- Tem aviso que alguém estaria ''abiscoitando'' algo.
- Ah, deve ser ''agá'' do pessoal!


- Não é, não! Disseram ainda que o cara é ''021'' e que tava ''colando as placas''. Também parece que tá portando ''aço'' e ''canela seca''.
- Ok. Vamos ver essa ''bagaça''. E aí? Pegamos a ''baratinha''?


- Pelo ''bizu'' que recebi é melhor ir de ''barca''. E vê se não esquece a ''lurdinha''!


O diálogo acima, embora pouco esclarecedor para a população civil, é perfeitamente compreensível por policiais militares já que foi formado por expressões e gírias usados no seu cotidiano. A ''linguagem técnica'' desse setor é tão extensa e variada que já resultou até em um dicionário, elaborado por um tenente de Curitiba.


Embora varie de região para região, o idioma ''militarês'' foi criado para agilizar o atendimento e até para proteger os próprios policiais. ''Muitas vezes usamos gírias e códigos para resumir uma determinação. Se dissermos a uma equipe 'abraça a jaca', ela já sabe que é para acompanhar o problema até o fim'', explica o soldado Jomar Costa Medeiros, 40 anos, que trabalha no Centro de Operações Militares (Copom) do 5º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Londrina.
A linguagem utiliza a fusão dos códigos usados pela PM (como o Alfabeto Fonético Internacional, artigos do Código Penal e normas internas do quartel, entre outros) e as gírias absorvidas durante o trabalho nas ruas. ''No Copom, procuramos evitar as gírias, embora elas apareçam de vez em quando'', diz o sargento José Carlos Beni, 43 anos e 21 de PM.


Mas a conversa cifrada extrapola a comunicação entre viaturas e central, mesmo porque as brincadeiras entre amigos tornam o bate-papo ainda mais rico de invenções gramaticais. Em Londrina, quando um soldado está se preparando para o patrulhamento a pé, os colegas dizem que ele ''vai de pocotó''. Já os cãezinhos de madame, aqueles que incomodam as equipes em serviço, são carinhosamente apelidados de ''martelinhos''. O cobertor do quartel, por sua vez, recebe o singelo apelido de ''micoseiro'' e, se o leitor ouvir alguém pedindo uma ''ampola'' no bar, pode ter certeza que é um PM curitibano de folga solicitando uma cerveja.


De acordo com o sargento Hélio Aparecido de Souza, 37, muitas palavras utilizadas parecem ter saído do Código Penal mas na verdade têm origem nas situações comuns do dia-a-dia. ''No rádio-comunicador, usamos o '021' para informar que temos uma pessoa descontrolada ameaçando outras, assim como usamos o '051' para informar a viatura que o problemas é com um bêbado'', explicou Souza.
Outras são utilizadas para proteger a equipe em operação ou garantir o bom desempenho de uma investigação. ''Armar a casinha'', por exemplo, significa ficar de campana e preparar o flagrante. E se os soldados estão em áreas perigosas, utilizam entre si apenas o nome ''Steve'', para que o verdadeiro seja preservado.
Mas o idioma adentra também para a vida pessoal dos soldados, que usam os códigos para contornarem problemas domésticos. Quando um PM pergunta se o colega ''trouxe a espingarda'' quer, na verdade, saber se veio com a esposa. E há ainda o ''soldado São Jorge'', aquele que está sempre acompanhado de um ''dragão'' (mulher feia).

Fartura de expressões gerou dicionário

Mesmo sendo rico em palavras criativas, o ''militarês'' é desconhecido pela maioria da população civil. Foi pensando nisso que o tenente da Companhia da Polícia de Choque de Curitiba, Marco Antonio da Silva, decidiu reunir mais de mil verbetes em um livro.


Apesar de bem humorado, o ''Dicionário de Termos, Expressões e Gírias Policiais Militares'', lançado há um mês pela Associação da Vila Militar (AVM-Curitiba), trata de alguns termos com seriedade, apresentando raízes latinas e gregas, termos jurídicos e até referências históricas de algumas palavras. ''Decidi reunir termos e gírias policiais pelo fato de não existir uma publicação que seguisse esta linha. Os termos usados entre amigos e familiares mostram que o policial pertence à comunidade, como qualquer cidadão'', explicou o tenente Marco, autor de outros dois livros envolvendo a Polícia Militar: ''Crônicas da Vida Policial'' (2001) e ''Prevenindo Crimes e Acidentes'' (2002).


O livro também é cheio de referências do Código Penal (como termo circunstanciado, flagrante delito, etc.), normas internas da PM (processo administrativo, regimento, sindicância) e palavras do cotidiano dos soldados (patrulhamento, guarita, caserna...). O termo ''Direitos Humanos'', por exemplo, chega a ocupar meia página do livro, resgatando fatos da História que marcaram o conceito de cidadania.


Algumas palavras são ricas em detalhes, como o verbete ''assassino'', que tem origem árabe (hashisshiyun), significando ''fumante de haxixe'' e se refere aos seguidores de Hassan al-Sabbad. ''Foi por interesse próprio que comecei a buscar as raízes históricas das palavras'', afirmou o policial, que também é formado em História.


A mesma abordagem histórica é usada para resumir dados sobre a Polícia Militar do Paraná. Entre outras curiosidades encontradas no livro está a Academia Policial de Guatupê, apontada como a maior da América Latina e que está sediada em uma área de 42 alqueires em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.


As palavras mais curiosas, no entanto, são mesmo as gírias colhidas durante patrulhamento nas ruas, pesquisas em livros e, claro, em bate-papo com os amigos. Logo na apresentação do dicionário, Marco avisa que não pretendia ''esgotar as palavras'' em uma única edição. ''Ali estão concentrados muitos termos que usamos em Curitiba. Como as palavras variam em cada região, peço que enviem sugestões para ampliar o livro'', explicou o autor.
Os interessados pelo livro devem contactar a AVM (41-334 1803). Já aqueles que desejam colaborar com novas palavras, podem enviar e-mail para [email protected]

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