Érika Pelegrino
De Londrina
As notícias de casos de febre amarela no Brasil, inclusive com mortes, e da gripe provocada pelo vírus influenza, que já matou mais de uma centena no Hemisfério Norte, abrem um leque de discussões sobre as doenças que o homem vem enfrentando. Além das doenças provocadas por vírus e bactérias até recentemente desconhecidos, o homem continua às voltas com as chamadas doenças reemergentes, muitas delas comuns no início e meados do século, que passaram por um longo período de controle e agora voltam a acometer a população.
Entre estas doenças são citadas por médicos e biólogos a febre amarela, cólera, leichimaniose, dengue, hanseníase e outras que nunca ficaram totalmente sob controle, mas que agora apresentam um aumento de casos como a tuberculose.
A infectologista Dayse de Pauli, de Londrina, explica que cada doença voltou ao cenário brasileiro – algumas voltaram a causar preocupação mundial – devido a fatores específicos. Mas as causas invariavelmente esbarram em questões como saneamento básico e educação. A cólera, por exemplo, teoricamente, poderia ser erradicada, pois não há o vetor (mosquito transmissor) dependendo apenas de água limpa.
Esta doença entrou no Brasil pela Amazônia, na fronteira com o Peru, em 1961, vinda da Indonésia. Depois de mais de duas décadas sob controle há uns três anos a cólera voltou a ser uma ameaça. Dayse de Pauli lembra que ‘‘resolvendo o problema de saneamento básico, que é sério no Brasil, a doença estaria erradicada’’.
O primeiro registro de surto de febre amarela urbana (transmitida pelo mesmo mosquito da dengue – Aedes aegypti) no Brasil é de 1929, no Rio de Janeiro. Em Londrina, assim como no restante do País, a partir de 1954, com o controle do Aedes aegyptinão houve mais registros de casos.
Em 1976, de acordo com Dayse de Pauli, o mosquito reapareceu no Brasil trazendo a dengue e em 1997, ressurgiu a febre amarela urbana. A infectologista afirma que é difícil dizer as causas exatas do reaparecimento da doença, mas cita alguns fatores que contribuem para o País estar novamente alarmado com a febre amarela. A ausência de medidas de controle é um deles. Há ainda focos que vieram de fora epequenos focos não identificados (A Organização Mundial da Saúde preconiza que se tenha um índice do mosquito inferior a 1%), além de falta de saneamento básico, alta temperatura (febre amarela, dengue são doenças tropicais), lixo seletivo (principalmente vasilhames de plástico) que fica em lugares não apropriados, demora muito tempo para se decompor e acaba se transformando em criadouro do mosquito transmissor.
‘‘Este conjunto de fatores contribui para a reurbanização do vírus’’, afirma Dayse de Pauli. Ela lembra que a febre amarela silvestre – transmitida pelo mosquito Haemagogus – é endêmica e é própria de regiões próximas a florestas. Segundo ela, na América do Sul são registrados anualmente de 100 a 200 casos desta doença.
Desde o ano passado, de acordo com a médica, com o reaparecimento da doença o Ministério da Saúde começou a campanha de vacinação nas áreas de risco – Acre, Rondônia, Pará, Roraima, Tocantins, Amazonas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e certas regiões de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Em nível mundial, África e América do Sul foram os alvos da vacinação.
O controle do Aedes aegypti para erradicar a febre amarela urbana é primordial. ‘‘Agora,com o registro destes casos no País, o que se tem a fazer é vacinar a população’’, afirma a médica. Ela explica que a transmissão acontece de 24 a 48 horas antes do aparecimento dos sintomas e até 3 a 5 dias depois do aparecimento destes.
A febre amarela pode demorar de 3 a 6 dias para se manifestar. ‘‘Isto significa que a doença pode ser transmitida durante os primeiros 13 dias depois que a pessoa é infectada’’, afirma Dayse de Pauli. Mesmo uma pessoa infectada que não desenvolve a doença pode transmitir a febre amarela, se picada pelo Aedes aegypti, alerta a médica.
A vacina não deve ser tomada por crianças com menos de um ano (nas áreas endêmicas são vacinados bebês a partir dos seis meses), gestantes, pessoas em tratamento com medicamentos imunossupressores e corticóides, pessoas com alergia severa a ovo e aquelas que já tiveram reações ao tomar a vacina anteriormente.
A eficácia da vacina, segundo a médica, é de 100% e tem validade de 10 anos. Ela recomenda às pessoas que vão para áreas endêmicas que tomem a vacina de preferência com 10 dias de antecedência. Em Londrina, a meta da Secretaria Municipal de Saúde é vacinar 100% da população até o final de fevereiro.
Segundo o coordenador do Programa Saúde na Praça, Eder Pimenta, na última quarta-feira, apenas no posto do Calçadão foram vacinadas mais de 800 pessoas. ‘‘A meta inicial era vacinar 380 mil pessoas, mas neste ritmo vamos vacinar toda a população’’, afirma.
Malária no garimpo
Entre as doenças tropicais que parecem ser coisa do século passado, mas que ainda apresenta risco para um grande número de pessoas, está a malária.
Trata-se de uma doença endêmica típica de regiões de garimpo e florestas e é transmitida pelo mosquito Anopheles. Dayse de Pauli afirma que no Brasil o grande centro de risco da doença está na Amazônia, com 6 milhões de pessoas expostas. No restante do País, mais um milhão de pessoas correm o risco de contrair a doença. ‘‘99,5% dos casos da doença vêm da Amazônia’’, informa a médica.
A hepatite B também está na lista de doenças preocupantes. Não se trata de doença especificamente reemergente, mas sim de uma doença que só com o avanço tecnológico passou a ser diagnosticada adequadamente. Antes do método de diagnóstico sorológico, que identifica o vírus da hepatite, as suas complicações como câncer de fígado e cirrose hepática eram relacionadas apenas ao alcoolismo. ‘‘Hoje sabemos que está associada a um vírus’’, explica a médica.A um passo do século 21 – e do novo milênio – homem ainda luta contra febre amarela, cólera, dengue, tuberculose e outros males ‘‘medievais’’
César AugustoPara a infectologista Dayse de Pauli, saneamento básico e educação são decisivos