Gabriel Martins era experimente em cirurgia e clínica geral e hábil em curar doenças infantis
Gabriel Martins era experimente em cirurgia e clínica geral e hábil em curar doenças infantis | Foto: Acervo Museu Histórico Padre Carlos Weiss

O resgate da trajetória de pioneiros de Londrina deve ser permanente para que as gerações subsequentes possam conhecer as pessoas que estabeleceram as bases do município para que eles pudessem prosperar. Há pessoas homenageadas com nomes em logradouros que os mais jovens mal conhecem. O nome do médico Gabriel Carneiro Martins, por exemplo, está presente em uma escola localizada no Jardim Bancários (zona oeste) e também em uma das mais antigas praças de Londrina, na área central, hoje integrada ao Calçadão.

Imagem ilustrativa da imagem O médico que atendia os pobres no início de Londrina
| Foto: Museu Histórico de Londrina

Martins foi o segundo médico a desenvolver atividades sanitárias em Londrina. Ele chegou em 1936, como Delegado de Higiene, cargo ocupado até então por Oswaldo Dias. Além das funções públicas, era um profissional experiente em cirurgia geral, clínica geral e hábil em curar doenças respiratórias, venéreas e as que mais acometiam as crianças.

A professora Jolinda de Moraes Alves, vice-coordenadora da pós-graduação de serviço social e política social da UEL (Universidade Estadual de Londrina) é autora do livro “Assistência aos pobres em Londrina: 1940/1980”. A obra, publicada em 2013, trata das primeiras instituições que deram assistência a esse público em Londrina. E conta que Gabriel Martins foi o responsável por abrir o “Hospitalzinho de Indigentes”, em 1939.

A docente relata que em 1933 foi aberto o Hospital da Companhia de Terras Norte do Paraná, mantido pela empresa colonizadora e cujos serviços eram cobrados. Em 1937 uma epidemia de febre tifoide acometeu os trabalhadores da Colônia Orle, que pertencia ao município de Londrina, e Martins começou atendendo esses pacientes em um consultório. “Ele era um benemérito, uma pessoa caridosa. Muitas vezes fazia a consulta e não cobrava. Às vezes ele mesmo comprava remédios", relata.

Praça Gabriel Martins
Praça Gabriel Martins | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Quando acabou a epidemia de tifo, o médico continuou atendendo como um posto de saúde. "Mas ele precisava de leitos para os pacientes com tuberculose, hanseníase e fogo selvagem", detalha a professora. Por isso, ele montou o que ficou conhecido como o “Hospitalzinho de Indigentes.

O serviço foi estabelecido em um imóvel cedido gratuitamente por Alexandre Rasgulaeff. Era uma casa de madeira com quatro cômodos: sala, cozinha e dois quartos. Um dos quartos era reservado para doenças contagiosas; outro quarto e a sala tinham camas que serviam de leitos. ”Ele ficava na rua do Comércio (atual rua Benjamin Constant), esquina com a rua Mato Grosso, não na parte onde hoje tem o Pronto Atendimento Infantil e nem a Praça Tomi Nakagawa, porque ali era a ferrovia. O Hospitalzinho dos Indigentes ficava do outro lado da rua do Comércio, onde hoje tem várias lojas", explica Alves.

PARA O TRABALHADOR

No início da colonização de Londrina era preciso derrubar as matas e assim surgiam casos de malária e também acidentes de trabalho. “O trabalhador que não tinha onde receber tratamento também era atendido no hospital de Gabriel Martins. Mesmo se não pudesse pagar, ele não deixava sem atendimento”, enaltece Alves.

“Ele sensibilizou o governo do Estado e conseguiu equipamentos e medicamentos. O médico Anísio Figueiredo, que era do hospital da Companhia de Terras, também era voluntário no Hospitalzinho de Indigentes. Ele emprestava instrumentos cirúrgicos do outro hospital e operava no Hospitalzinho dos Indigentes. Os médicos se solidarizavam com essa figura de Martins”, observa a autora do livro.

HERNA E NINA

A única enfermeira do hospital era Herna, cujo sobrenome se perdeu na história, mas que era chamada de anjo por seu cuidado com cada paciente que entrava no local.

Para manter a estrutura não era fácil e Martins frequentemente recorria a comerciantes, produtores rurais e funcionários da CTNP para pedir dinheiro. Tinha o hábito de atravessar a rua e tomar café com o cerealista José Bonifácio e Silva, sócio da Frederico Platzeck & Co Ltda, multinacional que fabricava a Maizena, e sempre recebia apoio financeiro. A mulher do cerealista, Evangelina Rodrigues e Silva, conhecida por Nina Bonifácio, ouviu a história do hospital e se ofereceu como voluntária. Além de auxiliar nos curativos, Nina também ajudava no preparo de sopas para os pacientes internados no local.

Nina, já falecida, foi uma das pessoas entrevistada por Jolinda Alves para a sua pesquisa. Ela descreveu à professora que Martins improvisava quando havia aumento de pacientes. “Ele colocava colchão no chão, mas não deixava de atender”, destaca. Tanto que no momento em que o Hospitalzinho dos Indigentes foi desativado, todos os pacientes foram transferidos para a Santa Casa, recém-inaugurada com uma ala para indigentes, e naquele momento foram contabilizadas 27 pessoas, quase o dobro da capacidade do antigo imóvel de Alexandre Rasgulaeff.

AMANHECEU MORTO

Gabriel Martins prestou atendimentos no hospital, em parceria com outros médicos, até às vésperas de sua morte, 23 de abril de 1943. Morreu solteiro e ficou conhecido por aqui como o médico dos pobres.

No livro “Serviços médicos em Londrina (1933 a 1971): Responsabilidade e compromisso”, Herman Iark Oberdiek coloca que Martins recebeu um ofício de São Paulo, indagando o paradeiro de pessoa portadora de "lepra nervosa", que não deixa sinais visíveis. “A pessoa foragida de sanatório era conhecida de Gabriel Martins, e ele buscou colegas para conversar sobre o assunto.


Dr. Gabriel Martins enviou um ofício confirmando a localização da pessoa procurada, convidou os amigos para um jantar em casa, serviu vinhos, conversou com todos, despediu-se muito de cada um. No dia seguinte, 23 de abril de 1943, amanheceu morto na cama. O atestado de óbito, por consenso dos amigos médicos, indicou morte súbita por parada cardíaca.”

O pioneiro Omeletino Benatto conta que lembra do médico. "Era um sujeito alto, magro, mas forte. Gostava de cavalgar e sempre usava chapéu e roupas na cor cáqui. Na época eu trabalhava coletando bolinhas de tênis na quadra que ficava onde é a atual biblioteca pública e o círculo de amizades dele era o dos frequentadores da quadra”, destacou.