Na pandemia, cartilha divulga direitos dos imigrantes e refugiados no Brasil
Documento publicado em seis idiomas visa apoiar população estrangeira asilada no País em meio à crise do novo coronavírus
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 03 de fevereiro de 2021
Documento publicado em seis idiomas visa apoiar população estrangeira asilada no País em meio à crise do novo coronavírus
Laís Taine - Grupo Folha

Barreira do idioma, desconhecimento da legislação, preconceito e falta de apoio dificultam o acesso aos direitos dos imigrantes e refugiados no Brasil. A situação se intensifica somada às circunstâncias atuais causadas pela pandemia, que além do risco à saúde e crise econômica, as fronteiras foram fechadas e alguns serviços de atendimento ao imigrante foram suspensos ou ficaram comprometidos com o modo remoto. Observando a dificuldade dessa população, estudantes e professora de uma faculdade do Paraná montaram cartilha em seis idiomas para orientar sobre os direitos, serviços disponíveis aos imigrantes e refugiados e como acionar atendimento diante do cenário atual.
Como acessar serviços bancários, emergenciais, assistenciais, de polícia federal e saúde, além de informações sobre restrições de entrada no Brasil durante pandemia e prevenção e combate à xenofobia estão contemplados na segunda edição da cartilha “Direitos dos Imigrantes e Refugiados em Tempos de Covid-19”, elaborada pelo Núcleo de Migrações, do Labri (Laboratório de Relações Internacionais), do Unicuritiba.
“A gente percebeu que muitos dos serviços para imigrantes mudaram seu funcionamento. O Brasil fechou fronteira, então, a Polícia Federal não estava atendendo presencialmente, assim como algumas ONGs (Organizações Não Governamentais). A ideia foi mapear como isso estava funcionando e fornecer essas informações em diversos idiomas”, explica Michele Hastreiter, supervisora do Núcleo de Migrações e professora de Direito Internacional Público e Privado do Unicuritiba. Além do português, a cartilha foi traduzida para o inglês, espanhol, francês, árabe e língua crioula haitiana.
Em 2020, mais de 26 mil pessoas tiveram a condição de refugiado reconhecida em 2020, o que representa 98% do total das decisões do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os dados da entidade mostram que a grande maioria das decisões se refere à situação dos venezuelanos (96%), seguidos dos sírios (0,7%), cubanos (0,6%) e angolanos (0,4%).
Apesar do alto número de reconhecimento, durante a pandemia, muitas pessoas entraram no País de forma clandestina e ficaram sem registro, o que dificulta o processo de documentação e pedido de reconhecimento. “A gente questiona o ato de fechar fronteira terrestre de forma absoluta, porque é incompatível com o direito dos refugiados. A pessoa pode morrer, não deve ter obstáculo para que ela busque proteção em outros estados, porque o risco que ela tem naquele país é maior que o do vírus”, defende.
Sem documentos, não é possível conseguir trabalho formal ou matricular o filho na escola, por exemplo. Por isso, a cartilha aponta como conseguir ajuda de ongs e instituições que podem avaliar cada caso e auxiliar a família nesse processo, inclusive, com assistência social se for necessário. A cartilha também atualiza sobre a legislação no país. Devido à suspensão do atendimento da PF, em outubro de 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública prorrogou os prazos para a regularização migratória para até 16 de março de 2021, permitindo o uso de documentos vencidos durante esse período.
A cartilha também deixa claro que todos têm direito à saúde. “A nossa constituição assegura ao imigrante e refugiado os mesmos direitos civis, econômicos e sociais dos brasileiros. A única diferença é no direito político, eles não podem votar e serem votados. Portanto, regularizado, o imigrante pode matricular na creche, ter direito ao Bolsa Família, Auxílio Emergencial e tudo que o brasileiro pode fazer”, argumenta Hastreiter. “Por isso regularizar é importante para o exercício do direito. Mesmo assim, o imigrante em irregularidade administrativa não pode deixar de ser atendido no SUS, que é universal. Se ele tiver coronavírus, deve ser atendido”, acrescenta.
Essa é a segunda versão da cartilha, que foi atualizada para as condições atuais de legislação e auxílio conforme os decretos no País e foi inserida uma seção sobre xenofobia. “Tivemos muito registros de pessoas que foram buscar ajuda e foram agredidas, porque as pessoas, inclusive as responsáveis por garantir proteção, não sabiam que eles tinham direito”, afirma.
A professora explica que os imigrantes têm respaldo na mesma lei do racismo, que é voltada para preconceito de raça e de origem nacional. “As pessoas iam denunciar que alguém não quis alugar a casa, porque era de determinado país, e a delegacia dizer que isso não é crime. Por isso, tivemos a ideia de acrescentar essas informações, inclusive de buscar o assessoramento do Ministério Público até antes da denúncia na polícia.”

SERVIÇO
A cartilha traz informações para todo imigrante em território nacional, bem como informações locais da cidade de Curitiba. A cartilha pode ser acessada por meio do link: https://internacionalizese.blogspot.com/2020/12/acontece-no-unicuritiba-laboratorio-de.html
Crise aumenta procura por ajuda em Londrina
Em 2019, 783 imigrantes procuraram ajuda da Cáritas de Londrina para providenciar a primeira ou renovar a documentação. Em 2020, o número ultrapassou os 1.200 atendimentos, conforme as estimativas da entidade, que, entre outros trabalhos, tem ações voltadas ao apoio de migrantes.
“Aumentou a procura na pandemia, não só quanto à documentação, mas auxílio alimentação, doação de roupas, móveis, entre outros. Nós tivemos articulação com a Cáritas Regional do Paraná e Acnur (Agência da ONU para Refugiados) para doar cestas básicas e kits de higiene”, comenta Taís Gaio Paton, auxiliar administrativa no setor de imigração e refúgio da Cáritas Londrina.
A auxiliar conta que a entidade suspendeu os atendimentos presenciais, mas que manteve o contato com os imigrantes para continuar no trabalho remoto. O setor que ela atua, a parte de documentação, foi uma das áreas mais impactadas, pois o setor de migração da Polícia ficou com o serviço limitado em razão do risco de contaminação. Assim, os processos ficaram parados. “Então, dificultou para que a empresa fizesse a contratação de um imigrante, gestantes podem ficar sem registar os filhos, entre outras questões”, afirma.
A PF fala que não suspendeu completamente os atendimentos, mas suspendeu a contagem dos prazos migratórios e restringiu o atendimento presencial aos casos inadiáveis, de extrema necessidade, no dia 16 de março. No dia 1º de julho, as unidades foram orientadas a ampliarem o atendimento, mas mantendo as medidas de segurança. Em novembro, os prazos para visitantes foram retomados, prorrogando-se o prazo de regularização dos imigrantes, sem multa, até o dia 16 de março de 2021. O serviço atualmente só é feito mediante agendamento, e cada unidade faz a gestão semanal do agendamento, de acordo com as circunstâncias locais, considerando a quantidade de servidores e colaboradores aptos a trabalhar com o público.
Além da regularização, por conta da crise instalada em consequência da pandemia, os imigrantes têm encontrado uma realidade diferente do que imaginavam. “Alguns venezuelanos falaram que estava difícil para eles e que pretendiam voltar. Aqui, a gente consegue ajudar fazendo currículo para encaminhar para as empresas, mas quem não está regular não consegue emprego, muitos estão trabalhando na informalidade”, afirma Paton.
Além de orientar e assessorar na questão da regularização, a Cáritas ajuda com alimentação, ministra aulas de português para estrangeiros, organiza cursos profissionalizantes e promove atendimento psicológico de forma gratuita. A entidade é um organismo ligado à igreja Católica e integra a rede Cáritas Brasileira e Cáritas Internacional, uma confederação de 162 organizações humanitárias atuantes em mais de 200 países.

