Gravuras de Capitão Leônidas Marques intrigam arqueólogos
Pesquisadores buscam a origem e significado de círculos concêntricos talhados com pedras lascadas, que podem datar de 7.900 anos
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quarta-feira, 27 de março de 2019
Pesquisadores buscam a origem e significado de círculos concêntricos talhados com pedras lascadas, que podem datar de 7.900 anos
Vitor Ogawa - Grupo Folha

Artes rupestres encontradas há 40 anos no município de Capitão Leônidas Marques (Oeste) têm sido foco de pesquisas recentes, e os especialistas estão intrigados por desconhecerem a origem e o significado das inscrições. Foram encontrados no município círculos concêntricos talhados com pedras lascadas. Em uma das pedras foram encontrados 100 círculos e em outra, mais 60 círculos. Mas quem são os autores? O que essas inscrições representam? Essas perguntas permanecem ainda sem respostas objetivas, mas pelo menos uma informação importante os arqueólogos conseguiram determinar recentemente. Por meio de cruzamentos de dados, eles conseguiram identificar que se tratam de vestígios que remontam há pelo menos 7.900 anos.
A descoberta do sítio arqueológico aconteceu de forma acidental. Na década de 1970 o agricultor Delfino Borille, que morreu em 2018 aos 75 anos, resolveu cortar o caminho para ir à propriedade rural de seu compadre. Ele atravessou um morro que ficava perto de sua casa, e encontrou três círculos com inscrições concêntricas. Naquela época os demais círculos ainda estavam encobertos pela terra.
Em entrevista para a FOLHA, a viúva do agricultor, Marta Borille, relatou que o local fica entre os rios Andrade Iguaçu, no morro do antigo sítio Três Irmãos. "Meu marido achou que era alguma coisa relacionada a ritual indígena. Como ele era interessado por histórias da cultura maia e inca, achou melhor preservar o local. Ele sempre ia limpar aquele espaço", declarou.
Durante a construção da usina de Salto Caxias, na década de 1990, o casal recebeu a visita de dois arqueólogos, que souberam que os agricultores tinham guardado pedaços de cerâmica indígena. "A gente mostrou as cerâmicas, umas panelas de barro, e também falou que tinha alguma coisa estranha lá no morro. Eles foram com o meu marido, viram, mas ficou por isso", lamentou.
Os arqueólogos não retornaram à propriedade depois disso por um bom tempo. Em 2009, uma nova equipe de arqueólogos foi ao local e localizou as inscrições no morro. A área de aproximadamente 500 metros quadrados ganhou o status de sítio arqueológico, com demarcação e sinalização indicando que o lugar é protegido. O antigo morro dos Três Irmãos agora foi rebatizado de Vista Alta.
Os primeiros estudos foram realizados em 2014, por equipes que mapearam a área onde o reservatório da Usina Hidrelétrica do Baixo Iguaçu foi constituído. Em março de 2018 os estudos foram retomados e em janeiro de 2019 a equipe catarinense Espaço Arqueologia passou a utilizar diferentes métodos de análise e levantamento de dados."Nunca imaginei que o local tivesse uma importância histórica dessas. Meu marido ia ficar muito feliz se estivesse vivo. Ele só falava que ia deixar o local limpo, porque gostava da história de maias e incas e achou que poderia ter algum significado do tipo. Mas ele não imaginou que fosse uma coisa tão interessante assim. Infelizmente, ele faleceu em agosto do ano passado", relatou Marta.
"Quando vi pelo Facebook que tinha um monte de gente naquele morro analisando as inscrições, falei que não queria nada para mim, mas só esperava o reconhecimento do nome de meu esposo como a pessoa que descobriu as inscrições."
Uma vez que não existe método que possibilite fazer uma datação precisa de gravuras como as encontradas em Capitão Leônidas Marques, foi considerada a data obtida através da escavação de outro sítio arqueológico próximo. Nesse local, as amostras de carvão coletadas há quase dois metros de profundidade dataram de 7.920 antes do presente. O resultado possibilitou atribuir uma datação relativa aos motivos gravados. Outro indício da antiguidade do sítio foi obtido com os resultados na análise da fotografia 3D feita nas rochas, em que os especialistas constataram que o nível de desgaste dos desenhos se dá por conta de uma ação longa do tempo.

Para fazer as gravuras de círculos concêntricos os povos que viveram na região utilizaram basicamente pedra. Segundo o arqueólogo Jedson Francisco Cerezer, o local escolhido foi uma rocha basáltica localizada no alto de um morro. "Essa rocha tem um certo grau de dureza e foi utilizada uma outra rocha, com o mesmo grau de dureza, pelo método de percussão direta, ou seja, por meio de golpes foram realizados pequenos pontos. A técnica de picoteado acabou esculpindo a rocha", explica.Cerezer conta que o relevo sofreu poucas alterações na região, mas o que pode ter mudado é a cobertura vegetal. "Foram coletadas amostras e a ideia é compor um quadro. Nessa época houve a transição de um período mais frio para um mais quente. O mar começou a baixar e na parte mais alta, que tinha mais campo, passa a mudar para uma cobertura vegetal mais arbórea", explicou.
Campo simbólico
Sobre o significado das gravuras, Cerezer apontou que essa questão da complexidade do campo simbólico e do campo cognitivo do ser humano é trabalhada dentro da neurociência. "Em outras partes do mundo as pessoas que estudam arte rupestre fizeram trabalhos parecidos, relacionando gravuras com algumas teorias existentes. Se pensarmos que é um campo simbólico e retratam algo geométrico, não têm relação com algo que a gente conheça do dia a dia. Não existem muitas coisas com círculos concêntricos", destacou.
O material está sendo repassado para o computador e a partir disso serão analisadas a distribuição e comparadas com constelações ou serão analisadas se era um possível mapa de aldeias. "Não dá para saber o que elas estavam pensando e por este motivo é bastante especulativo dar um significado para esses círculos", declarou o arqueólogo.
Segundo a equipe de pesquisa da empresa Espaço Arqueologia, os sítios estudados representam diferentes momentos da história do povoamento humano no Sudoeste.
O arqueólogo Jedson Francisco Cerezer, da Espaço Arqueologia, explicou que a mistura dos métodos aplicados para digitalizar as gravuras encontradas no município de Capitão Leônidas Marques são inéditos. "Cruzamos vários métodos de pesquisa. Um deles é tradicional, que é o decalque. Envelopamos toda a rocha e aplicamos folhas de plástico transparente, com as quais fizemos o decalque de tudo, com o auxílio de luz artificial. São inscrições difíceis de ver à luz do dia, principalmente quando incide a luz do meio-dia, que é uma luz ortogonal. Com luz rasante é melhor para ver", detalhou.
Aos turistas, ele orienta que a visita seja realizada na primeira hora do dia ou quando estiver anoitecendo. "Só assim para enxergar gravuras que não se enxergam durante o dia", apontou.
Depois, a equipe começou a sobrepor a pesquisa com outros métodos, como a foto de granulometria, a utilização da modelagem 3D do terreno e a associação de drone com a fotografia de alta resolução sobre as rochas. "Com isso construímos painéis para fazer o modelo 3D de cada rocha gravada para tentar identificar por altimetria outras gravuras que não puderam ser identificadas por técnicas tradicionais. Esse cruzamento de métodos é a inovação da pesquisa na região", disse Cerezer.
As escavações foram realizadas em 42 dos 56 sítios arqueológicos identificados na região, abrangendo também os municípios de Capanema e de Realeza. Contudo, foram encontradas gravuras somente no Vista Alta. Os pesquisadores identificaram ainda objetos como pedras lascadas, pedras polidas e utensílios de cerâmica.Para a região do Baixo Iguaçu, as gravuras levam outro elemento do comportamento humano. "O que estudávamos apenas como pedra lascada, agora entramos no elemento do simbólico. Essa é a grande vantagem de compreender o comportamento dos humanos", apontou.
Cerezer afirmou que as gravuras não foram descobertas agora. "Ela foi reencontrada pela arqueologia. As pessoas já conheciam e até atribuíam um significado. Era uma coisa diferente, mas ninguém sabia interpretar aquilo", destacou. "Aqui no Brasil nunca tinha visto algo semelhante. A pesquisadora portuguesa Sara Garcês também tem nos auxiliado apoiando a pesquisa e relata que no rio Tejo, em Portugal, há um complexo de gravuras que aparecem na margem do rio. Ela diz que não é comum encontrar gravuras em rochas vulcânicas", apontou.
O arqueólogo observou que existe algo semelhante com o que foi achado e que hoje está submerso na represa formada pela usina hidrelétrica de Salto Caxias. "No Rio Grande do Sul entraram em contato com a gente relatando que existe algo semelhante; e na província de Misiones, na Argentina, existem gravuras parecidas com a nossa. Mas não é algo recorrente", declarou.

