Justiça garante medicamentos para pacientes especiais
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de abril de 2000
Érika Pelegrino
De Londrina
O promotor da Vara da Infância e Juventude de Londrina, Marcos Neri de Almeida, ingressou com uma ação civil pública contra o Estado para garantir medicamento a uma criança que sofre de paralisia cerebral. A atitude do promotor responde a uma situação que está atingindo cidadãos carentes ou mesmo em melhores condições financeiras, que necessitam de remédios e não podem adquirí-los, seja por causa da pobreza ou por serem importados e de custo elevado.
A ação civil pública ingressou na Justiça no dia 21 de março e dois dias depois o juiz Dimas Ortêncio de Melo concedeu liminar que obriga a Secretaria de Estado da Saúde a fornecer ao adolescente Rodolfo Daniel da Silva, de 13 anos ele sofre de epilepsia benigna da infância, de difícil controle desde os oito meses , os seguintes medicamentos: Depakene, Tegretol, Lamictal e Hivotril. Outros três mandados de segurança asseguram medicamentos para pessoas que recorreram à Justiça.
A artista plástica Célia Regina Silva, 35 anos, mãe do menino, explica que até há oito meses a família bancava o tratamento, que custava cerca de R$ 80,00 por mês. A partir de então, outros medicamentos foram receitados, elevando o custo do tratamento para R$ 480,00 por mês.
Célia Regina procurou a 17ª Regional de Saúde, que informou não ter aqueles medicamentos à disposição. Há quatro meses, o marido de Célia teve a idéia de procurar o Conselho Tutelar, onde foi informado que poderia recorrer judicialmente, através da Promotoria da Infância e Juventude. Apesar da liminar ter saído há quase uma semana, Célia ainda não recebeu os remédios. Mas acredita que até o final da próxima semana irá recebê-los. A 17ª RS irá entrar em contato comigo assim que os medicamentos estiverem lá.
O caso mais recente encaminhado ao Ministério Público pelo Conselho Tutelar é o do adolescente Marcelo Marco Machado. O promotor Marcos Neri de Almeida diz que aguarda apenas a justificativa da Regional de Saúde para entrar ou não com outra ação civil pública contra o Estado.
O primeiro caso surgiu em meados de 99, segundo o membro do Conselho Tutelar de Londrina, Júlio Botelho. A dona-de-casa Regina Iwamoto foi chamada ao Conselho depois de ser denunciada pela escola onde seu filho estudava, por ele não estar frequentando as aulas há meses. Ela relatou aos conselheiros que seu filho William, de 9 anos ele sofre de paralisia cerebral , toma medicamentos (Depakene e Sabril) que custam cerca de R$ 200,00 por mês. Como a família passava por dificuldades financeiras, foi obrigada a tomar uma decisão drástica: Ou eu continuava a pagar a perua escolar para levá-lo à escola, ou comprava os remédios. Achei que a saúde dele era mais importante, diz a mãe.
Segundo Júlio Botelho, até a ocorrência do caso com o menino Willian, este tipo de situação era desconhecido pelo Conselho Tutelar, que encontrou no Estatuto da Criança e do Adolescente o mecanismo legal para auxiliar Regina Iwamoto. Descobrimos que era possível entrar com ação com pedido de liminar para que os medicamentos fossem fornecidos imediatamente, até que saísse a sentença, explica.
Regina Iwamoto foi encaminhada para a Promotoria da Infância e Juventude, onde ingressou com mandado de segurança. Dois meses depois, segundo ela, recebeu da 17ª RS os medicamentos para três meses. Júlio Botelho afirma que o conselho não sabe qual a quantidade exata de pessoas carentes que necessitam de medicamentos controlados caros.
Nem sei se há um levantamento destes em algum órgão, afirma. O que ele sabe é que depois do primeiro caso várias pessoas apareceram buscando informações sobre o assunto. Botelho diz que a maioria dos casos que chega ao Conselho é de causar preocupação e desespero. Conforme o conselheiro, são pessoas carentes com receitas médicas que custam de R$ 600,00 a R$ 1 mil por mês.
Estes medicamentos não podem deixar de ser tomados nem um dia. Há também casos de situações extremamente humilhantes, como o de uma deficiente mental de 22 anos, com dois filhos, que estava sem o medicamento e em uma crise começou a agredir os vizinhos. A avó que cuida da moça e dos filhos dela não encontrou outra alternativa a não ser acorrentá-la para sair atrás dos medicamentos, que não conseguiu, relata Botelho.
A dona-de-casa Marli Estela Martins, mãe de Vanessa de Paula Martins, 17 anos, também viveu uma situação trágica. A filha sofre de epilepsia refratária de difícil controle desde os 11 anos. Para bancar o tratamento da filha, que ficava em R$ 450,00, ela foi obrigada a sair do apartamento próprio porque não conseguia pagar as despesas, como o condomínio.
Saí do apartamento que é meu, com três banheiros, para morar de favor em uma dependência de três cômodos, confirma. Ela é uma das beneficiárias de mandados de segurança contra o Estado. O processo começou a correr em novembro do ano passado, segundo Marli Estela, e há dois meses ela recebeu quatro dos cinco medicamentos que a filha precisa tomar.
O Topamax, que é o mais caro, comecei a receber só este mês. Mesmo assim não sei se vou continuar a receber. Mesmo sem precisar bancar o tratamento da filha, que hoje ficaria em torno de R$ 400,00, Maria Estela não consegue manter a garota na única escola em que ela se adaptou e que fica em Cambé. Não tenho como pagar a mensalidade de R$ 140,00. O marido é vendedor autônomo e ganha R$ 700,00 por mês. Eu não posso trabalhar porque mesmo com os medicamentos a Vanessa tem crises quase que diariamente , explica.
Diante de situações como estas, o Conselho Tutelar tenta levantar um quadro da deficiência de distribuição de medicamentos em Londrina. Para isso, entrou em contato com entidades que trabalham com pessoas que necessitam de medicamentos controlados e ficou sabendo que diversas crianças, adolescentes e adultos enfrentam esta dificuldade.
Enviamos um fax a estas entidades com uma lista de documentos necessários de cada caso para que entremos com uma ação coletiva ou individual, afirma. O contato foi feito há 10 dias e o Conselho Tutelar aguarda o retorno das entidades. Os remédios são caros, difíceis de conseguir e para agravar a situação, os dependentes não podem ficar nenhum dia sem tomá-los.
Júlio Botelho afirma que um dos documentos pedidos às entidades é justamente a declaração de evolução clínica fornecida pelo médico do paciente, no qual consta que se a pessoa ficar sem tomar os remédios por determinado tempo pode vir a óbito. Todas as pessoas que deram depoimento para a Folha afirmam que o medicamento não pode deixar de ser administrado nenhum dia. Mesmo aplicado corretamente, os pacientes podem ter crises.
O promotor Marcos Neri de Almeida afirma que poucos casos chegam ao Ministério Público porque as pessoas desconhecem que podem recorrer à Justiça para garantir o direito aos medicamentos. A Constituição Federal determina que é dever do Estado garantir a saúde ao cidadão.Produtos caros ou importados são indispensáveis na vida de pessoas que dependem diariamente deles e não têm como comprá-los
Dorico da SilvaDECISÃO DRAMÁTICARegina Iwamoto e Willian, de 9 anos: compra de medicamentos assegurada com a dispensa do transporte escolarArquivo FolhaJúlio Botelho, do Conselho Tutelar, em Londrina: pessoas carentes recorrem ao órgão com receitas médicas que variam de R$ 600,00 a R$ 1.000,00