Era na força do braço de Osmar Olívio Kleber que a massa do pão saía em uma padaria de Londrina. Foram anos soltando pães quentinhos em outras freguesias até conseguir montar seu próprio estabelecimento no local onde mais tarde ele chamou de “melhor lugar do mundo para se viver”, na Vila Casoni, região central de Londrina. Na esquina em que encontravam-se paralelepípedos a chão de terra batida o comércio se ergueu e continua ativo, preservando a história da cidade.

Lauro Kleber:  “Chega cliente que a gente cumprimenta pelo nome, que vem todo dia"
Lauro Kleber: “Chega cliente que a gente cumprimenta pelo nome, que vem todo dia" | Foto: Roberto Custódio

Há duas décadas, Osmar e a esposa Ernestina deixaram o legado aos três filhos. Nas mãos dos dois mais velhos, Lauro e Valdemar Kleber, a Panificadora e Confeitaria Central completou seus 60 anos neste mês de fevereiro. “Era na esquina da frente, mas em quatro anos meu pai comprou este terreno e construiu o prédio com a casa em cima e a padaria embaixo”, conta Lauro, no escritório com ar familiar. Fotografias e diploma decoram o ambiente; do lado de fora, revestimento de tijolinhos e as janelas no andar de cima denunciam a moradia.

O melhor lugar do mundo para se viver, conforme o pai, deu boa infância aos filhos. “Como a rua era tranquila, a gente saía para brincar, jogar bola, bicicleta, eram várias crianças brincando na rua, o que hoje não se faz mais”, compara. “Essa rua transversal, a Tupinambás, era de chão batido. Em tempo seco era uma poeira, quando chovia, barro. A gente colocava pó de serra na entrada da padaria, hoje não poderia”, alerta.

NOVA REALIDADE

A padaria também foi a brincadeira dos filhos até a idade adulta, quando começaram a tomar frente do negócio. Formado em administração, pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), Lauro vê como foi preciso que a gestão se adaptasse às novas realidades do local. “Nos últimos anos, a Vila Casoni se estagnou. O crescimento foi para a região norte, com os Cinco Conjuntos, mas como aqui era caminho, ainda tinha movimento. Depois que a cidade cresceu para a zona sul, a Vila Casoni ficou para trás”, aponta.

Como o comércio sofre influência das mudanças na cidade, Lauro acredita no retorno do movimento econômico do bairro após a conclusão das obras do viaduto da Dez de Dezembro, e vê o crescimento na região leste depois que a instalação da UTFPR (Universidade Federal Tecnológica), em 2007, começou a levar construções para a região. Para ele, esse movimento pode impactar o bairro, que é caminho do Centro.

Imagem ilustrativa da imagem Padaria da Vila Casoni completa 60 anos de história
| Foto: Roberto Custódio

CUMPLICIDADE COM CLIENTE

Independente disso, a padaria possui serviços que extrapolam os limites do bairro e foi uma das primeira as oferecer o coffee break, levando quitutes até empresas e eventos. Até aí, a padaria já tinha sofrido intervenções, substituindo o trabalho braçal (que muito foi liderado pelo pai) por maquinários. “O pão era enrolado na mão, hoje existem as modeladoras. Antigamente existia a figura do forneiro, com conhecimento técnico sobre o trabalho, os tabuleiros eram de madeira, os pães assados em cima das pás, nada inoxidável. Hoje qualquer pessoa consegue fornear o pão”, afirma.

Já os que frequentam o estabelecimento ainda são os moradores do bairro. “Chega cliente que a gente cumprimenta pelo nome, que vem todo dia. Existe uma cumplicidade do cliente com a firma”, revela. Vivendo hoje em um apartamento na zona sul da cidade, ele percebe as diferenças no costume. “Eu não conheço um quinto das pessoas do meu prédio, o nome é só de um ou outro, tudo é tão automático, você entra, aperta o botão, não vê ninguém”, descreve.

CÁPSULA DO TEMPO

O que faz da panificadora uma espécie de cápsula do tempo para ele. “A panificadora tem essa coisa de as pessoas se encontrarem, se tratarem pelo nome. Todo dia eu deixo uma edição do jornal, a pessoa vem tomar café e dá uma geral nas notícias, a pessoa fica retida ali naquele momento para colocar as ideias em dia”, comenta. Comportamento que ele diz que gostaria que fosse preservado seguido de uma descrença. “Deveria, mas não vai.”

Isso porque cita as facilidades que a tecnologia permite hoje, entre elas, a entrega por aplicativo. “As novas gerações pedem muito comida em casa, elas não andam a pé”, solta entre argumentos. Porém, essa não é uma grande inovação. Entre a conversa, Lauro recordou dos tempos do caminheiro, pessoa responsável por levar pão e leite até a casa das pessoas. “Hoje em dia não daria mais, uma por causa da higiene e outra porque as pessoas levariam embora a mercadoria do cliente”, aponta com sinais de obviedade.

CADERNETA

Nesse modelo de entrega, o pagamento era na caderneta. “Ainda existe em vários locais tradicionais, de comércio antigo, que as pessoas ainda pedem para anotar na caderneta, não era só na entrega”, explica. A assiduidade do cliente tornava a relação mais próxima e mais cômoda, criando relação de confiança. “Antigamente, o leite era na garrafa, então, a pessoa tinha que vir pegar todo dia junto com o pão”, aponta.

A falta da geladeira demonstrava a popularidade do glacê, que não demandava refrigeração, o chão de terra batida, o carrinho do caminheiro, a troca pelos maquinários modernos, o asfalto que pavimentou o bairro, a reforma de 2000... O entorno mudou, a essência é a mesma. Depois de abrir e fechar cinco filiais, a matriz resiste a preservar memória e costumes de um bairro tão tradicional quanto o principal pedido no balcão: pão e café.