No Paraná mais de 600 médicos já foram diagnosticados com a Covid-19 e sete deles morreram. O médico nefrologista Eloir Biz, 57, que atua em Londrina, felizmente, não entrou para essa estatística. Ele, que está na profissão há 31 anos, permaneceu 60 dias internado e 17 deles na UTI, recebendo ventilação mecânica. Passou hemodiálise, teve problemas no fígado e no pâncreas, e o prognóstico dos médicos que o acompanhavam não era bom. "Foi a pior coisa pela qual passei na minha vida", disse o profissional que hoje se recupera em casa e pretende voltar a trabalhar ainda neste mês.

"O meu caso foi uma lição de vida e uma lição como ser humano", afirma o  nefrologista Eloir Biz
"O meu caso foi uma lição de vida e uma lição como ser humano", afirma o nefrologista Eloir Biz | Foto: Arquivo pessoal

"Não esperava pegar essa doença, pois eu tomava todos os cuidados. Eu já usava máscara e lavava as mãos habitualmente antes da pandemia", conta ele, lembrando que os sintomas começaram no dia 18 de maio. “Trabalho em uma clínica de hemodiálise. Também faço plantão no Pronto Atendimento da Unimed e realizo visitas na Santa Casa de Londrina, geralmente no fim de semana. Eu não sei onde peguei a doença."

Inicialmente os sintomas foram amenos. “Eu senti dores no corpo, um pouco de febre e dor de garganta. Fui no PA da Unimed, onde fizeram exames. Eu me lembro que era uma segunda-feira pela manhã. Assim que os resultados saíram deu 20% de comprometimento pulmonar e fui afastado das atividades”, destacou. Ele iniciou o tratamento primeiramente pelo atendimento domiciliar da Unimed, mas logo os sintomas começaram a se agravar e foi internado em um hospital, onde ficou 22 dias. "Não tomei cloroquina, mas recebi azitromicina, corticóide e heparina subcutânea, para evitar as tromboses às quais eu estava sujeito”, observou.

“Eu não lembro de nada. Só lembro do primeiro dia em que fui atendido. Em Londrina, eu recebi cateter nas duas femorais e na jugular. Então dei bastante trabalho para o pessoal", relata, dizendo que depois da alta conversou com dois colegas médicos. "Eles falaram que em todos os casos semelhantes ao meu os pacientes faleceram. Eu fui o único que chegou àquela condição que sobreviveu.”

TIPO RARO DE SANGUE

Biz possui um tipo de sangue raro, O com RH positivo, além de ter outros marcadores específicos no sangue. Na genotipagem dos alelos de grupos sanguíneos foi constatado que ele tinha os fenótipos C/ e/ Kell/ Jkª negativos e que se recebesse a transfusão de sangue com fenótipos positivos desses alelos poderia ocorrer hemólise (destruição) dos glóbulos vermelhos. “Minha esposa é médica hematologista e havia uma única bolsa disponível com essa tipagem sanguínea aqui em Londrina. Recebi essa transfusão, mas como não tinha mais sangue compatível com o meu aqui na cidade, ela sugeriu a remoção para outro lugar. Fui transferido já entubado
para São Paulo, no HCor. Lá recebi mais sete bolsas de sangue”, destacou, dizendo que ficou internado lá 37 dias.

“Minha família é de Meleiro (SC) e foi avisada pelos médicos de lá que o prognóstico era ruim. Meus pais ligavam para o hospital duas vezes por dia e recebiam a informação que o meu caso não ia evoluir bem. Eu recebia drogas para manter a pressão, mas eu apresentava problemas de coagulação. Tive de fazer hemodiálise e tive problemas no fígado e no pâncreas. Também tive choque séptico e fui submetido à hidrólise para manter a pressão. Foi a pior coisa pela qual passei na minha vida", afirmou.

Segundo ele, seu perfil sempre foi o de uma pessoa saudável. “A única comorbidade que tinha era o fato de ter sido operado para remover um câncer de próstata. Não sou obeso e até então não tomava remédio para coisa alguma”, destacou o médico.

REZAR E AGRADECER

Biz agradece as correntes de oração realizadas pelas pessoas dos locais de trabalho e por toda a sua família. “Minha família sempre foi religiosa e acredito que essas orações foram fundamentais. Retornei de São Paulo a Londrina no dia 22 de agosto e logo depois já fui a Meleiro para encontrar meus pais e toda a família. Fiquei 10 dias na casa de meu pai, que tem 84 anos e é muito emotivo. Ele só chorava. Minha mãe, que tem 82 anos, também era só emoção. Somos em oito irmãos e sou o mais velho. Mesmo morando em diferentes estados, todos conseguiram se reunir. Foi uma festa. Também foi um momento para rezar e agradecer”, descreveu.

“Me recuperei bem desde que saí do hospital. Na segunda-feira (31) foi meu último dia de fisioterapia respiratória. Agora tenho de fazer a fisioterapia motora. Estou praticamente normal. Estou em período de afastamento até o dia 17, mas com certeza estou ansioso para voltar a trabalhar”, destacou.

GRIPEZINHA

Depois de passar por tudo isso ele se diz chateado com as pessoas que minimizam a doença. “Não é uma gripezinha. O pessoal está relaxando, mesmo com todo esclarecimento e a mídia em cima, informando. Com o pessoal sem máscara, a doença pode aumentar de novo. O vírus vai continuar aí, não vai desaparecer. Mesmo que surja a vacina, não vai ter para todo mundo, mas será a única chance de cura. Até lá a população tem que realizar os cuidados básicos: usar máscaras, lavar as mãos e evitar aglomeração”, orientou.

O nefrologista já lidava como médico com as complicações de pacientes provocadas pela Covid-19. “Eu já tinha pegado alguns casos que chegaram à hemodiálise. Alguns se recuperaram e outros faleceram. O meu caso foi uma lição de vida e uma lição como ser humano. A gente está pronto para voltar à vida normal. A vida continua. Quando recebi alta foi uma alegria imensa. Recebi relatos que havia muita gente torcendo por mim e isso nos faz sentir querido em todos os sentidos”, enalteceu.