Bela Vista do Paraíso - “Ao abrir o pano, entram todos os atores, com exceção do que vai representar Manuel, como se se tratasse de uma tropa de saltimbancos”. Assim inicia a obra de Ariano Suassuna, o Auto da Compadecida, encenada pela primeira vez em Recife, em 1956. Seis anos depois, em dezembro de 1962, a peça foi encenada pelo grupo de T.B.V.C. (Teatro Bela Vista de Comédia), na inauguração do Teatro Municipal de Bela Vista do Paraíso (Região Metropolitana de Londrina).

Imagem ilustrativa da imagem O renascimento do teatro de Bela Vista do Paraíso

A abertura do primeiro teatro municipal do interior do Estado movimentou a cidade, marcando a história de espetáculos e bailes que ficaram na memória até perder sua força e, sem manutenção, ser esquecido. Neste mês de outubro, assim como o personagem João Grilo, o teatro renasceu. As novas instalações foram reabertas sob a gestão do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR, causando frenesi entre a população.

O figurino, as fotos e encarte daquela estreia enfatizam a memória da unidade logo na entrada. O prédio, em formato do avião 14-Bis, de Santos Dumont, foi reformado após o Poder Executivo ser autorizado a doar o terreno de 11.556 m². Isso porque, após longo período sem reformas, o espaço sofreu graves problemas estruturais: parte do teto desabou, o piso apodreceu, além das vidraças quebradas e pichações.

Imagem ilustrativa da imagem O renascimento do teatro de Bela Vista do Paraíso
| Foto: Lais Taine - Grupo Folha

“Nós recebemos visitantes que lamentaram a situação do prédio antes da revitalização, com abandono e uso irregular do espaço. Estava em uma situação bem deplorável, até que houve o acordo de doação do espaço para o Sesc", explica Melrian Abdalla, gerente executiva da unidade.

O espaço chegou a uma situação bem diferente daquela da primeira década, quando a cidade viveu o auge do teatro com peças encenadas pelo grupo T.B.V.C, como Terra Natal, Chica-Boa e Os dois Sargentos.

A partir de 1963, além dos espetáculos teatrais, o espaço passou a receber também eventos sociais, como bailes, festas de casamento, formaturas. “Os festivais de balé eram maravilhosos. Eu vim em poucos, mas lembro que eram muito bem organizados, lotava o salão”, recorda Marilene Ruiz, 63, assistente social que agendou visita ao local.

Marilene Ruiz
Marilene Ruiz

Bela Vista do Paraíso tem 15 mil habitantes, o teatro original tinha capacidade para 500 pessoas. “Eu fui curtir muito o teatro em época de bailes, formaturas. Era um espaço importante, mais do que isso, era o único espaço que a gente tinha e lotava”, acrescenta Ruiz.

Com a reforma, o salão de espetáculos foi reduzido para 229 poltronas, acrescentou-se plataforma elevatória para acessibilidade, dois camarins, além de espaço para exposição artística, de leitura, ambientes pedagógicos para capacitação. Do lado de fora, pista de skate, quadra de vôlei de areia, mini quadra de basquete e academia ao ar livre.

Nas visitas após a reinauguração do dia 16 de outubro, memória e emoção. “Nós recebemos aqui pessoas que estiveram na inauguração do primeiro teatro. Então, ao longo das visitas, percebemos que todas as pessoas tinham uma história com o espaço e complementavam o roteiro da visita, pois nós fizemos um estudo, mas não é igual quem viveu”, comenta Abdalla.

Documentos e fotos da época da inauguração do teatro, em dezembro de 1962
Documentos e fotos da época da inauguração do teatro, em dezembro de 1962 | Foto: Lais Taine - Grupo Folha

CONEXÃO COM A COMUNIDADE

Ela conta que a cidade tem uma conexão muito importante com o local e, onde quer que ande pela cidade, alguém tem uma memória particular com o espaço. Algumas são tristes. Em 1968, o prédio recebeu o nome de Teatro Geraldo Moreira, em homenagem ao diretor do T.B.V.C., que faleceu naquele ano.

Após a grande perda para a cultura do município, o teatro deixa esvair também o entusiasmo e seu período de ouro, gerando também o fim do T.B.V.C. Outra questão que contribuiu para a decadência da época de ouro foram as alterações socioeconômicas da cidade, que após a geada de 1975, viveu o êxodo de muitos trabalhadores para outras cidades.

Com a estrutura fragilizada, o teatro passou por reformas nos anos 1980 e 1990. Angélica Furlan, 43, nasceu na cidade e recorda de visitar o espaço da biblioteca no local. Na adolescência, lembra dos bailes de aniversários da cidade e os shows. “Tínhamos o museu e a biblioteca. Lembro que foi feita uma reforma, mas anos depois foi caindo o forro e ficou interditado”, menciona.

Angélica Furlan  visitou o espaço reformado:  “É sinal de oportunidade e acesso à cultura que poucas cidades pequenas têm"
Angélica Furlan visitou o espaço reformado: “É sinal de oportunidade e acesso à cultura que poucas cidades pequenas têm" | Foto: Lais Taine - Grupo Folha

Em 2009, a vizinhança se depara com o desabamento de parte da estrutura, comprometendo também o acervo da biblioteca e do Museu Gecy Fonseca. Foi quando as portas se fecharam definitivamente. “Fez muita falta, ficou totalmente abandonado, tudo pichado, sujo, ficou muito feio”, comenta Furlan.

Durante a visita ao espaço reformado, a assistente social se anima com as possibilidades e aguarda o fim da pandemia para começar a usufruir da programação. “É sinal de oportunidade e acesso à cultura que poucas cidades pequenas têm. A gente tem que pensar que nem toda a população tem acesso a ir ao teatro em Londrina. É muito legal ver a cidade tendo vida, com oportunidade para todas as classes sociais”, comemora.

PRESERVAÇÃO

O espaço que foi cartão-postal da cidade guarda as memórias da população. Por conta disso, era uma missão do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR preservar o imóvel icônico. “Os prédios que são revitalizados são transformados em centros culturais. Esse é o quarto centro cultural do Paraná. O primeiro foi o Paço da Liberdade, em Curitiba. Temos um em Londrina, com o Sesc Cadeião, em Ponta Grossa, com a Estação Ferroviária e agora a unidade Bela Vista, porque a gente manteve a estrutura do prédio, o desenho, o formato do 14-Bis", inclui a gerente.

Imagem ilustrativa da imagem O renascimento do teatro de Bela Vista do Paraíso
| Foto: Lais Taine - Grupo Folha

Não só para o bela-vistense, a área de abrangência da unidade engloba as cidades de Alvorada do Sul, Centenário do Sul, Florestópolis, Lupionópolis e Porecatu. Por conta da pandemia, a unidade ainda não tem programação planejada, aguardando os decretos municipais que permitam as atividades. Enquanto isso, a população pode agendar as visitas guiadas para conhecer ou rememorar os primeiros anos do queridinho da cidade.

SERVIÇO
O agendamento das visitas pode ser realizado pelo telefone (43) 3242-8700 ou (43) 99147-6804 ou pelo e-mail: [email protected]