Médico do HU de Londrina relata trabalho contra Covid-19
Hospital de referência no combate ao novo coronavírus tem diversos servidores que estão lidando com a doença diariamente. Eles contam sobre a rotina, a importância do trabalho diante de pandemia e como fica a vida fora do trabalho
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quinta-feira, 23 de abril de 2020
Hospital de referência no combate ao novo coronavírus tem diversos servidores que estão lidando com a doença diariamente. Eles contam sobre a rotina, a importância do trabalho diante de pandemia e como fica a vida fora do trabalho
Laís Taine - Grupo Folha
No mínimo 12 horas de trabalho, emendar mais 12 e trabalhar o segundo dia sem dormir. Rotina agitada, ver colegas se afastando pela doença, lidar com as próprias emoções, estudar nos intervalos, receber aplausos por vitórias, entristecer-se com as derrotas. A FOLHA ouviu relatos de diversos profissionais de saúde que atuam no combate à Covid-19 em Londrina. Nesta edição, o médico infectologista Walton Luiz Del Tedesco Júnior, 31, conta como é lidar tão próximo com a doença que amedronta, desgasta, mata e faz repensar atitudes da população do mundo todo.
São seis horas na Santa Casa de Londrina, mais seis no departamento de moléstias infecciosas, no HU (Hospital Universitário) de Londrina, além dos “plantões noturnos, quando precisa. A rotina é, no mínimo, 12 horas por dia e geralmente vai muito mais que isso. Não tem sábado, domingo e feriado”, comenta.
Com a situação de emergência causada pela pandemia do novo coronavírus, o trabalho se intensificou e não há perspectiva para que o volume diminua nesse momento. Com plantões de 24 e até 36 horas seguidas, a atualização sobre o que há de novo na ciência sobre a doença fica nos intervalos. Desgastante, mas a esperança aparece nas pequenas frases. “Quando acabar tudo isso, o que mais vou querer são férias, ficar um mês na praia”, brinca.
CASO MAIS IMPACTANTE
Del Tedesco Júnior ainda era estudante no surto do H1N1. Agora, como profissional, passa por situação ainda mais frágil e que impacta. Os dois primeiros casos positivos que ele atendeu no HU marcaram a memória. Um senhor e a filha que voltaram de uma viagem dos EUA, os dois chegaram a ir para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva); ela teve alta da unidade sob aplausos da equipe profissional, mas em menos de 48 horas depois, o pai não resistiu e faleceu.
“Isso foi bem triste, não só para mim, mas todo mundo da UTI e os outros infectologistas. Todo mundo ficou muito feliz com a evolução dela, uma pessoa nova, nós tínhamos contato com o marido e a filha, quando ela teve alta da UTI, foi uma notícia excelente! Depois veio a notícia do óbito do pai dela e isso desabou”, relata. “Para mim foi o caso mais impactante, talvez por serem os primeiros casos, por ter ocorrido entre familiares e o primeiro óbito comigo. É difícil de lidar.”
Já os próprios familiares estão distantes. O médico conta que o pai é idoso e tem fatores de risco. “Vai fazer dois meses que eu não os vejo (familiares) e só vou voltar a vê-los quando isso melhorar, porque sou potencial portador”, afirma.
PRESSÃO EMOCIONAL
Com colegas afastados, inclusive, confirmados, acredita que a tendência é adquirir a doença. “É uma pressão emocional, medo a gente tem, mas eu fiz medicina e acho que em todos os profissionais de saúde, apesar do medo, a vontade de ajudar supera. Não vi alguém desistindo ou deixando de assistir o paciente, a gente se cuida o máximo possível”, defende.
Um cuidado excessivo, seguindo todas as diretrizes e parâmetros colocados pelas autoridades de saúde e pelo próprio hospital, o que leva o médico a lamentar que parte da população não considere a gravidade da situação. “Dependemos da ajuda da população, enquanto a gente está com medo, sofrendo... Segunda-feira (20) abriu o comércio e foi um absurdo, todo mundo achou que tinha acabado a pandemia. Está longe de acabar, a população tem que entender que ainda estamos em um período crítico”, argumenta.
'NÃO ACABOU O ISOLAMENTO'
Para ele, esse momento é único e mostra como o mundo é frágil. “Guerras, dinheiro, petróleo, outras coisas parecem tão pequenos perto de uma pandemia. Países ricos e pobres sofrem do mesmo jeito e a vida de todo o mundo gira em torno desse vírus”, aponta.
Diante de tantas transformações que o mundo está vivendo, do trabalho intenso, dos sacrifícios, das perdas, faz um pedido: “Por favor, não acabou o isolamento, vai piorar (...) Ninguém está falando de fechar tudo (empresas) por meses e meses, a gente sabe do lado econômico, mas abrir o comércio e diminuir a restrição não significam que a doença acabou", alerta.