“No momento em que você está longe dos familiares, que eles não podem te visitar e em um momento tão vulnerável, receber uma alimentação adequada e de qualidade faz toda diferença. A alimentação pode ser um momento de prazer do paciente”, comenta Tatiana Lima, 39, supervisora da divisão de nutrição do HU (Hospital Universitário) de Londrina. Ela conta como lida com a rotina dentro do hospital de referência no tratamento de pacientes com Covid-19 na série da FOLHA sobre profissionais que estão atuando diretamente no combate à pandemia.

Imagem ilustrativa da imagem No HU de Londrina, a nutrição traz o afago ausente da família
| Foto: Arquivo Pessoal

Revisão do cardápio, relatório de pacientes, número de refeições, avaliação da quantidade de insumos, compra, estoque, produção. Quem vê o prato de comida chegar nas mãos do paciente não imagina o trabalho envolvido até o resultado. Com a pandemia, esse trabalho ganhou novo olhar. “Nós trabalhamos com alimentos, então, as boas práticas já contemplam cuidados com a higienização das mãos, isso já é uma rotina nossa. O que temos aqui é a responsabilidade sanitária, cuidado com o paciente, com os colegas de trabalho, familiar e sociedade em geral”, aponta. Novos costumes foram inseridos ou intensificados, como o uso de embalagem descartável e campanhas para que os funcionários tragam o próprio talher.

Porém, nesse momento é preciso treinar outras habilidades, como a capacidade de acolhimento. “Nós somos seres humanos, nós temos medo, tudo que é novo nos assusta, mas poder contribuir para a sociedade é um privilégio. Em alguns momentos, alguns se sentem mais fragilizados, então nós paramos, oramos, buscamos consolo, espiritualidade é tudo nesse momento. E ter aquele acolhimento. Não é só situação de ficar frágil e emotivo, alguns ficam abalados, ríspidos, a gente releva, reúne a equipe para que quando um caia o outro a levante”, afirma.

ALEGRIA E PESAR

Lima afirma que a equipe da nutrição faz parte de um grupo maior na luta por um objetivo em comum: a cura dos pacientes. Quando isso não ocorre, vem um sentimento. “A alegria que a gente sente na alta de um paciente vem com a mesma intensidade do pesar quando a gente sabe que alguém não resistiu”, afirma. Em se tratando de Covid-19, o sentimento é mais intenso.

“É uma doença muito solitária e um sofrimento para a família, que não pode estar ali junto em um momento em que o paciente está tão vulnerável. Ao mesmo tempo, fica toda a família internada, mesmo não estando ali presentes o coração e os pensamentos deles estão aqui”, menciona.

Período em que a nutricionista e equipe se coloca para trazer um pouco de conforto e reflete sobre a valorização da vida. “É muito triste ver um familiar que não vai poder velar, que não teve tempo de uma despedida, como todo mundo acredita que vai ter, porque com essa doença é tudo muito de repente, um susto. A gente vê muita tristeza”, conta. “A gente tem visto com essa pandemia o quão valoroso é viver o hoje, aproveitar, não é todo mundo que vai ter tempo de se despedir e ter tempo para perdoar e amar.”

ABRAÇO VIRTUAL

Tudo tão intenso e próximo, que a emoção vem forte. Desde o início da pandemia, Lima não abraça o filho, que tem problema respiratório. “Tem pessoas que a gente já não vê há muito tempo, pelo afastamento social. A gente manda abraço virtual, mas eu estou mandando abraço virtual até para quem está morando comigo e isso mexe muito com o emocional”, afirma.

Além disso, as notícias negativas sobre a doença, ver colegas de dentro e fora do hospital se afastando, seja por suspeita ou por confirmação da doença, afetam ainda mais a saúde mental. Mesmo afastada das notícias, as informações começaram a chegar diretamente daqueles que ela conhece, trazendo a sensação de impotência e fragilidade. “A gente vê que ninguém está livre de nada e não é mais uma coisa distante”, aponta.

Os efeitos desse ambiente chegaram. “Tive crise de ansiedade, com taquicardia, não conseguia respirar, usei o teleatendimento da psicologia e tem sido maravilho, eu indico”, acrescenta. A equipe vai se reduzindo, o trabalho aumentando, mas com uma vontade de continuar. “Todos os dias a gente sai de casa para encarar um dia difícil, um dia de guerra, porque tem sido assim como as pessoas no ambiente hospitalar tem encarado, porque estamos mais expostos, mas estamos mais fortes e nossa porção de coragem aumenta a cada dia.”