Referência no atendimento e acolhida de pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo os migrantes, a Cáritas Arquidiocesana de Londrina registrou um aumento na procura de famílias de outros países. Diferentemente da busca por informações sobre documentação, as pessoas agora estão pedindo apoio na subsistência. Antes da pandemia do coronavírus, a média era de 70 famílias atendidas por mês com cestas básicas. Em maio este número subiu para 93.

“Entre os vários serviços que oferecemos, distribuímos cestas básicas de uma maneira emergencial por três meses para aqueles que realmente têm necessidade. Só que esta busca cresceu muito nestas últimas semanas. São famílias que trabalhavam informalmente, mas tinham recursos, entretanto, passaram para salário zero com os problemas gerados pela Covid-19", explicou Deusa Favero, gerente geral da Cáritas em Londrina. Nesta quinta-feira (25) é celebrado o Dia do Imigrante.

A entidade realiza um levantamento e a projeção é de que a quantidade de atendidos se expanda ainda mais nos próximos meses. São acompanhados migrantes que vivem em cidades da região metropolitana, como Ibiporã e Cambé. “Das 93 famílias atendidas em maio com alimentação, 38 ainda receberam colchões, travesseiros, cobertores e camas. Para cinco gestantes conseguimos kits básicos com enxoval”, destacou.

BENEFÍCIOS GOVERNAMENTAIS

Segundo Favero, Londrina concentra uma grande quantidade de haitianos, bengaleses e venezuelanos. “Mesmo com fronteiras internacionais fechadas, começamos a receber outras demandas, com fluxo que não é apenas de documentação, mas necessidade básica de sobrevivência e saúde. É o provedor que perdeu o emprego nesta crise econômica, mulheres que faziam diárias e agora não têm mais, autônomos. São pessoas que não estavam no padrão de receber benefícios governamentais”, frisou.

Estas famílias, que antes tinham estabilidade mínima, estão sendo encaminhadas para inscrição em benefícios do poder público, como o auxílio emergencial e o cartão Comida Boa. Os Cras (Centros de Referência da Assistência Social) também tem acolhido estas demandas. “É dever do Estado, no entanto, ele não dá conta e pede a parceria da sociedade civil e estamos atuando”, apontou. “Sendo daqui ou de fora, são pessoas com direitos, assim como as outras”, acrescentou.

'MOMENTO DE APREENSÃO'

A crise política que a Venezuela atravessa gerou impactos econômicos e afetou direitos individuais de seus cidadãos, já que o país carrega um viés de regime ditatorial. Para encontrar novas oportunidades para a família, o venezuelano Avelino Bracho decidiu vir para o Brasil em novembro de 2019 com esposa e os quatro filhos, de 2, 9, 13 e 15 anos.

O venezuelano Avelino Bracho e a família moram na zona oeste de Londrina: ajuda em boa hora
O venezuelano Avelino Bracho e a família moram na zona oeste de Londrina: ajuda em boa hora | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Ele entrou legalmente pela fronteira com Pacaraima, em Roraima, passando por refúgios em Boa Vista e Manaus e, após 15 dias, chegou a Londrina. O processo foi facilitado por um programa de acolhida para venezuelanos com dificuldades, oferecido por uma igreja. “Procurei na internet um estado mais tranquilo, vi o Paraná e Londrina e gostei”, contou.

Na Venezuela ele era profissional de marketing e a mulher médica. Bracho viu as adversidades se agravarem na Venezuela quando teve seu empreendimento desapropriado pelo governo. “É uma crise econômica e humanitária. Tínhamos bom trabalho e só comíamos duas vezes ao dia, mas a maioria só consegue se alimentar uma. Ficou muito difícil e por isso viemos para o Brasil”, afirmou. No ano passado, o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) reconheceu a situação de grave e generalizada violação de direitos humanos na Venezuela.

Em Londrina, teve orientação de amigos venezuelanos para a procurar à Cáritas, que o auxiliou com alimentos e cadastro de currículo. Com a pandemia, a família voltou a contar com o apoio da entidade, que a cadastrou no programa Comida Boa e outros benefícios assistenciais. “Fiquei muito feliz. Recebi num momento que não teria nada para colocar na mesa. Eles me ligaram num período em que também estava com dificuldades emocionais, tive ajuda de psicólogo. Diante de todo esse apoio, quero ajudar como voluntário”, projetou.

O imigrante chegou a conseguir trabalho recentemente como suporte técnico em espanhol numa empresa multinacional, entretanto, por exigências de alguns documentos, acabou sendo dispensando. Posteriormente, conseguiu vaga em outro lugar, mas acabou desempregado por causa da crise financeira gerada pela pandemia do coronavírus.

MORADIA

Outra preocupação atualmente é a moradia. A igreja que colaborou com sua vinda para o Brasil pagou por três meses o aluguel do imóvel onde mora, na zona oeste. Sem dinheiro para quitar as pendências, corre o risco de ser despejado em julho. “É um momento de apreensão. Como pai tenho responsabilidade com a minha família”, refletiu.

Com conhecimento em culinária, está vendendo alguns pratos que prepara para ter um pouco de renda. Além disso, tem contado com o amparo de vizinhos, como é o caso da professora da filha mais velha. “Estou muito agradecido com as pessoas aqui. Na Venezuela estão ficando um pouco egoístas, porque não tem comida. A professora da minha filha tem mostrado muito amor e caridade”, emocionou-se.

ONDE ESTÁ TEU IRMÃO?

Neste ano, em razão das medidas de prevenção e combate à Covid-19, as atividades voltadas ao debate do Dia do Imigrante estão concentradas na internet. A 35º Semana do Migrante, promovida pelo Serviço Pastoral dos Migrantes, vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tem como proposta de tema “Migração e Acolhida”. Já o lema traz uma pergunta: “Onde está teu irmão, tua irmã?”

A Semana do Migrante ainda chama atenção para o aumento do fluxo migratório e das situações de refúgio nos últimos anos. “Pensar no outro com austeridade, espiritualidade encarnada. Quem é teu irmão e tua irmã? Eu cuido dele no coletivo?”, elencou a gerente da Cáritas Arquidiocesana, Deusa Favero.

Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais, divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública há dois anos, mostrou que entre 2010 a 2018 foram registrados no Brasil 774,2 mil migrantes, considerando todos os amparos legais.

NACIONALIDADES

Deste total, mais de 395 mil foram de longo termo – período de residência superior a um ano –, oriundos do hemisfério sul. As principais nacionalidades de migração e refúgio no País, em oito anos, foram haitianos, bolivianos, venezuelanos, colombianos e argentinos, respectivamente. A região Sul é a segunda com mais procura, somando 20,5%. Em primeiro está a Sudeste (55,1%).

NO PARANÁ

No Paraná, somente entre janeiro e maio do ano passado foram mais de 1,2 mil atendimentos de refugiados que queriam recomeçar a vida no Estado. A maioria dos migrantes que chegam em solo paranaense está na faixa etária de 30 a 59 anos, de acordo com dados do CEIM-PR (Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas), vinculado à secretaria estadual da Justiça, Família e Trabalho.

Em 2019, foram 272 milhões de migrantes em todo mundo, indicou relatório do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (Organização das Nações Unidas).

SERVIÇO - Quem quiser ajudar ou doar alimentos, produtos de higiene e limpeza pode entrar em contato com a Cáritas pelos telefones (43) 3337-7252 e (43) 99994-0720 (WhatsApp)