O OUTRO LADO DA HISTÓRIA
PUBLICAÇÃO
sábado, 18 de março de 2000
PÁGINAS ARRANCADAS O OUTRO LADO DA HISTÓRIA Estudantes de comunidades carentes não têm como responder ao apelo do governo federal de conservar os livros didáticos Mário CésarSEM CONFORTOGuilherme Henrique de Souza, 9 anos, mora em um assentamento em Londrina e faz a tarefa na porta de sua casa Érika Pelegrino De Londrina Incentivados pelo personagem criado por Ziraldo, o Menino Maluquinho, crianças saudáveis, com uniformes impecáveis, cantam e dançam em homenagem ao seu melhor amigo: o livro. Ao final do ano entregam para a professora seus livros impecáveis para que outros colegas os utilizem. A propaganda do MEC que vem sendo veiculada na mídia tenta desta forma criar nos estudantes do Brasil o hábito de conservar os livros didáticos que devem ser utilizados durante três anos. O garoto Guilherme Henrique de Souza, 9 anos, morador do Assentamento São Jorge, na zona norte de Londrina, nada tem em comum com as crianças da propaganda do governo federal, mas representa a realidade de milhões de alunos brasileiros. Estudante da 2ª série na Escola Municipal Neman Sayun, no Conjunto Ruy Virmond Carnascialli, também na zona norte, ele confessa que no final do ano passado entregou o livro um tanto estragadinho. Guilherme mora em uma casa de dois cômodos construída com tábuas e de chão batido. Sem mesa nem cadeiras, o garoto faz as tarefas sentado na cama. Eu apóio o livro na perna e faço o dever. Quando canso, deito na cama e continuo. Muitas vezes Guilherme senta-se na porta da casa e lá mesmo faz as tarefas da escola. A mãe Mari de Souza afirma que como não há um lugar adequado para guardar o material escolar, os livros acabam ficando sujos. Tem muita poeira aqui e os livros ficam amontoados, explica. Não são poucos os Guilhermes que são convidados pela propaganda do MEC a conservar os livros didáticos. O grande questionamento de profissionais que trabalham diretamente com a realidade destas crianças está vinculado, justamente, à situação precária e muitas vezes de miséria em que vivem os alunos. Duas alunas de 11 e 12 anos da Escola Estadual Adélia Dionísio de Barros também afirmam encontrar dificuldades em entregar o livro em bom estado no final do ano. Elas reclamam que os livros costumam se desprender ao meio, soltando as páginas, por não serem costurados. O vice-diretor da escola, Osmar José de Almeida, também comenta sobre a fragilidade dos livros didáticos. Para que durem três anos eles tinham que ser mais reforçados, afirma. Outra dificuldade de conservação, segundo as meninas, está na própria forma de carregá-los. São cinco livros, dois eu coloco dentro da bolsa, que é o que cabe, o restante tenho que carregar no braço. Isto com o tempo acaba estragando o livro, diz uma delas. A supervisora da escola, Emeri Sacchelli, afirma que muitas vezes os alunos entregam os livros sem condições de reutilizá-los. Estão sujos, rasgados, sem contar aqueles que perdem os livros, diz. Apesar das dificuldades, Rosângela Naldos, coordenadora de 1ª a 4ª séries da Escola Estadual Rio Branco, afirma que os professores buscam fazer um trabalho de conscientização dos alunos. Só que trabalhamos com uma clientela que não tem muitas condições, inclusive de higiêne. Então dizer que o livro será repassado no final do ano para a outra turma, lindo e maravilhoso como mostra a propaganda do MEC, é pura ilusão, afirma. Laudelina Leocádio da Vanço, supervisora da Escola Municipal Corveta Camaquã, na zona oeste, afirma que entre seus alunos não há muitos problemas com a conservação dos livros, mas salienta que é a realidade dos escolares que a escola atende que irá determinar a conservação ou não dos livros didáticos. Na Escola Municipal Bárbara Vieira, do Jardim União da Vitória um bairro carente , a auxiliar de direção Sueli Vieira de Souza Faria explica que não há problemas com a conservação porque os alunos trabalham com os livros apenas em sala de aula, não os levam para casa.