No Brasil, uma média de 13,6 casos de importunação sexual - prática de atos libidinosos contra a mulher, sem o seu consentimento- é levada à Justiça todos os dias, de acordo com dados compilados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo o levantamento, foram 2.886 novos processos pelo crime entre janeiro e julho de 2022 (dados mais recentes).

Além dos registros de importunação sexual, é necessário considerar os casos de assédio, que nem sempre são denunciados, o que caracteriza uma situação de subnotificação. A quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), aponta que 46,7% das mulheres foram vítimas de assédio ou importunação ao redor do País em 2022.

O levantamento, publicado em 2023, mostra que, do total de mulheres que passaram por um caso de assédio, 41% ouviram cantadas e comentários desrespeitosos na rua e 12,8% foram assediadas fisicamente no transporte público. E são esses casos registrados nos ônibus que a SMPM (Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres) e a CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) de Londrina visam prevenir com uma campanha de conscientização. A ação, que integra a programação do Agosto Lilás, foi lançada na última sexta-feira (4). Informativos criados pelas instituições foram afixados em veículos do transporte coletivo urbano, além dos terminais de ônibus. Ao todo, os materiais produzidos abrangem 400 cartazes em formato A3, 100 peças em formato A4 e 5 mil flyers.

'A MOÇA COMEÇOU A CHORAR'

A servidora municipal R. B., que utiliza o transporte público diariamente, relata nunca ter sofrido assédio ou importunação sexual nos ônibus de Londrina, mas considera a campanha importante para a conscientização de todos. "Muitas mulheres são assediadas e nem sabem que, de fato, aquilo é assédio. Então a gente precisa falar sobre isso e mostrar que a culpa nunca é da vítima e, ainda, que ela precisa denunciar e que vai ter apoio", explicou.

M. S., operadora de caixa, por outro lado, já presenciou uma situação de importunação sexual no transporte coletivo e também sofreu assédio físico. "Passaram as mãos nas minhas nádegas. Eu não consegui ver quem foi, mas tenho quase certeza que foi um grupo de adolescentes. Não sei se foi para tirar onda, se foi uma brincadeira, mas, de qualquer forma, foi assédio."

Sobre ter testemunhado um caso, ela conta que foi há cerca de um ano, quando um rapaz se sentou ao lado de uma moça e começou a alisá-la e a se masturbar. "A moça começou a chorar e a implorar para ele parar. Isso tudo aconteceu na frente de todo mundo", contou. A situação só foi controlada quando os passageiros, com o motorista, se uniram e colocaram o assediador para fora do veículo.

Imagem ilustrativa da imagem Londrina realiza campanha contra importunação sexual em coletivos
| Foto: Caroline Knup

'FECHO A CARA'

Uma situação semelhante foi vivenciada por N. G., que foi assediada fisicamente por um homem. "O ônibus estava cheio e ele ficou se esfregando em mim, se aproveitando da situação. Eu virei para ele e disse que ele estava encostando muito. Com medo do escândalo, ele se afastou", relatou ela, acrescentando que já vivenciou ou presenciou outros tipos de assédio. "Já aconteceu de eu estar no ônibus e os homens ficarem fazendo expressões faciais estranhas, ficarem mordendo a boca e insinuando algo com gestos. Eu fecho a cara e mostro que não estou gostando. Já aprendi a me defender, mas quem não sabe o que fazer pode ficar nervosa e ser vítima de algo mais grave."

Para a operadora de caixa, a campanha promovida pelo poder público irá auxiliar não somente as vítimas, mas também quem presenciar as situações. "Muitas pessoas não sabem o que sentir e nem como agir perante a um assédio. Eu mesma, quando passei por isso dentro do ônibus, não soube o que fazer. Fiquei me questionando se deveria pedir ajuda, se deveria falar com alguém. Então eu acho que também é importante que a pessoa que esteja do nosso lado, caso veja algo, nos alerte e nos ajude a tomar uma atitude."

''É MUITO DESCONFORTÁVEL'

A costureira R.S. não é uma usuária frequente do transporte público, mas já vivenciou situações de assédio. "Várias vezes já aconteceu de alguém relar em mim e depois pedir desculpa, como se tivesse somente pisado no meu pé, mas não foi isso. É algo muito desconfortável", afirma.

A costureira, que diz se distanciar dos assediadores em situações como essa, evidencia a importância da campanha, sobretudo para crianças e adolescentes. "Minha filha de 12 anos pega ônibus com alguns amigos, e um dia desses um homem entrou e começou a falar com uma amiga dela. Ele fez umas perguntas e disse umas coisas estranhas, então a amiga teve que descer um ponto depois do que desceria normalmente, porque ficou com muito medo. Isso chegou a atrapalhar a rotina dela."

Para ela, os passageiros do ônibus podem ajudar as crianças e os adolescentes que estão sozinhos, já que "a comunidade pode tomar conta um do outro". A costureira disse sempre orientar a filha a procurar o motorista para relatar uma situação de importunação ou assédio.

'SOMOS VÍTIMAS'

A estudante N. G., que relatou ter passado por uma situação de assédio, garantiu que sabe o que fazer para se defender. "Eu falo com a pessoa e estou sempre pronta para fazer um escândalo. Nessas horas, não precisamos ter vergonha de chamar a atenção, somos as vítimas. Também não acho que agressão seja uma solução, mas, se fosse necessário, eu iria me defender. Em todo caso, o mais certo a se fazer é falar com o motorista e pedir ajuda. Caso o assédio acontecesse no terminal, eu chamaria um guarda", explica.

COMO DENUNCIAR

A principal recomendação é fazer uma denúncia para a Central de Atendimento à Mulher pelo número 180 e acionar a PM (Polícia Militar) por meio do número 190. É importante, também, que as vítimas procurem a Polícia Civil e registrem um boletim de ocorrência.

AGOSTO LILÁS

Instituída pela lei estadual 19.972/2019, a campanha Agosto Lilás é realizada geralmente na primeira semana do mês e culmina no dia 7 de agosto, data de aniversário da Lei Maria da Penha, que, em 2023, completa 17 anos de existência. Em Londrina, porém, a programação abrange todo o mês, também tendo como base a lei municipal 13.324/2021.

O objetivo é alcançar o maior número de pessoas possível, para que a população saiba que Londrina possui um serviço especializado e gratuito para atendimento a mulheres em situação de violência.

(Com N.Com.)