''O problema não é o que a vida ou os outros fizeram com você. O problema é o que você faz com aquilo que a vida e os outros fizeram com você'', diz o cartão de visitas do terapeuta Darcy Nichetti, 65 anos. O aforismo, do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, não está impresso ali à toa. Afinal, Nichetti não é um terapeuta comum.
Sua especialidade é a filosofia clínica, uma metodologia ainda pouco conhecida do grande público. Pudera: foi criada a menos de 15 anos pelo gaúcho Lúcio Packter, que rapidamente espalhou suas ideias pelo país. Para se ter uma ideia, estima-se que mais de 5 mil terapeutas do gênero atuem em praticamente todos os estados brasileiros.
A ''categoria'' recentemente se organizou numa associação nacional e algumas regiões já possuem seus próprios centros. Como o Instituto Paranaense de Filosofia Clínica (Ipafic), localizado numa casa do bairro do Portão, em Curitiba. O espaço oferece cursos de formação e promove eventos direcionados. Entre eles um happy hour que discute exclusivamente a questão do vazio existencial.
A filosofia clínica, como indica o nome, utiliza o conhecimento filosófico para ajudar as pessoas a lidar com seus problemas e angústias. Para começo de conversa, quem procura esse tipo de terapia não é chamado de paciente e, sim, de partilhante. A palavra ''cura'' também não é usada.
As sessões, semanais, duram uma hora e são gravadas em áudio. Os primeiros encontros servem basicamente para que o partilhante conte toda a sua história de vida. A partir desses relatos, o terapeuta entende como a pessoa se estrutura mentalmente e analisa sua visão de mundo.
Segundo Nichetti, o método de Packter, ao contrário da psicologia tradicional, não trabalha com interpretações. ''Adotamos a recíproca da inversão. Nos colocamos no lugar do outro e vamos imediatamente às causas do problema'', diz o filósofo, que cobra, em média, R$ 60 por sessão.
Entre seis e oito meses depois, mediante uma decisão conjunta entre as partes, o partilhante recebe alta. ''Não existe uma teoria pronta, aplicável a todos. Trabalhamos no plano da individualidade, levando o partilhante a encontrar suas próprias respostas'', explica Nichetti, que faz questão de usar um jaleco de médico durante as sessões.
Em seu consultório, no centro da cidade, ele conta à reportagem como se aproximou da doutrina de Packter, em 1998. Ex-seminarista e formado em administração de empresas, o futuro terapeuta queria mesmo era trabalhar com ''a problemática do homem''. Pensou em cursar psicologia, mas se sentiu desmotivado a começar uma nova graduação. Até que, por indicação de um amigo, conheceu a então recém-nascida metodologia.
Como tinha recebido uma formação filosófica no seminário, decidiu ingressar numa pós-graduação coordenada pela professora Nichele Paulo, uma das primeiras discípulas de Packter. Trata-se de um curso livre com duração de dois anos, mais um período de estágio. Segundo o terapeuta, qualquer um pode cursar a especialização, mas só os graduados em filosofia estão aptos a clinicar.
''O surgimento da filosofia clínica abriu um mercado de trabalho para os filósofos, até então limitados às carreiras de professor e pesquisador'', diz Nichele, 50 anos, diretora do Ipafic (que funciona na sua casa). Aluna da primeira turma de Lúcio Packter, ela saiu do Rio de Grande do Sul, onde morava, para disseminar a metodologia no Paraná. Hoje, cerca de 40 especialistas na área clinicam só em Curitiba.
Mas o campo de atuação dos filósofos clínicos não se limita apenas aos consultórios. Inclui, ainda, as consultorias corporativas e educacionais - ambas baseadas na rapidez e simplicidade do processo. ''O Lúcio sempre achou que o tempo também é um fato que angustia as pessoas'', diz Nichele, justificando o ''tiro curto'' dessa nova terapia.