Ação realizada na manhã de quinta-feira no HU; missão de participar do processo de acolhimento das famílias e captação de órgãos
Ação realizada na manhã de quinta-feira no HU; missão de participar do processo de acolhimento das famílias e captação de órgãos | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

“A minha mãe me deu a vida duas vezes”, contou Mariene Manesco, 39, sobre ter recebido um rim após passar pela angústia da hemodiálise. A professora estava no evento de encerramento do Setembro Verde do HU (Hospital Universitário) de Londrina, realizado nesta quinta-feira (26), que contou com depoimento de diversos doadores e transplantados, como forma de fortalecer a campanha "Por Mais Vidas". A ação busca a sensibilização e conscientização da importância da doação de órgãos e tecidos para transplantes.

Manesco descobriu o lúpus em 2008, em 2016 perdeu a função renal e descobriu a gravidez. “Passei a fazer hemodiálise seis vezes por semana, quatro horas por dia. No sexto mês de gestação, eu perdi a bebê”, comentou. Ela também teve que enfrentar a perda do pai da criança sete meses depois. Lidar com o luto e com a doença ao mesmo tempo gerou transtornos que dificultaram ainda mais o tratamento.

Nesse processo, desenvolveu pânico, ansiedade, passou por coma e paralisação do corpo até ter o retorno dos movimentos e se recuperar para conseguir um transplante. “A minha outra filha na época tinha 17 anos e quis doar, mas não foi permitido. A minha mãe, de 64 anos, fez todos os exames, deu 50% de compatibilidade e ela me deu um rim”, contou.

Para a professora, o transplante devolveu sua liberdade e oportunidade de retomar a vida com mais qualidade. “Foram dois anos, sete meses e três dias de hemodiálise”, estava na ponta da língua. “Dores, sangramento, você não tem qualidade de vida, eu não podia tomar água, alimentação muito restrita, fora o desespero. Eu saía da hemodiálise e falava para outros que passavam pelo mesmo processo: ‘até quinta!’, e na quinta-feira ela não estava mais lá. Uma angústia, a gente fica se perguntando quem vai ser o próximo”, recordou.

“A minha mãe me deu a vida duas vezes”, Mariene Manesco, que recebeu um rim via transplante.
“A minha mãe me deu a vida duas vezes”, Mariene Manesco, que recebeu um rim via transplante. | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

Um ano após o transplante, Manesco faz questão de contar a sua história como forma de incentivar outras famílias a serem doadoras e também lutar pelos transplantados, que, segundo ela, têm dificuldade de retomar a vida. “Eu preciso de tratamento médico ainda, tomo remédios, não tenho mais o auxílio-doença, estou desempregada. Ninguém quer dar emprego para quem precisa fazer exames com frequência”, argumentou. Ela hoje entende que é uma luta a combater, mas agradece pela vida. “O transplante foi fundamental para mim, hoje eu estou comemorando.”

DO OUTRO LADO

Maria Luiza Perez, 59, esteve nos dois papéis. O pai precisou de doação de rim em 1979, quando o preconceito sobre o assunto era ainda maior, e anos depois ela permitiu que os órgãos da filha de 14 anos fossem doados. “Ela era bailarina, em 2001 teve um AVC no palco e como nós já tínhamos vivido a situação com o meu pai, a doação de órgãos era uma conversa muito presente na nossa vida e ela mesma já tinha revelado que gostaria de ser uma doadora”, contou.

Diante do conhecimento e conscientização sobre o assunto, a própria bibliotecária procurou a Central de Órgãos para afirmar que, diante da morte encefálica da filha, gostaria de fazer a doação. “

Para ela, as coisas mudaram desde quando o pai precisou do rim, mas que ainda há muito preconceito sobre o assunto. “Existe muita dúvida quanto a isso. Alguns acham que se tirar o órgão o corpo vai ficar deformado no velório, por exemplo, mas é preciso compreender que é uma cirurgia como outra qualquer, com muito respeito”, explicou. Por isso, Perez defende o diálogo sobre o assunto entre a família. “Não depende de só eu ter a vontade, a família precisa se manifestar. É preciso a gente se colocar no lugar do outro, esse órgão vai dar qualidade de vida para outra pessoa.”

A manifestação de interesse é uma das causas defendidas pela campanha Por Mais Vidas, do HU. No evento de encerramento do Setembro Verde, campanha realizada em todo o país incentivando o debate sobre doação de órgãos e tecidos, transplantados e familiares puderam contar suas experiências. O evento contou com a presença do Coral Encanto, do HU, declaração de servidores, cartazes com frases de incentivo e outras atividades durante todo o dia.

Maria Luiza Perez permitiu que os órgãos da filha de 14 anos fossem doados: "É preciso a gente se colocar no lugar do outro, esse órgão vai dar qualidade de vida para outra pessoa"
Maria Luiza Perez permitiu que os órgãos da filha de 14 anos fossem doados: "É preciso a gente se colocar no lugar do outro, esse órgão vai dar qualidade de vida para outra pessoa" | Foto: Gina Mardones - Grupo Folha

ATO DE GENEROSIDADE E FÉ

A campanha Por Mais Vidas, realizada pelo HU (Hospital Universitário), de Londrina, faz parte do Setembro Verde no hospital que, segundo o Sistema Estadual de Transplante do Paraná, foi o que mais notificou possíveis doadores por morte cerebral na Região em 2019. Ao todo, foram 38 notificações com 72% de taxa de conversão.

Vivian Feijó, diretora superintendente do HU, comentou que, como o segundo maior hospital público do Estado, há a missão de participar do processo de acolhimento das famílias e captação de órgãos. “Nós temos aqui a Cidott (Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes), que está sempre atenta a dar acolhimento para as famílias, suporte às equipes técnicas, sempre com muita ética, humanização e respeito. Então, ela notifica, auxilia na manutenção, acolhe a família, faz a entrevista, promove a manutenção do doador e trabalha na interface com o Estado em relação à fila de espera e logística do processo”, afirma.

O HU também conta com um Banco de Olhos. Em 2019 foram 204 doações que se converteram em 407 globos oculares. Desde abril de 2011, quando foi inaugurado, o Banco registrou 1.644 doações, chegando a zerar a fila no ano passado. No entanto, a diretora compreende que é preciso continuar trabalhando para que mais pessoas possam ser beneficiadas.

“Estamos comemorando essa data com a campanha Por Mais Vidas para mobilizar a comunidade para que mais famílias falem sobre a doação e para que possamos sensibilizar mais pessoas em vida ou em momento de dor”, explica. “O grande norte é a solidariedade e amor. Doar é um ato de generosidade, amor e fé. Depende apenas de uma decisão. Você deixa de pensar só em você e passa a pensar no outro”, defende.

No Paraná, o número de notificações e doações subiram. Em 2011, foram 263 notificações e 97 doações efetivas. No ano passado, o Estado recebeu 825 notificações, com 382 doações efetivas. As principais causas para a não doação são contra indicação clínica e recusa familiar.