Paróquia de Pacaraima oferece café da manhã para imigrantes venezuelanos diariamente
Paróquia de Pacaraima oferece café da manhã para imigrantes venezuelanos diariamente | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Barreira do idioma, desconhecimento da legislação, preconceito e falta de apoio dificultam o acesso aos direitos dos imigrantes e refugiados no Brasil. A situação se intensifica somada às circunstâncias atuais causadas pela pandemia, que além do risco à saúde e crise econômica, as fronteiras foram fechadas e alguns serviços de atendimento ao imigrante foram suspensos ou ficaram comprometidos com o modo remoto. Observando a dificuldade dessa população, estudantes e professora de uma faculdade do Paraná montaram cartilha em seis idiomas para orientar sobre os direitos, serviços disponíveis aos imigrantes e refugiados e como acionar atendimento diante do cenário atual.

Como acessar serviços bancários, emergenciais, assistenciais, de polícia federal e saúde, além de informações sobre restrições de entrada no Brasil durante pandemia e prevenção e combate à xenofobia estão contemplados na segunda edição da cartilha “Direitos dos Imigrantes e Refugiados em Tempos de Covid-19”, elaborada pelo Núcleo de Migrações, do Labri (Laboratório de Relações Internacionais), do Unicuritiba.

“A gente percebeu que muitos dos serviços para imigrantes mudaram seu funcionamento. O Brasil fechou fronteira, então, a Polícia Federal não estava atendendo presencialmente, assim como algumas ONGs (Organizações Não Governamentais). A ideia foi mapear como isso estava funcionando e fornecer essas informações em diversos idiomas”, explica Michele Hastreiter, supervisora do Núcleo de Migrações e professora de Direito Internacional Público e Privado do Unicuritiba. Além do português, a cartilha foi traduzida para o inglês, espanhol, francês, árabe e língua crioula haitiana.

Em 2020, mais de 26 mil pessoas tiveram a condição de refugiado reconhecida em 2020, o que representa 98% do total das decisões do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dados da entidade mostram que a grande maioria das decisões se refere à situação dos venezuelanos (96%), seguidos dos sírios (0,7%), cubanos (0,6%) e angolanos (0,4%).

Apesar do alto número de reconhecimento, durante a pandemia, muitas pessoas entraram no País de forma clandestina e ficaram sem registro, o que dificulta o processo de documentação e pedido de reconhecimento. “A gente questiona o ato de fechar fronteira terrestre de forma absoluta, porque é incompatível com o direito dos refugiados. A pessoa pode morrer, não deve ter obstáculo para que ela busque proteção em outros estados, porque o risco que ela tem naquele país é maior que o do vírus”, defende.

Sem documentos, não é possível conseguir trabalho formal ou matricular o filho na escola, por exemplo. Por isso, a cartilha aponta como conseguir ajuda de ongs e instituições que podem avaliar cada caso e auxiliar a família nesse processo, inclusive, com assistência social se for necessário. A cartilha também atualiza sobre a legislação no país. Devido à suspensão do atendimento da PF, em outubro de 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública prorrogou os prazos para a regularização migratória para até 16 de março de 2021, permitindo o uso de documentos vencidos durante esse período.

A cartilha também deixa claro que todos têm direito à saúde. “A nossa constituição assegura ao imigrante e refugiado os mesmos direitos civis, econômicos e sociais dos brasileiros. A única diferença é no direito político, eles não podem votar e serem votados. Portanto, regularizado, o imigrante pode matricular na creche, ter direito ao Bolsa Família, Auxílio Emergencial e tudo que o brasileiro pode fazer”, argumenta Hastreiter. “Por isso regularizar é importante para o exercício do direito. Mesmo assim, o imigrante em irregularidade administrativa não pode deixar de ser atendido no SUS, que é universal. Se ele tiver coronavírus, deve ser atendido”, acrescenta.

Essa é a segunda versão da cartilha, que foi atualizada para as condições atuais de legislação e auxílio conforme os decretos no País e foi inserida uma seção sobre xenofobia. “Tivemos muito registros de pessoas que foram buscar ajuda e foram agredidas, porque as pessoas, inclusive as responsáveis por garantir proteção, não sabiam que eles tinham direito”, afirma.

A professora explica que os imigrantes têm respaldo na mesma lei do racismo, que é voltada para preconceito de raça e de origem nacional. “As pessoas iam denunciar que alguém não quis alugar a casa, porque era de determinado país, e a delegacia dizer que isso não é crime. Por isso, tivemos a ideia de acrescentar essas informações, inclusive de buscar o assessoramento do Ministério Público até antes da denúncia na polícia.”

Indígenas venezuelanos, da etnia Warao, são acolhidos no abrigo Janokoida, em Pacaraima
Indígenas venezuelanos, da etnia Warao, são acolhidos no abrigo Janokoida, em Pacaraima | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

SERVIÇO
A cartilha traz informações para todo imigrante em território nacional, bem como informações locais da cidade de Curitiba. A cartilha pode ser acessada por meio do link: https://internacionalizese.blogspot.com/2020/12/acontece-no-unicuritiba-laboratorio-de.html

Crise aumenta procura por ajuda em Londrina

Em 2019, 783 imigrantes procuraram ajuda da Cáritas de Londrina para providenciar a primeira ou renovar a documentação. Em 2020, o número ultrapassou os 1.200 atendimentos, conforme as estimativas da entidade, que, entre outros trabalhos, tem ações voltadas ao apoio de migrantes.

“Aumentou a procura na pandemia, não só quanto à documentação, mas auxílio alimentação, doação de roupas, móveis, entre outros. Nós tivemos articulação com a Cáritas Regional do Paraná e Acnur (Agência da ONU para Refugiados) para doar cestas básicas e kits de higiene”, comenta Taís Gaio Paton, auxiliar administrativa no setor de imigração e refúgio da Cáritas Londrina.

A auxiliar conta que a entidade suspendeu os atendimentos presenciais, mas que manteve o contato com os imigrantes para continuar no trabalho remoto. O setor que ela atua, a parte de documentação, foi uma das áreas mais impactadas, pois o setor de migração da Polícia ficou com o serviço limitado em razão do risco de contaminação. Assim, os processos ficaram parados. “Então, dificultou para que a empresa fizesse a contratação de um imigrante, gestantes podem ficar sem registar os filhos, entre outras questões”, afirma.

A PF fala que não suspendeu completamente os atendimentos, mas suspendeu a contagem dos prazos migratórios e restringiu o atendimento presencial aos casos inadiáveis, de extrema necessidade, no dia 16 de março. No dia 1º de julho, as unidades foram orientadas a ampliarem o atendimento, mas mantendo as medidas de segurança. Em novembro, os prazos para visitantes foram retomados, prorrogando-se o prazo de regularização dos imigrantes, sem multa, até o dia 16 de março de 2021. O serviço atualmente só é feito mediante agendamento, e cada unidade faz a gestão semanal do agendamento, de acordo com as circunstâncias locais, considerando a quantidade de servidores e colaboradores aptos a trabalhar com o público.

Além da regularização, por conta da crise instalada em consequência da pandemia, os imigrantes têm encontrado uma realidade diferente do que imaginavam. “Alguns venezuelanos falaram que estava difícil para eles e que pretendiam voltar. Aqui, a gente consegue ajudar fazendo currículo para encaminhar para as empresas, mas quem não está regular não consegue emprego, muitos estão trabalhando na informalidade”, afirma Paton.

Além de orientar e assessorar na questão da regularização, a Cáritas ajuda com alimentação, ministra aulas de português para estrangeiros, organiza cursos profissionalizantes e promove atendimento psicológico de forma gratuita. A entidade é um organismo ligado à igreja Católica e integra a rede Cáritas Brasileira e Cáritas Internacional, uma confederação de 162 organizações humanitárias atuantes em mais de 200 países.

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