Imagem ilustrativa da imagem Oswaldo Militão, um cidadão londrinense
| Foto: Roberto Custódio

No desembarque do ônibus, ao lado da mãe, o jovem adolescente de 17 anos não poderia imaginar o futuro que seria descortinado ao longo das décadas seguintes. Seu destino naquele momento foi transformado definitivamente. Era fevereiro de 1956, quando Oswaldo Militão chegou a Londrina, na estação na Rua Sergipe projetada por Vilanova Artigas. O motivo da viagem era cursar o ginasial, como era chamado o ensino médio. A cidade paulista de Santo Anastácio, onde o garoto viveu em seus primeiros anos, era pequena para o tamanho de seu sonho: tornar-se médico. Ainda com o filho sem endereço na cidade, Dona Zulmira comprou a edição do dia da FOLHA e encontrou um anúncio do aluguel de um quarto para hospedar o jovem. O enredo é ponto de partida da epopeia vivida pelo jornalista, que completa 65 anos ininterruptos de carreira e acaba de ser agraciado com um projeto de lei do Executivo Municipal, proposto por Marcelo Belinati, que confere a Militão o título de Cidadão Honorário de Londrina. “Recebi uma ligação do prefeito me comunicando. Eu disse que não merecia e não precisava, mas confesso que fiquei muito feliz. Já haviam oferecido outra vez, mas neguei, penso que o trabalho do jornalista é coletivo, não faço nada sozinho, mas, agora, já estava decidido”, afirma o decano da redação, titular da coluna Social.

Imagem ilustrativa da imagem Oswaldo Militão, um cidadão londrinense
| Foto: Divulgação

A biografia de seus 82 anos é um emaranhado de acontecimentos que mistura a história da cidade e da própria FOLHA. Não bastasse o classificado ter indicado o primeiro endereço, também foi responsável pelo início de sua carreira. O anúncio havia sido feito pelo jornalista e redator do jornal, Walmor Macarini, que imediatamente virou colega de quarto no Lar Hotel. As visitas ao colega na redação do jornal na Rua Duque de Caxias acabaram fazendo com que, na ausência dele, Militão fosse como substituto. “Eu tenho diploma de datilografia da Escola Remington, do tempo que a formatura tinha baile, e comecei redigindo receitas e poesias. Quando me viram lá, não entenderam nada, mas me permitiram continuar e assim comecei”, lembra Militão. Seu registro profissional foi assinado em 15 de maio de 1956, desde então a atividade no jornalismo diário jamais parou. Seja nas páginas impressas, nas ondas do rádio, ou na televisão. Ele aprendeu sobre a apuração num tempo que o jornalismo não tinha faculdade. A coleta de informações era feita gastando as solas dos sapatos nas ruas e assuntando as informações nas principais rodas dos pontos de encontro. Hábitos que permanecem ainda hoje, como um exemplo para os novatos.

OPERAÇÃO

Não é possível defini-lo como um colunista social, mesmo sendo esta a principal atividade pela qual é conhecido. É na origem de todo profissional de imprensa que se faz o vínculo com a atividade de Militão. Na redação da FOLHA, entre tantos profissionais, seus cabelos brancos e a voz rouca inconfundível o destacam como o mais experiente repórter. Pouco afeito às novas tecnologias, se mantém fiel ao telefone fixo, ao encontro com as fontes, à leitura dos jornais diários e aos programas de rádio. É dono de um arquivo particular de revistas antigas que são acervo para comparar o passado ao presente. A prática é lição para os que fazem o jornalismo profissional, que hoje têm os buscadores da internet à disposição. “Jamais penso em parar. Digo que estou com mais cataratas do que as do Iguaçu, mas um jornalista sem a redação é como um peixe fora d’água”, compara o veterano, de memória excelente. O cidadão honorário de Londrina tem viva a emoção de chegar na cidade com a expectativa de conhecer os três cinemas disponíveis, com poltronas estofadas e ambiente refrescado por ar-condicionado. Seus casos são sempre ilustrados com detalhes, nomes e datas.

Uma delas explica a sua desistência pela medicina. Em 1958, um sério acidente automobilístico com um empresário e uma aeromoça que vinham de Cambé fez com que o jovem repórter fosse escalado para cobrir o fato com os feridos no Hospital Evangélico, que naquela época ficava na Rua Pernambuco. “Era por volta das 10h30 da manhã e o médico, sabendo que eu queria estudar medicina, me chamou para a sala de operações. Vi a moça com o abdômen aberto. Uma cena pavorosa que jamais esqueci. Mudei de opinião na hora”, relata. A desistência fez com que seguisse o desejo da mãe e acabou se formando em Direito na terceira turma da Faculdade Estadual de Direito de Londrina, que depois seria encampada pela UEL. Antes, foi bolsista do Colégio Londrinense. “Acabei que vi que eu gostava do jornal, do papo com as pessoas. A redação era um ambiente esfumaçado, apesar de eu não ter aprendido a fumar”, relata Militão, que não esquece de notar que naquele período não havia nenhuma mulher entre os colegas.

Militão ao lado do ex-colega de quarto e de redação, Walmor Macarini, um dos responsáveis por sua entrada na FOLHA, nos anos 50
Militão ao lado do ex-colega de quarto e de redação, Walmor Macarini, um dos responsáveis por sua entrada na FOLHA, nos anos 50 | Foto: Divulgação

ESPORTE

O alcance de seu interesse sempre foi amplo, o que o fez ser escalado para cuidar da editoria de esportes. Cobriu o Londrina e até partidas da Seleção Brasileira no exterior, mas um dos episódios mais memoráveis foi o duelo do Vasco da Gama contra o Real Madrid, num Maracanã abarrotado, em 1958. A partida terminou em 2x2, em uma virada do time carioca, enquanto estavam em campo lendas como Bellini, Di Stéfano e Puskas. Resumir tantas experiências e a amplitude profissional de Militão é tarefa para um biógrafo. Além dos fatos diários, há que se juntar a vida social londrinense, com a história dos concursos de Miss Paraná, a criação de torneios esportivos, além de atividades extras. Como cumprir dois mandatos como juiz classista da Justiça do Trabalho, ser presidente da Autarquia Municipal de Esportes, trabalhar no Instituto de Previdência do Estado e até disputar eleições de vereador. Ele acabou eleito como suplente de vereador em 1988, com 1.500 votos, a reboque da audiência do noticiário televisivo “Jornal do Meio Dia”. “No início, era difícil de sobreviver. Trabalhava, estudava e à noite ainda me punham para ir aos clubes atrás de notas”, rememora.

A longa história de vida de Oswaldo Militão sempre teve um único ponto de convergência: Londrina. Ele acabou deixando os convites para ingressar na imprensa paulista ou carioca de lado e fincou raízes profundas no solo de terra vermelha. A trajetória fez com que o atual prefeito, fã do jornalista desde criança, quisesse o agraciar como cidadão honorário. “Militão é o maior embaixador de Londrina, um patrimônio da nossa cidade, uma pessoa que, no jornalismo, sempre procurou enaltecer o município como um dos mais belos e pujantes do Brasil. Um homem digno, pai de família, correto, trabalhador, um dos precursores do jornalismo na nossa cidade e, principalmente, um grande apaixonado por Londrina”, define Marcelo Belinati. A impressão ecoa entre os amigos de décadas, como o empresário Roberto Vezozzo, do Hotel Bourbon. “Militão recebe uma homenagem excepcionalmente merecida. Ele é um homem de educação total, amigo dos amigos, sempre trabalhou na melhor conduta possível. Olha que fazer jornalismo não é fácil”, elogia Vezozzo.

RODOVIÁRIA

Imagem ilustrativa da imagem Oswaldo Militão, um cidadão londrinense
| Foto: Divulgação

Vasculhar os eventos da vida tão rica de acontecimentos traz à tona fatos que poderiam cair no esquecimento. Alguns deles contam a própria história da cidade. Colega de trabalho e um de seus amigos mais próximos, o ex-deputado Moysés Leônidas recorda a participação de Militão na criação do Terminal Rodoviário José Garcia Villar. Em 1977, passada a campanha e com a eleição de Antônio Belinati para prefeito de Londrina, uma conversa na Churrascaria Gaúcha selaria o fim da zona de prostituição da Vila Matos. “Lembro do Militão falando para o Belinati: ‘Por que você não acaba com aquilo lá e transforma numa rodoviária?’. O tempo passou e o prefeito decidiu por seguir com a ideia. Acabou que o projeto foi do Oscar Niemeyer como um presente para a cidade”, relata Leônidas, que lembra que fez questão de se afastar da Câmara de Vereadores para que o amigo cumprisse o posto por um período, enquanto era suplente. “Senti que ele não podia ficar sem essa oportunidade. Fui concorrer às eleições para deputado com a sensação de que a cidade e o Militão precisavam que ele estivesse naquela função”, conta.

Entre tantos feitos, o único que Militão não conquistou foi o de ter sua orquestra de baile. Apaixonado por Carnaval, se aventurou em tocar pandeiro e tamborim e não esconde o prazer de cantar. O jornalista também é um entusiasta torcedor do São Paulo e do Londrina. Orgulhoso da família e extremamente generoso, é filho de Zulmira Militão e Otávio Biagio. Nascido na cidade de Presidente Bernandes (SP), o jornalista é casado há 53 anos com a professora aposentada Ignez Therezinha Góes Militão, com quem teve um casal de filhos – a advogada Xênia e o jornalista Marcelo – e três netos: Ana Carolina, Emanuel e Luiza. “Nas minhas memórias de infância, me recordo de vê-lo sentado na mesa escrevendo na sua máquina de escrever antiga até muito tarde da noite. Ou então lendo em meio a uma pilha de jornais, revistas e livros. Tudo vira notícia em suas mãos”, relata a filha. Parceiro do pai no programa de TV “Militão & Militão”, na rede CNT, Marcelo recorda a dificuldade do chefe da família em ser homenageado. “Várias vezes tentam dar prêmios a ele e a resposta é uma recusa. Quando aceita, não costuma ir receber e pede que as pessoas lhe entreguem. Agora como Cidadão Honorário eu soube antes, mas fiz questão de guardar segredo. Ele acabou não tendo como recusar”, lembra.

PIONEIRO

A honraria ainda não tem data para ser entregue em mãos, visto que o atual estágio da pandemia da Covid-19 não permite que a Câmara dos Vereadores faça sessões presenciais. Militão, que já tomou a primeira dose da vacina, também faz questão de que o título seja entregue somente quando a situação de saúde esteja completamente controlada. “Esta é uma das homenagens mais merecidas. Militão é a história viva da cidade. Como repórter, ele participou do desenvolvimento da cidade. Um dos maiores londrinenses, é uma honra tê-lo na cidade. Tenho certeza que, no dia em que pudermos nos encontrar para prestigiá-lo, toda a sociedade terá enorme prazer em lhe prestar todas as homenagens”, aposta o vereador Jairo Tamura (PL), presidente da casa. A Londrina, cabe exaltar o menino que chegou com as malas nas mãos e, com o espírito de pioneiro, ajudou a escrever capítulos da história da cidade com a sua própria trajetória de vida.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1