Entrega de fraldas geriátricas no Centro de Ciências Agrárias.
Entrega de fraldas geriátricas no Centro de Ciências Agrárias. | Foto: Divulgação/UEL

A UEL (Universidade Estadual de Londrina) proíbe a prática de trotes na universidade por meio da resolução 177/2008. Doze anos depois de sua publicação, ainda há casos de ingressantes na universidade que passam por algum tipo de agressão, seja ela moral ou física, o que demonstra que o processo de mudança de cultura é difícil. Embora não haja números oficiais e nem estatística, a Prograd (Pró-Reitoria de Graduação) admitiu que já houve casos registrados de denúncias este ano. A instituição quer sair dessa cultura violenta e para isso tem trabalhado com os alunos para enaltecer ações não agressivas e edificantes de recepção aos novos estudantes universitários.

O pesquisador Antônio Álvaro Soares Zuin, autor do livro “Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação”, afirma que a palavra trote deriva do fato do cavalo não nascer sabendo trotar, ele é domesticado para isso. O professor explica em seu livro que a palavra foi cunhada para se referir ao ritual de entrada na vida universitária, comparando um novato a um animal, que tem que se adaptar à nova vida. Zuin relata em sua obra que o primeiro caso registrado de trote universitário no Brasil acabou em morte, em 29 de março de 1831. Francisco da Cunha e Menezes havia acabado de ingressar na Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, e resistiu à brincadeira violenta imposta pelo veterano, Joaquim Serapião de Carvalho. A briga evoluiu para um confronto em que houve facadas e bengaladas, e Menezes acabou morto.

Quase 189 anos depois, em 2020, já não há razão para manter a expressão “trote”, mesmo que seja solidário, para designar a recepção dos novatos no ensino superior. Na UEL, a expressão foi substituída por “recepção aos ingressantes”. A pró-reitora da Prograd, Marta Regina Gimenez Favaro, ressalta que essa recepção se tornou institucional. “Não está à mercê do gosto ou desgosto de um estudante ou de determinado curso. Ela é promovida pela instituição com a colaboração dos estudantes, que são os principais atores. São eles que realizam as ações com acompanhamento da coordenação do colegiado”, destaca.

Favaro explica que é uma tentativa de mudança de cultura. “Nós entendemos que a chegada à universidade é um momento especial para a vida de nossos estudantes que estão começando o curso de graduação. A recepção precisa ser amigável e deve possibilitar que os novos alunos compreendam o que é o início de vida acadêmica, mas de uma forma respeitosa”, destaca.

Ela explica que há muitos anos vem sendo feito um movimento junto aos colegiados nesse sentido. “A resposta tem sido extremamente positiva, porque os nossos estudantes são bastante criativos e propõem atividades extremamente diferenciadas e que estão em acordo com as necessidades da sociedade, tanto no que diz respeito ao acolhimento interno como no que diz respeito às atividades lúdicas, de formação, recreativas, de assistência, de conscientização e de prestação de serviços à comunidade”, aponta.

Para potencializar ainda mais as iniciativas construtivas, desde 2014 a Prograd promove o Prêmio Boas Práticas, que reconhece as atividades realizadas junto aos ingressantes no sentido de incentivar as ações de valorização e de respeito desses estudantes por meio de atividades de solidariedade. Os estudantes e cursos serão agraciados com certificados de participação em cerimônia e terão publicadas suas ações no site do Programa de Recepção aos Ingressantes da Prograd.

Todos os colegiados têm até o dia 7 de fevereiro para encaminhar à Prograd a programação de recepção dos novatos, que acontecerá de 2 a 6 de março, que é a primeira semana de aula. Essa programação vai ser disponibilizada no site da pró-reitoria de graduação. “Todos os estudantes e os ingressantes poderão acessar a página e observar quais as atividades que serão proporcionadas pelos veteranos. Com isso é possível já ter de antemão aquilo que vai acontecer. A nossa preocupação é que toda atividade seja de valorização e de respeito, de solidariedade”, destaca a pró-reitora.

Aos que insistirem no ritual violento de recepção aos novos estudantes, Favaro orienta às vítimas de agressão, sejam elas físicas ou morais, que realizem a denúncia. “Têm aspectos que acontecem fora do espaço da universidade e que não há possibilidade de intervenção direta, mas nós podemos fazer um acompanhamento e tomar medidas internas mediante a denúncia. Pedimos que todos os estudantes que passarem por situação de constrangimento, seja físico ou moral, ou seja, qualquer situação em que seja violentado, que ele denuncie”, aponta.

Universidade tem canais para receber denúncias

Entre os canais de denúncia contra os veteranos abusivos, Marta Favaro orienta a eventual vítima a acionar a Ouvidoria (www.uel.br/ouvidoria) ou pelo email da Prograd ([email protected]). As denúncias também podem ser realizadas pelos telefone 3371-4353 ou 3371-4363, o chamado Disque Trote. Na página da Prograd (http://www.uel.br/prograd/?content=trote/denuncie.html) também há uma relação dos telefones dos centros da instituição, que também acolhem as denúncias. “Estabelecemos comissões com nomes de professores ou funcionários que serão nossos pontos de referência nesses centros de estudo, que são mais próximos dos estudantes. Você pode formalizar uma denúncia pelo nosso protocolo também.” Fora da instituição, a orientação é fazer o registro formal da queixa. Se for machucado, o estudante deve registrar o boletim de ocorrência e ele pode ser anexado no processo interno. “Os estudantes precisam entender que existem canais de denúncia e eles precisam ser utilizados. Isso é formativo para quem realiza a denúncia e para aquele que for penalizado pela ocorrência na denúncia”, destaca Favaro.

A diretora de Assuntos Acadêmicos da Prograd, Maria Elisa Cestari, ressalta que o grande ganho com as denúncias é que isso possibilitou a realização de ações formativas de condutas. “Ano passado teve punição a estudantes e se concretizou de forma como um grande evento. Foi trazida uma pessoa de fora para falar sobre solidariedade, como ajudar o outro, como respeitar o próximo. Colocamos todos os alunos dentro de um anfiteatro e as pessoas punidas puderam refletir sobre a prática deles. Colocamos a possibilidade de refletir e de trabalhar esses problemas. Quando não se tinha a denúncia e tudo era normalizado pela cultura do trote, nada se fazia. Só se aceitava”, destaca.

Fazendo o bem

Na semana de recepção aos ingressantes os alunos recebem orientações.
Na semana de recepção aos ingressantes os alunos recebem orientações. | Foto: Divulgação/UEL

No ano passado, alunos, veteranos e professores dos cursos de Agronomia, Zootecnia e Medicina Veterinária, do Centro de Ciências Agrárias (CCA), se uniram em uma gincana e por meio dela arrecadaram cinco mil fraldas infantis e geriátricas. As doações foram destinadas a quatro instituições de Londrina - Lar Anália Franco, que atende crianças em situação de vulnerabilidade, e Nuselon (Núcleo Social Evangélico de Londrina), que recebe crianças e adolescentes. Já as fraldas geriátricas foram repassadas aos asilos São Vicente de Paulo e Lar das Vovozinhas, voltados para o amparo a idosos.

A professora e coordenadora do curso de graduação em Agronomia, Inês Cristina de Batista Fonseca, fez parte dessa iniciativa em 2019 e novamente está na comissão que organiza a semana de recepção dos novos alunos deste ano. Ela aponta que a recepção não fica restrita à arrecadação e doação de fraldas. “Realizamos palestra sobre a importância de respeitar o próximo, faremos café da manhã para receber os calouros, os alunos veteranos contam como é o curso, os que realizam intercâmbio no exterior relatam suas experiências lá fora. Também está prevista a visita à Fazenda Escola e à Associação dos Engenheiros Agrônomos e a realização de um churrasco. A gente faz muita coisa bacana”, destaca. Ela ressalta que a comissão relata sobre o funcionamento do Sebec (Divisão de Serviço Social do Serviço de Bem-Estar à Comunidade) e para os estudantes que ingressam na faculdade e não têm como se manter, é feita uma explicação sobre como podem conseguir uma bolsa de inclusão social. A recepção dos três cursos deve reunir 200 alunos no anfiteatro do CCA.

O aluno do quarto ano do curso de Agronomia, Mauro Tsuyoshi Okimura Junior, é o representante do colegiado que está na organização da recepção deste ano. Ele relembra que não passou por experiência semelhante a essa que ele vai proporcionar aos novatos porque quando entrou na faculdade, só passou a frequentar a UEL na segunda semana de aula. “Fez falta, porque as pessoas que entraram na primeira semana já tinham estabelecido uma amizade e eu ficava perdido para saber onde as coisas ficavam. A sorte é que eu tinha um primo que era meu veterano e eu ligava direto para ele para saber onde ficava tudo. Por eu ser de Londrina, não fiquei tão isolado, porque conhecia algumas pessoas”, destaca. Ele ressalta que essa semana de recepção aos ingressantes ajuda na adaptação do aluno, principalmente para quem é de fora de Londrina. “Conversamos bastante com o pessoal de fora. Muitas vezes eles vêm para cá sem estrutura, sem base pronta. A gente os auxilia nas matérias, relata como é o comportamento dos professores.(V.O.)