Imagem ilustrativa da imagem Pesquisa da UEL coleta material em cães e gatos para estudar Sars-Cov-2
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Existem ainda muitas dúvidas em relação ao papel dos animais na epidemiologia da Covid-19. “Por exemplo, qual a real importância dos animais [domiciliados e silvestres] na cadeia epidemiológica da Covid-19?" O questionamento é feito por professores e pós-graduandos da UEL (Universidade Estadual de Londrina) que estão coletando material biológico em animais domiciliados– gatos e cachorros – de pacientes em isolamento para estudar a infecção por Sars-Cov-2. A expectativa dos pesquisadores é que o trabalho possa contribuir no futuro com pesquisas que utilizam modelos animais na avaliação de medicamentos e vacinas para a Covid-19.

O trabalho é denominado “Aspectos Epidemiológicos da Infecção por Sars-Cov-2 em Animais (Domiciliados e Silvestres) com Abordagem em Saúde Única”. As amostras serão obtidas das regiões orofaríngea, ocular, retal e das patas. Além disso, também são coletados sangue e pelo. Para realizar a coleta do material, a UEL firmou parceria com a Prefeitura de Londrina que indica pacientes em isolamento. A pós-doutoranda Roberta Torres Chideroli explica que o animal precisa ter tido contato com pessoas com diagnóstico positivo para Covid-19 para a realização da coleta. Os pesquisadores ressaltam que há um compromisso com o sigilo e a confidencialidade dos pacientes. "A questão de sigilo é bem sensível e, por isso, estamos tomando muito cuidado com informações”.

Segundo o pós-doutorando Felippe Danyel Cardoso Martins, da UEL, ainda há poucos relatos de contaminação desses animais. “Nesses estudos não estruturados e sem dados populacionais, foram constatadas as presenças dos vírus principalmente em gatos. Em cães há relatos, mas são mais raros. Com um estudo mais abrangente, no município inteiro, vamos identificar a magnitude de transmissão. Vamos coletar material quando o paciente estiver no início, no meio e no fim do isolamento”, explicou.

Martins relata que os pesquisadores poderão analisar quando a ocorrência esteve alta e o que o animal desenvolveu com a presença do vírus. “Conforme os vírus vão passando por diferentes hospedeiros, passam por mutações. Na Europa há cinco variantes de mutações e a nossa ideia é que, a partir do diagnóstico, seja possível fazer a caracterização do genoma para ver se está ocorrendo variação. A gente espera que essa variação seja rara”, destacou.

Segundo ele, quando se pensa no animal doméstico em casa, não ocorre a transmissão, porque a pessoa está em isolamento. “Não haveria mais ninguém para transmitir, pois o animal está em um apartamento ou casa. Não há a pressão grande como nas fazendas de produção de animais como os furões ou mink. Mas são hipóteses”, apontou. Na Dinamarca houve uma ordem de um ministro para abater 17 milhões de visons do país, por suspeita de haver uma cepa rara do vírus. “Não é só na Dinamarca. Muitos outros países da Europa estão sacrificando animais, mas isso é uma decisão mais política”, destacou.

OUTRAS INSTITUIÇÕES

O projeto é uma iniciativa que inclui várias instituições e, para tanto, foi criada a Rprecov (Rede Paranaense para Estudos com o Sars-CoV-2 em Animais). Além da UEL, estão envolvidas a Unipar (Universidade Paranaense), UEM (Universidade Estadual de Maringá), Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Unopar (Universidade Norte do Paraná), Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) e Parque Nacional do Iguaçu (Parna Iguaçu). O projeto conta ainda com consultores de outras universidade brasileiras e estrangeiras.

O trabalho é coordenado pelo professor Amauri Alcindo Alfieri, do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da UEL. Ele é também pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UEL. O Laboratório de Virologia Animal, do Departamento de Medicina Preventiva, do CCA, atua em pesquisas de coronavírus há quase 20 anos.No Brasil, o laboratório da UEL é o que mais produz trabalhos científicos sobre coronavírus em bovinos.

MUTAÇÃO

De acordo com o pós-doutorando da UEL, Felippe Danyel Cardoso Martins, "o que a gente mais espera com essa pesquisa é identificar se tem mutação no vírus que aumente a sua patogenicidade, a capacidade de causar a infecção e de aumentar os sintomas. Quando isso ocorre, começa a ter mais problemas. Claro que hoje o vírus causa morte, mas a letalidade é baixa se compararmos com outros vírus emergentes como o ebola, que tem uma taxa de letalidade 70% a 80%. Este tem letalidade de 1%, 2% ou 3%.”

“O normal entre os pets é não ter proteína para se ligar ao vírus”, destacou Martins. Mesmo que os animais domésticos ainda não tenham um receptor celular para desenvolver a doença, eles podem servir como vetores mecânicos. “Pode ser o pelo do próprio animal. Se tem um paciente em isolamento em um quarto de uma edícula e na casa da frente tem uma pessoa suscetível e há um cachorro que circula nos dois ambientes é preciso tomar cuidado”, explicou.

Ele afirmou que o animal que sai para a rua também pode carregar o vírus. “Essa contaminação é rara, e tem relatos experimentais, mas o conselho é que o tutor fique tranquilo. Todos os casos de Sars- Cov- 2 em animais não foi demonstrado que as contaminações partiram do cão e do gato para o homem, mas do homem para o animal.”

VOLUNTÁRIOS

Segundo os pesquisadores, a coleta respeita todos os protocolos de bem-estar animal estabelecidos, com segurança para a equipe, para o animal e respectivo tutor. Pessoas com diagnóstico de Covid-19 confirmado que tenham gato ou cachorro, e queiram participar da pesquisa, podem entrar em contato com a equipe do projeto pelo fone (43) 99185-7834. O número, segundo o grupo, também pode ajudar a tirar dúvidas sobre o assunto.

ANIMAIS SILVESTRES

Além de coletar material biológico em animais de estimação, o projeto tem equipes para coletar, simultaneamente, amostras em animais silvestres. “A coleta em silvestres ocorrerá aqui na região de Londrina, junto a um projeto que já está acontecendo com animais atropelados. Ocorrerá também em parceria com o pessoal do Parana Iguaçu, em Foz do Iguaçu. Estamos fechando uma parceria com um pessoal de Cornélio Procópio”, afirmou o pesquisador da UEL.

Segundo Martins, faz-se a atribuição de que o vírus possa ter vindo de morcegos ou pangolins porque há um banco de dados com análises de amostras de material biológico de animais silvestres. Depois de uma comparação com a semelhança genética e é possível criar a hipótese de onde veio. “O que a gente sabe é que a invasão do ambiente silvestre por humanos, a degradação do ambiente silvestre e o lixo ecológico afetam os animais que vivem nesses lugares e isso faz com que a gente entre em contato mais frequente com os vírus circulantes nesses meios. A partir do momento que a gente cria essa entrada, o vírus que não está adaptado ao hospedeiro humano pode sofrer adaptação conforme o contato com o microrganismo for aumentando”, detalhou. "O trabalho para predizer novas pandemias é o monitoramento da vida silvestre. Isso permite comparar esses genomas logo quando surgirem.”