Pouco mais de dez meses desde que Londrina registrou o primeiro caso positivado de coronavírus, a cidade chega num momento de recrudescimento da doença, atravessando a pior fase da pandemia até aqui. Somente em 25 dias deste ano foram registradas 6.472 confirmações de infecções pelo vírus Sars-CoV-2. O número - levando em conta o mesmo período - é maior que o contabilizado em setembro e dezembro, meses considerados difíceis na luta contra à Covid-19.

Neste contexto, o público jovem vem retratando grande parte dos novos casos diários. Em janeiro, das positivações divulgadas até segunda-feira (25), a faixa etária de 20 a 39 anos representa 39% das infecções. O percentual se mantém alto desde o início da pandemia, chegando a 43% no total de casos, entretanto, está sendo comum encontrar relato de morte de pessoas abaixo dos 39 anos nos boletins diários divulgados pela prefeitura. Neste mês já foram seis.

Imagem ilustrativa da imagem Jovens são 39% dos infectados por coronavírus em Londrina

“A população nesta faixa etária é a que mais viaja, sai, trabalha. Os casos estão crescendo na proporção da incidência da doença. Essa população é a que menos adere às medidas de prevenção. Tem ideia de que jovem não morre. Pensam: por que vou me proteger? É uma falsa ideia”, alerta o infectologista Walton Tedesco. “Jovem tem menos risco, mas não é isento. Existem pacientes jovens graves, morrendo”, acrescenta.

RELAXAMENTO

O médico credita o avanço da Covid-19 em Londrina e no restante do País às festas de final de ano e o relaxamento dos cuidados. “Talvez estejamos no ponto mais crítico que já tenhamos vivido. Os serviços estão sobrecarregados, os pacientes estão tendo dificuldade em conseguir vaga, seja no SUS (Sistema Único de Saúde) ou convênio. Praticamente não existiu isolamento no Natal e Ano Novo. Vemos pessoas sem máscara pelas ruas, aglomerações, pessoas viajando, indo para praia, encontrando família. Parece que o brasileiro cansou do isolamento social.”

Atuando no combate à pandemia no HU (Hospital Universitário), Tedesco menciona que há situações de internamento de vários membros de uma mesma família. “Se continuar assim pode acontecer de termos falta de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), medicamentos que são indispensáveis para pacientes graves, para manter entubados, sedados. Se o cidadão não tiver o mínimo de noção do isolamento social, o prognóstico é sombrio”, advertiu o especialista, que também é responsável pelo controle de infecção hospitalar na ISCAL (Irmandade da Santa Casa de Londrina).

FESTAS E AGLOMERAÇÕES

No Paraná, o recorte no informe da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) é mais detalhado quanto às idades. Nos 25 dias de janeiro foram 10.372 casos de moradores entre 20 e 29 anos, o que reflete quase 10% das mais de 106 mil confirmações no Estado no período. No fim de semana, em Londrina, a GM (Guarda Municipal) colocou fim a um baile funk que acontecia dentro de uma casa na zona oeste, com a presença de 60 pessoas aglomeradas, inclusive, usando narguilé, o que está proibido no município por força de decreto.

“A população deveria ter consciência e, se não houver, tem que ter algo mais punitivo. Festas são situações de aglomeração intensa, contamina dezenas de pessoas em um mesmo evento. A maioria dos pacientes jovens evolui bem, mas isso é imprevisível e ainda existem fatores de risco”, destaca o infectologista, que lembra que a vacinação em massa da população, por enquanto, é uma realidade distante.

Família lembra de jovem de 23 anos vítima da Covid-19

Mariane Gonzaga mostra a foto do irmão, Luiz Henrique: "Única coisa que fazia era trabalhar. Não saia para festa. Entrava às 4 horas no serviço e ia embora às 18h, todos os dias”
Mariane Gonzaga mostra a foto do irmão, Luiz Henrique: "Única coisa que fazia era trabalhar. Não saia para festa. Entrava às 4 horas no serviço e ia embora às 18h, todos os dias” | Foto: Pedro Marconi

Nas redes sociais é difícil encontrar uma foto em que Luiz Henrique Gonzaga, de 23 anos, não esteja sorrindo. Esta era uma das marcas do jovem, que via a vida com alegria e resplandecia isso nos gestos, por mais simples que fossem. Mas tantos sonhos que fazem parte da essência desta fase da vida acabaram interrompidos bruscamente. Luiz foi uma das vítimas da Covid-19 em Londrina, sendo o mais jovem a falecer pela doença no município. “Estava na melhor fase da vida”, resume Mariane de Carla Gonzaga, irmã do rapaz.

A rotina dele era restrita a poucos trajetos. Os principais se resumiam ao trabalho e à igreja. Morador do conjunto Ruy Virmond Carnascialli, na zona norte, era funcionário de um depósito localizado em Cambé (Região Metropolitana de Londrina). Havia recebido promoção recentemente. A suspeita da família é de que tenha contraído o vírus no lugar, pelo contato direto com pessoas de diversas partes do País que fazem entregas.

Os primeiros sintomas apareceram no último dia de 2020 e começaram com febre e leve desconforto ao respirar. Dois dias depois procurou atendimento médico, fez o teste para o coronavírus, entretanto, o diagnóstico inicial foi para dengue. “Em sete de janeiro amanheceu vomitando, com fraqueza e até desmaiou. Não conseguia nem andar. Foi para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e lá gritava de dor, que não conseguia respirar. Foi logo internado e o resultado saiu positivo para Covid-19", conta.

Foram dois dias na enfermaria da UPA do Sabará até ser encaminhado para o HU (Hospital Universitário). “Fez alguns exames, vestiu a roupa do hospital e falou que ia passar a noite lá e me mandou a última mensagem. Perguntei se estava usando algum tipo de aparelho e respondeu que não”, cita.

ENTUBAÇÃO

Tudo mudou repentinamente, para surpresa dos parentes. Luiz foi levado para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), entrou em coma e precisou ser entubado. Foram quatro dias nesta situação, até que despertou, mas foi mantido sedado. Os rins apresentaram problemas e foram necessárias sessões de hemodiálise. Os médicos informaram que o quadro de saúde estava melhorando, o que encheu todos de esperança. “Médicos falaram que estava tudo bem, que iria para o quarto. Ficaria no isolamento até dia 20 e só iam ver a questão da diabetes dele.”

O jovem era diabético desde os seis anos, mas a doença estava controlada. Dados da secretaria municipal de Saúde apontam que 27% dos mortos por coronavírus na cidade tinham esta comorbidade. “Quando foi para a enfermaria teve febre e voltou para a UTI. O diagnóstico mudou. Ficou em estado muito grave, os rins pararam novamente e os médicos disseram que precisava reagir”, relembra. Por mais forte que Luiz fosse, a reação não veio e o óbito foi confirmado por parada respiratória em decorrência de complicações da Covid-19.

“Era um ótimo irmão, amigo, ajudava todos. A rua está em luto. As pessoas gostavam dele, era brincalhão. Com ele nunca tinha tempo ruim. Única coisa que fazia era trabalhar. Não saia para festa. Entrava às 4 horas no serviço e ia embora às 18h, todos os dias”, afirma Mariane, uma das duas irmãs.

SEM DESPEDIDA

Luiz deixou uma filha de dois anos e uma enteada de 11. Neste ano se preparava para oficializar o casamento com a esposa. Com o pai debilitado por conta de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), funcionava como um esteio para a família, em especial a mãe. “Minha mãe está inconsolável. Era o filho caçula, cuidava de todos em todos os sentidos. É uma dor que não passa. A filha ainda está esperando o pai vir do hospital”, lamenta.

Assim como em outros casos por falecimento relacionado ao coronavírus, não teve velório e o corpo foi direto para o enterro, com limitação de presentes. “Chegamos no cemitério e o caixão já estava dentro do carro da Acesf (Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina). Só descemos e sepultamos. O mais triste é saber que ele estava dentro de um saco preto, tudo fechado e não pôde ter a despedida que merecia.”

PEDIDO

Num período em que a pandemia avança e não se limita a pessoas mais velhas, ao mesmo tempo que diversas festas clandestinas são fechadas com dezenas de jovens, Mariane Gonzaga faz um apelo pela conscientização. “É uma doença grave silenciosa. A médica disse que que mesmo que meu irmão sobrevivesse, iria ficar com sequelas. Faço alerta para quem sai, vai para festas e não cuida. Procure se cuidar, porque meu irmão se cuidava e com 23 anos foi embora e sem direito à despedida”, solicita.