Lucilia Okamura
De Londrina
Aos 13 anos de idade, quando ainda morava na cidade Natal, Sertãozinho (SP), Otaviano Mazer já estava na atividade que ia seguir durante a vida toda: a de treinador de futebol. Ele era uma espécie de líder de um time de meninos formado na fazenda onde morava. Hoje, aos 76 anos, 59 vividos em Londrina, Mazer se orgulha de ter sido o fundador da primeira escolinha de futebol na cidade, ainda na década de 40, e de ter descoberto vários talentos. ‘‘Nasci para o futebol’’, diz com convicção.
Otaviano Mazer não tem idéia de quantos atletas ajudou a formar. Já perdeu as contas também do número de medalhas, troféus e títulos que conquistou ao longo das mais de seis décadas em que atuou no futebol. Alguns desses troféus e medalhas enfeitam as paredes e estantes da casa onde mora.
Ele diz ainda que pelas suas mãos já passaram mais de 30 jogadores que depois se tornaram profissionais e fizeram carreira – alguns ficaram conhecidos nacionalmente. Só não gosta de citar nomes, para evitar constrangimentos.
A primeira escolinha foi aberta em Londrina, um ano após a sua chegada, em 1941. Tudo era improvisado. ‘‘Comecei aos poucos, juntando cinco ou seis meninos. Depois íamos buscar mais até dar 22 jogadores’’, lembra. ‘‘O futebol aqui era muito fraco na época’’.
Como tinha que trabalhar para ajudar no sustento da família, Otaviano Mazer se dedicava ao futebol somente nos domingos e feriados – durante a semana ficava em uma fábrica de artefatos de cimento, que abriu com dois irmãos.
Ele lembra que na época era comum, no sábado à tardezinha, pegar sua lambreta e levar sacos de casca de arroz para um campinho improvisado, na Vila Nova. No dia seguinte, bem cedo, ele ia lá para riscar o campo e colocar as traves de gol. Otaviano Mazer, aliás, era uma espécie de faz-tudo. Além de treinador, era massagista, cuidava dos uniformes, organizava os jogos e tudo mais que aparecia pela frente.
Com o passar dos anos, a escolinha foi crescendo. ‘‘Cheguei a ter 106 alunos’’, afirma. As partidas também já não se resumiam mais ao campinho da Vila Nova. Ele treinou diversos times e jogou em praticamente todas as cidades da região. Nos anos 70, chegou a treinar também um time feminino. ‘‘Elas jogavam bem. Tinha uma atleta que podia fazer parte de qualquer time do Brasil’’, garante, enquanto mostra as fotos do time. Ele conta, com orgulho, que a maioria delas se formou em Educação Física.
Otaviano Mazer ressalta que não ganhou dinheiro com o futebol. ‘‘Nunca cobrei um tostão por ninguém, ao contrário, sempre ajudava’’, afirma. ‘‘Dava passes de ônibus, arranjava os uniformes’’, exemplifica.
Na profissão, ele faz questão de ressaltar que sempre contou com o apoio de alguns amigos e principalmente da mulher, Isma, com quem é casado há 51 anos e tem dois filhos. ‘‘Ela costurava e lavava os uniformes dos meninos e nunca reclamou’’, garante.
Além da disciplina, Otaviano Mazer diz que sempre exigiu de seus atletas que estudassem e não se envolvessem com droga. ‘‘Eu dava muitos conselhos dizendo para nunca abandonarem os estudos, porque senão eles não teriam futuro.’’
Otaviano Mazer foi o responsável também pela fundação do São Paulo Futebol Clube, no início da década de 40. Mais tarde, o São Paulo se transformou em Paraná Esporte Clube e no dia 3 de janeiro de 1970, o clube foi fundido com o Londrina Futebol e Regatas, resultando no Londrina Esporte Clube.
O ex-treinador gosta de lembrar também de como foi erguido o Estádio Vitorino Gonçalves Dias (VGD), na Rua Amazonas. ‘‘No começo, nós íamos aos domingos, de enxada, para limpar o terreno’’, afirma. ‘‘Depois, as coisas foram melhorando e os prefeitos foram dando uma força.’’ O VGD foi inaugurado em 1947.
Otaviano Mazer abandonou o futebol há cerca de dois anos, mas não perde as esperanças de um dia voltar a trabalhar com jovens atletas. ‘‘Perdi espaço nos campos para a burocracia. Hoje existem muitas dificuldades’’, critica. Torcedor do Palmeiras – ‘‘o time do meu coração’’ –, ele diz que gosta de ver um bom futebol, mas somente pela televisão. ‘‘Antes o futebol era feito com amor. Hoje injetaram muito dinheiro no meio.’’
A situação atual do futebol é um dos únicos objetos de crítica de Otaviano Mazer. Ele afirma estar contente com a vida que teve e não tem do que se queixar. E sempre agradece a Deus por tudo que conquistou.
Tanto que, todos os anos, no dia 5 de setembro, cumpre um ritual. Vai até a esquina da Avenida Duque de Caxias e da Rua Maranhão, para orar. ‘‘É o lugar em Londrina onde pisei pela primeira vez, vindo de Sertãozinho com meus pais e irmãos’’, justifica. Filho de imigrantes italianos, ele enfrentou três dias de viagem de caminhão para vir se juntar a alguns parentes que moravam na cidade.
Desde que chegou a Londrina, Otaviano Mazer mora na mesma rua, na Rio Grande do Norte (área central). ‘‘Tudo aqui era mato, a primeira casa foi a nossa’’, lembra. Ele diz ter saudades daquele tempo em que ia para o matagal para apanhar palmito e gabiroba e em que ‘‘a gente saía e não precisava trancar a porta porque não tinha ladrão’’. ‘‘Hoje a violência está grande’’, observa.
Apesar disso, ele não se arrepende de ter vindo para a cidade. ‘‘Não acredito como Londrina evoluiu tanto, nunca vi progresso como aqui’’, admira-se.
Além do futebol, outra paixão de Otaviano Mazer é a música. ‘‘Faço parte de uma família de músicos e sempre gostei de cantar’’, observa, contando que o pai gostava de tocar sanfona e seu irmão Olegário Mazzer, falecido recentemente, era compositor. Há muitos anos, ele é cantor do Coral Santa Cecília e participou de diversas apresentações.

OTAVIANO MAZER
Idade: 76 anos
Mérito: fundador da primeira escolinha de futebol em Londrina
Frase: ‘‘Nasci para o futebol’’
Ritual: todos os anos, no dia 5 de setembro, vai até a esquina da Avenida Duque de Caxias orar. ‘‘É o lugar em Londrina onde pisei pela primeira vez’’