Enquanto nas famílias as mulheres mães forem as únicas responsáveis pelo funcionamento da casa e cuidados com os filhos, uma conta não há de fechar. O custo de toda essa carga tem um preço muito alto, que vem sendo pago com sofrimento. Cada vez mais essas mulheres estão exaustas e adoecendo. E mudar essa realidade é uma causa que deve ser abraçada por toda a sociedade.

Esse é o sentido da campanha Maio Furta-Cor, lançada em Curitiba em 2021, pela psicóloga clínica Nicole Cristino e Patrícia Piper, médica psiquiatra e psicoterapeuta com atuação na perinatalidade. A primeira edição foi realizada em ambiente virtual e neste ano ganha representações locais com atividades presenciais e online.

As psicólogas Ana Carolina Di Giorgi e Giovanna Alberci Xavier: acolher as mulheres
As psicólogas Ana Carolina Di Giorgi e Giovanna Alberci Xavier: acolher as mulheres | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Em Londrina, uma programação extensa entre os dias 3 e 29 de maio, em diferentes espaços, tem como objetivo “acolher as mulheres, para que entrem em contato com o tema e para que vejam que não estão sozinhas. Toda essa diversidade de temas que serão abordadas é para que a causa chegue não só às mulheres, mas a toda a sociedade. Todos precisam entender que essas mulheres estão adoecidas, que não estão dando de conta de tudo e que podemos mudar essa realidade”, diz a psicóloga em Londrina, Ana Carolina Di Giorgi.

Ela está à frente do núcleo da campanha local, ao lado de Giovanna Alberci Xavier, que também é psicóloga. Ambas atuam diretamente com mulheres e destacam que são crescentes os sintomas de alta ansiedade, estresse, depressão, entre outros, por uma série de fatores relacionadas à maternidade. A campanha destaca que o Brasil apresenta taxas que variam em até 30% de depressão no período pós-parto.

“Estamos vendo mulheres perdendo o emprego, vivendo sob cobrança excessiva e cada vez mais solitárias. Por mais que se tenha hoje uma discussão da paternidade mais participativa, ainda há um longo caminho para que exista uma divisão igualitária”, afirma Di Giorgi.

'MULHERES NÃO DESLIGAM'

Ela cita um estudo do King’s College London, publicada em 2018 pelo British Journal of Psychiatry, que aponta que uma a quatro mulheres mães das 545 respondentes, estavam com sintomas de sofrimento psíquico. “Quando a gente faz perguntas simples como, por exemplo, o nome da professora do filho, se tal roupa serve de uma estação pra outra, ou mesmo, quando as unhas dos filhos foram cortadas pela última vez, a maioria dos homens não sabe responder. Dessa forma, as mulheres não desligam porque o tempo todo vivem nessa loucura de tentar ‘prever’ o que pode acontecer e o que deve ser feito. E não vemos essa mesma cobrança para os pais”, comenta Di Giorgi.

CABEM TODAS AS CORES

Maio foi escolhido por ser o mês de celebrar o Dia das Mães no Brasil. É um momento oportuno, segundo as psicólogas, para fomentar discussões em torno da causa materna e dos aspectos envolvidos nos crescentes índices de depressão, ansiedade, esgotamento e suicídio. Já o Furta-cor, que marca a campanha, é pela tonalidade que se altera de acordo com a luz que recebe, não havendo uma cor absoluta para aquele que lança o olhar.

“No espectro da maternidade não é diferente, nele cabem todas as cores. A saúde mental materna importa e a mulher não tem encontrado espaço para ser diferente disso. Estamos falando de encontrar prazer na maternidade e para além dela. A maternidade é um papel muito importante, mas é mais um dentre aqueles que as mulheres exercem, como o profissional, a de amiga, esposa, irmã, filha”, ressalta Di Giorgi.

Poder falar disso, de acordo com ela, “é poder dizer para as mulheres que elas podem ter os seus momentos, sozinhas ou um happy hour com as amigas, por exemplo. E que quando surgir a culpa, questionar de onde ela vem e se ela não é fruto de uma cobrança social inatingível. Também é preciso compreender que para que os filhos se tornem indivíduos autônomos, parte desse processo envolve eles saberem que não há pais perfeitos, entendendo que a mãe é um indivíduo diferente deles. Nas 'falhas' do cotidiano, eles vão entrar em contato com o sentimento deles e dos pais”, enfatiza.

Em Londrina, a campanha foi abraçada voluntariamente por profissionais de diversas áreas como psicólogas, doulas, educadoras parentais, nutricionistas, enfermeiras, psicopedagogas, farmacêuticas e atrizes. A programação envolve rodas de conversa, lives, oficinas, exibição de filme e a Marcha Maio Furta-Cor no dia 15 de maio, às 9h, no aterro do Lago Igapó.

PROGRAMAÇÃO

Para mais informações, acesse a cartilha Maio Furta-Cor. A programação detalhada e as inscrições gratuitas podem ser feitas aqui.

'GRATIDÃO E ANSIEDADE

A nutricionista materno infantil em Londrina, Flávia Luisa Dias Audibert, abraçou a campanha por vivenciar a questão tanto no trabalho como na vida pessoal. Ela é casada com André Luiz Audibert e tem três filhos: Pedro, de 2 anos, e os gêmeos Mateus e Giulia, de dois meses. A gestação gemelar de risco a levou à internação hospitalar durante 60 dias.

Os gêmeos nasceram prematuros e estão bem, em casa, após uma longa internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e UCI (Unidade de Cuidados Intermediários). “Mesmo no auge do puerpério, essa minha vivência foi uma força motriz para eu participar e dar apoio à campanha. Tenho muita gratidão pela vida dos meus filhos, mas também há o medo e a ansiedade, pensando se vou dar conta de tudo, me sentindo aflita por ter que contar com a ajuda de muitas pessoas que precisam mudar suas rotinas, enfim, é um misto de sentimentos", desabafou.

"Sei que sou uma mãe possível dentro da minha realidade e minhas possibilidades”, enfatiza Flávia Luisa Dias Audibert, com o marido André Luiz e os três filhos
"Sei que sou uma mãe possível dentro da minha realidade e minhas possibilidades”, enfatiza Flávia Luisa Dias Audibert, com o marido André Luiz e os três filhos | Foto: Arquivo Pessoal

Audibert lembra que as mães também carregam um sentimento de culpa quando decidem fazer algo para si mesmas. “Porque sentimos que estamos fazendo menos pelos nossos filhos. Eu já sentia essa dificuldade de me colocar em primeiro lugar em alguns momentos, especialmente as mães que como eu, trabalham. Acaba sendo um conflito interno. Além disso, todas as situações da maternidade são passíveis de julgamento pela sociedade. Desde o parto quando, por exemplo, a mulher faz uma cesárea, até na hora de amamentar. Mas sei que sou uma mãe possível dentro da minha realidade e minhas possibilidades”, enfatiza.

Diferente da realidade de muitas mulheres, Audibert conta com uma grande rede de apoio e ajuda profissional e diz que tem muita clareza de que é um privilégio. “Mas não deveria ser assim, deveria ser um direito de toda mãe, de toda mulher que está passando por sofrimento na maternidade. A campanha também é uma forma de lutar para que a valorização da saúde mental na maternidade ganha espaço e políticas públicas”, pontua.

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