Imagem ilustrativa da imagem MacDonald,um canadense no Norte do Paraná
| Foto: Acervo Museu Histórico de Londrina
Arthur Cameron MacDonald foi o engenheiro canadense responsável pelo projeto e construção da ferrovia de duzentos e sete quilômetros de extensão entre Cambará e a Serra de Apucarana, no Norte do Paraná. A Planta Geral da CFSPP (Companhia Ferroviária São Paulo Paraná), elaborada entre 1928 e 32, indicava a ferrovia, as estradas de automóveis e de manutenção. O levantamento incluía o reconhecimento de uma faixa de terras de um até oito quilômetros de cada lado da linha. E, o mais importante, trazia a localização de estações com “altos” nas proximidades, para a implantação futura de patrimônios.

A articulação entre o traçado da ferrovia, localização de patrimônios e parcelamento de terras ia definindo as diretrizes nas frentes de colonização. Obedeciam às cláusulas do Decreto de Concessão da Ferrovia CFSPP e Decretos de Colonização do Paraná. Não era, portanto, a simples invenção de alguns projetistas e ou companhias de terras, ou ainda a importação de modelos além mar.

De fato, a análise da morfologia de Londrina revela o que Alexandre Razgulaeff, autor da Planta de Londrina (1932), afirmou em depoimento de 1972. Projetou Londrina “... acompanhando normalmente as ordens da estrada de ferro que escolhia mais ou menos onde vai ficar futura cidade”. A rigor deveria ser: “obedeceu as ordens de duas estradas de ferro: Companhia Ferroviária São Paulo Paraná - CFSPP e Estrada de Ferro Central do Paraná - EFCP ajustada, além da picada existente. Todas cruzavam no “Alto”. (Yamaki, 2017). Contraponto à lenda de que foi a caravana de 1929 quem indicou o local de implantação do patrimônio.

Um banquete de “Despidida do Coronel A.C. MacDonald” foi realizado na Casa Sete, em Cornélio Procópio. Era dia 3 de fevereiro de 1932. O menu do banquete trazia a foto do homenageado e informações a decifrar sobre sua vida e trajetória. Na lista de pratos servidos constava: Bolas de Peixe a la Finsbury, Aspargo Frio a Nova Scotia, Perú de Jacarezinho, Presunto de lata, Batatas a La Walton, Ervilhas Londrinas, Torta de Creme Dom Arturo regados a Vinho do Rheno e Champagne.

Entre os nomes de pratos do menu são sugestivos os nomes utilizados: Finsbury, Nova Scotia, Walton, Dom Arturo e Londrinas. Conseguimos desvendar alguns. Finsbury Circus é o nome de uma praça nas imediações do escritório da MacDonald Gibbs Engineers & Co, New Broad Street no centro de Londres. Nova Scotia é o nome da província no Canadá onde nasceu MacDonald. Assim, Finsbury e Nova Scotia eram lugares que deram origem aos pratos homenagem.

Imagem ilustrativa da imagem MacDonald,um canadense no Norte do Paraná
| Foto: Acervo Museu Histórico de Londrina

Sobre o nome Londrina, o jornal O DIA de maio de 1930 já antecipava o que seria uma “auto homenagem dos senhores daquelas paragens no Norte do Paraná”, na denominação da futura estação. Lembrando que a Planta da Cidade de Londrina seria finalizada somente em 1 de maio de 1932, três meses após o banquete .

Retornando à biografia de MacDonald. Arthur Cameron MacDonald nasceu na cidade portuária de Pictou, Nova Scotia, província do Canadá, em outubro de 1863. Estudou no Real Colégio Militar de Kingston, Ontário, Canadá, onde graduou em 1885. Faleceu na sua casa em Londres, em agosto de 1940.

icon-aspas "Empreendedores e fazendeiros esperavam a imediata valorização de suas terras com a passagem da ferrovia"

Quando projetou a ferrovia no Norte do Paraná tinha 65 anos. Era um técnico bastante experiente em ferrovias. Familiarizado com projetos em países da América andina, não teve grandes dificuldades técnicas para realizar a nova proposta.

Ainda assim, numa frente pioneira em expansão, a escolha de alternativas de traçado era fortemente influenciada por interesses políticos e financeiros. Empreendedores e fazendeiros esperavam a imediata valorização de suas terras com a passagem da ferrovia. A “exploração feita, exploração abandonada, locação feita e locação abandonada”, indicadas na legenda da Planta Geral da Companhia Ferroviária São Paulo Paraná, mostram as indefinições surgidas durante o desenvolvimento do projeto.

MacDonald foi engenheiro residente nas obras da East Georgia and Florida Railway logo após a graduação. Depois participou em obras do aqueduto para fornecimento de água a Nova Iorque e obras de dragagem do Canal do Panamá. Durante a Grande Guerra comandou um Batalhão de Engenharia e participou da Expedição de Socorro à Albânia. Como coronel recebeu várias condecorações. Daí o D.S.O. – Distinguished Service Order, uma honraria militar que aparece escrito no menu, logo após seu nome.

Permaneceu no Chile durante vários anos, em períodos intercalados. Participou da construção de ferrovias para empresas de mineração, ramais da Ferrocarril de Antofagasta, além da Ferrocarriles Del Norte no deserto. Realizou ainda os estudos para duas ferrovias em áreas de montanha na fronteira com a Bolívia. Na revista The Engineering Journal (1940) constam suas atividades no Brasil: San Paulo Railway (1926 a 27) e San Paulo Parana Railway (1928 a 31).

Finalmente, apesar da citação freqüente do nome da empresa MacDonald & Gibbs Engineers Co., a importância de Arhur Cameron MacDonald, um ilustre canadense de Pictou, Nova Scotia, foi muito pouco lembrada até hoje no Norte do Paraná.

Uma avenida de curvas suaves, com cinco quilômetros de extensão, corta Londrina. Apresenta ”declividade máxima de 2% e raio mínimo de 150m” conforme o Decreto 6455/1928 de concessão da Companhia Ferroviária São Paulo Paraná - CFSPP. É a avenida Leste-Oeste. Atualmente, a única lembrança da ferrovia projetada por Arthur Cameron MacDonald na cidade.

icon-aspas "Da próxima vez que passar pela Leste-Oeste, tente uma aventura. Andar na velocidade do trem. Preservar o vazio, preservar a memória, preservar horizontes"

Após a retirada dos trilhos do centro, na década de 1980, foi projetada uma avenida com largo canteiro central. Visava deixar gravado no chão o caminho do trem. Definido por duas carreiras de arvores e ciclovia, o canteiro forma hoje uma alameda de Cassias. Nesta época do ano, o corredor de floradas amarelas torna ainda mais reconhecível e atrativo o antigo traçado da ferrovia. O vazio como patrimônio histórico.

Leste-oeste: única lembrança da ferrovia projetada por MacDonald
Leste-oeste: única lembrança da ferrovia projetada por MacDonald | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A Alameda MacDonald, uma homenagem a este canadense pioneiro. Da próxima vez que passar pela Leste-Oeste, tente uma aventura. Andar na velocidade do trem. Preservar o vazio, preservar a memória, preservar horizontes.

Humberto Yamaki é coordenador do Laboratório de Paisagem UEL (Universidade Estadual de Londrina)