No mínimo 12 horas de trabalho, emendar mais 12 e trabalhar o segundo dia sem dormir. Rotina agitada, ver colegas se afastando pela doença, lidar com as próprias emoções, estudar nos intervalos, receber aplausos por vitórias, entristecer-se com as derrotas. A FOLHA ouviu relatos de diversos profissionais de saúde que atuam no combate à Covid-19 em Londrina. Nesta edição, o médico infectologista Walton Luiz Del Tedesco Júnior, 31, conta como é lidar tão próximo com a doença que amedronta, desgasta, mata e faz repensar atitudes da população do mundo todo.

Imagem ilustrativa da imagem Médico do HU de Londrina relata trabalho contra Covid-19

São seis horas na Santa Casa de Londrina, mais seis no departamento de moléstias infecciosas, no HU (Hospital Universitário) de Londrina, além dos “plantões noturnos, quando precisa. A rotina é, no mínimo, 12 horas por dia e geralmente vai muito mais que isso. Não tem sábado, domingo e feriado”, comenta.

Com a situação de emergência causada pela pandemia do novo coronavírus, o trabalho se intensificou e não há perspectiva para que o volume diminua nesse momento. Com plantões de 24 e até 36 horas seguidas, a atualização sobre o que há de novo na ciência sobre a doença fica nos intervalos. Desgastante, mas a esperança aparece nas pequenas frases. “Quando acabar tudo isso, o que mais vou querer são férias, ficar um mês na praia”, brinca.

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| Foto: Gustavo Carneiro

CASO MAIS IMPACTANTE

Del Tedesco Júnior ainda era estudante no surto do H1N1. Agora, como profissional, passa por situação ainda mais frágil e que impacta. Os dois primeiros casos positivos que ele atendeu no HU marcaram a memória. Um senhor e a filha que voltaram de uma viagem dos EUA, os dois chegaram a ir para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva); ela teve alta da unidade sob aplausos da equipe profissional, mas em menos de 48 horas depois, o pai não resistiu e faleceu.

“Isso foi bem triste, não só para mim, mas todo mundo da UTI e os outros infectologistas. Todo mundo ficou muito feliz com a evolução dela, uma pessoa nova, nós tínhamos contato com o marido e a filha, quando ela teve alta da UTI, foi uma notícia excelente! Depois veio a notícia do óbito do pai dela e isso desabou”, relata. “Para mim foi o caso mais impactante, talvez por serem os primeiros casos, por ter ocorrido entre familiares e o primeiro óbito comigo. É difícil de lidar.”

Já os próprios familiares estão distantes. O médico conta que o pai é idoso e tem fatores de risco. “Vai fazer dois meses que eu não os vejo (familiares) e só vou voltar a vê-los quando isso melhorar, porque sou potencial portador”, afirma.

PRESSÃO EMOCIONAL

Com colegas afastados, inclusive, confirmados, acredita que a tendência é adquirir a doença. “É uma pressão emocional, medo a gente tem, mas eu fiz medicina e acho que em todos os profissionais de saúde, apesar do medo, a vontade de ajudar supera. Não vi alguém desistindo ou deixando de assistir o paciente, a gente se cuida o máximo possível”, defende.

Um cuidado excessivo, seguindo todas as diretrizes e parâmetros colocados pelas autoridades de saúde e pelo próprio hospital, o que leva o médico a lamentar que parte da população não considere a gravidade da situação. “Dependemos da ajuda da população, enquanto a gente está com medo, sofrendo... Segunda-feira (20) abriu o comércio e foi um absurdo, todo mundo achou que tinha acabado a pandemia. Está longe de acabar, a população tem que entender que ainda estamos em um período crítico”, argumenta.

'NÃO ACABOU O ISOLAMENTO'

Para ele, esse momento é único e mostra como o mundo é frágil. “Guerras, dinheiro, petróleo, outras coisas parecem tão pequenos perto de uma pandemia. Países ricos e pobres sofrem do mesmo jeito e a vida de todo o mundo gira em torno desse vírus”, aponta.

Diante de tantas transformações que o mundo está vivendo, do trabalho intenso, dos sacrifícios, das perdas, faz um pedido: “Por favor, não acabou o isolamento, vai piorar (...) Ninguém está falando de fechar tudo (empresas) por meses e meses, a gente sabe do lado econômico, mas abrir o comércio e diminuir a restrição não significam que a doença acabou", alerta.