A perseverança e a fé têm sido a bússola da vida de Ruthmaie Eugène, uma jovem haitiana de 20 anos que, após superar o catastrófico terremoto que abalou o Haiti, em janeiro de 2010, conquistou uma vaga no curso de Fisioterapia na UFPR (Universidade Federal do Paraná), em seu primeiro vestibular e por meio das cotas raciais. O resultado foi divulgado no dia 17.

Ruthmaie foi testemunha dos fortes tremores que devastaram sua terra natal quando tinha apenas 7 anos. Contrariando todas as sombrias estatísticas que dizimaram parte da população do seu país, Ruthmaie não perdeu entes queridos com a tragédia, nem bens materiais. A jovem atribui essa sorte à força de sua fé e da sua família. “Eu estava brincando de pega-pega com as vizinhas, aí começou a tremer, eu corri em direção à minha casa, minha mãe estava dizendo aleluia, aleluia, porque nossa casa estava de pé.”

A VIDA NO BRASIL

Maie, como é carinhosamente chamada por colegas e amigos, chegou ao Brasil em 2016, com 13 anos, um ano após o seu pai já ter imigrado em busca de um futuro promissor e melhores condições de vida para a família. Ela iniciou sua jornada na cidade de São Paulo. Seus pais, que eram professores no Haiti, passaram a desempenhar outros papéis na capital paulista: o pai, Wilner Eugène, como pedreiro, e a mãe, Assefie Eugène Romulus, dedicando-se ao trabalho de dona de casa.

Em busca de apoio, amizades e integração na nova morada, ela passou a frequentar Igrejas locais e matriculou-se em uma escola estadual. Paralelamente aos estudos, Maie integrou o projeto Marista Escola Social Irmão Justino, ao qual atribui parte de sua formação e se refere com muito carinho e gratidão. “Eu fui convidada a fazer parte do projeto por meio de uma peça de teatro que vi na escola, a pessoa da peça tinha a mesma cor e cultura que eu, penteava o cabelo como eu, tinha o mesmo jeito que eu; me emocionei e me reconheci ali”. Mais tarde, Maie tornou-se menor aprendiz na instituição.

Foi diante do impacto do terremoto no Haiti que Maie despertou seu interesse pela área da saúde. Inicialmente, almejava seguir a Medicina com o desejo de se tornar cirurgiã. “Eu gosto de ajudar pessoas, colaborar na recuperação delas; tudo que eu aprendo eu gosto de compartilhar, gosto de passar adiante, essa sou eu”.

Ao longo dos anos, Maie encontrou uma paixão pela fisioterapia e determinou que este seria o curso ideal para sua formação. “Vou ficar muito feliz em poder atuar na fisioterapia, em contribuir para o bem-estar das pessoas. Só de imaginar, me emociono. Será um orgulho para mim e para os meus pais também.”

APOIO DE PROFESSORES E AMIGOS

Mesmo sem condições financeiras para frequentar uma instituição de ensino superior particular, seu sonho de cursar uma universidade pública parecia distante. Desde que chegou ao Brasil, Maie estudou exclusivamente em escolas públicas e, para fazer o vestibular, não teve acesso a cursinhos preparatórios. Foi com o apoio de alguns professores e dois amigos haitianos, Nodersonb Augustin e Johnley Alcide, que ela estudou para o ENEM e para o vestibular da UFPR. Noderson é estudante de Ciência da Computação na UFPR, e Johnley também é calouro 2024, aprovado para o curso de Direito.

RESILIÊNCIA

Agora, ela se prepara para iniciar sua jornada acadêmica, tornando-se a primeira integrante da família a ingressar no ensino superior, e um exemplo inspirador de superação para todos ao seu redor. “Chegar até aqui foi muito difícil, a língua portuguesa é extremamente desafiadora, mas pude sentir as mãos de Deus, que me deram força de vontade e determinação para conquistar os meus sonhos”.

A trajetória de Maie destaca não apenas a importância da educação como ferramenta de transformação, mas também resiliência, a capacidade de enfrentar desafios e construir um futuro promissor, independentemente das circunstâncias adversas que a vida possa apresentar.

TRAGÉDIA DA HUMANIDADE

“O terremoto do Haiti foi umas das maiores tragédias da humanidade nos últimos cem anos”, relatou o coordenador do Cenacid (Centro de Apoio Científico em Desastres da UFPR), professor Renato Eugênio de Lima. Uma equipe de cientistas do Cenacid integrou a força-tarefa de ajuda humanitária no país caribenho.

“Quando chegamos, a cidade de Porto Príncipe (capital do Haiti) estava às escuras, não havia energia elétrica, poucas ruas permitiam passagem de ambulâncias e socorristas. Havia muita insegurança, batalhas nas ruas, guerrilhas, violência; não tinha comida, água, abrigo. Foi uma situação de bastante dificuldade”, afirmou.

(Com informações da UFPR)