um número expressivo diante da pandemia, que suspendeu as campanhas físicas de adoção. A estimativa é que 5% do total de pets das campanhas tenham alguma deficiência séria. Para esses cães, a colaboradora afirma que é necessário fazer uma divulgação específica para tutores que se sensibilizam com a causa.

Algumas doenças interferem na adoção, sobretudo de animais com problemas de saúde sérios, mas na questão da deficiência física, Biagini afirma que é possível encontrar tutores a partir de um trabalho de busca. “É um público específico, é necessário um trabalho de divulgação, de procura, de paciência, porque há busca. A gente não pode desistir de encontrar um tutor específico para a vida daquele animal”, argumenta.

'A TULIPA ME SALVOU'

A colaboradora da ONG SOS Vida Animal, Nina Biagini, explica que nem todos os animais com deficiência precisam de um tratamento especializado e conta que todos os animais que passam pela organização são tratados, recuperados e só depois vão para o novo lar. Processo que pode levar tempo em alguns casos, mas explica que os protetores devem ter foco em: adoção, castração e conscientização.

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| Foto: Arquivo pessoal

“O caso chega até o protetor, então ele vai precisar ter o trabalho de conscientização dessa pessoa que está pedindo ajuda. A gente trabalha com essa pessoa, auxilia com vacina, castração; na participação de feiras de adoção dá o primeiro suporte para que esse animal tenha chance de ser adotado. Esse é um primeiro momento, porque a ONG e protetores não conseguem bancar todos os pedidos de ajuda”, argumenta.

No ano anterior, a ONG realizou mais de 43 mil atendimentos on-line, promoveu 5.297 medicações e 1.850 consultas em bairros carentes, realizou mais de 1.700 castrações com valor solidário, além de outras ações, como vacinas, procedimentos cirúrgicos, internações, etc.

“Nós recebemos muitos chamados, mas o município não tem estrutura de um hospital público nem de auxílio aos protetores, uma ONG não consegue dar suporte à demanda. A gente está falando de mais de 60 mil animais abandonados ou semidomiciliados em Londrina”, argumenta. Situação que só pode ser resolvida com conscientização e apoio da população.

No caso da cadela Tulipa, o apoio veio no trabalho de resgate, acolhimento e no olhar sem preconceito de Michele Costa Granziera, que viu o trauma como superável. “Os animais com deficiência são mais gratos, porque passaram por muita dor, se adequam a nova realidade muito rapidamente, sem depressão, sem pena de si, é um pensamento: ‘vamos lá! A vida continua, eu sou grato por essa oportunidade e vou continuar aprontando’”, observa Biagini.

Para a tutora Granziera, não há arrependimentos nem frustrações, somente troca de experiências e quebra de paradigmas. “Eu recomendo que as pessoas adotem um animal com qualquer deficiência. Eles são mais amorosos e atenciosos, acho que todo mundo deveria passar por essa experiência”, afirma. “A Tulipa me salvou de uma depressão após a perda de um bichinho e nos salvou durante esse isolamento e crise da pandemia. Eu ficaria mil vezes com a Tulipa se ela me agraciasse com a presença dela novamente”, comenta com gratidão.

SERVIÇO
Mais informações sobre como ajudar ou adotar um pet pela SOS Vida Animal no site: www.sosvidaanimal.org.br