Fim do psicotécnico eleva insegurança
PUBLICAÇÃO
domingo, 16 de novembro de 1997
Cristine Pieske
Curitiba
Kraw PenasSuzana Lacerda, psicóloga do Detran: Agora capacidade e equilíbrio de cada um serão avaliados apenas no dia a dia das ruas, sem qualquer prevençãoO fim dos exames psicotécnicos para obtenção da carteira de motorista, determinado pelo novo Código Nacional de Trânsito, deverá lançar às ruas no próximo ano milhares de brasileiros considerados inaptos e ameaçadores para o trânsito. São pessoas com desequilíbrios emocionais, dificuldades de concentração, problemas de coordenação motora e até mesmo portadoras de doenças graves como o alcoolismo, hoje considerada a segunda maior causa de acidentes no Brasil.
Somente em Curitiba, os exames psicotécnicos realizados no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) reprovam por ano cerca de 600 pessoas, o equivalente a 5% de todos os candidatos inscritos no departamento. A maioria dos reprovados são pessoas com idade entre 18 e 30 anos que apresentam distúrbios emocionais (nervosismo, pânico, agressividade), muitas vezes associados ao uso de anti-depressivos e bebidas alcoólicas.
Depois que os exames psicotécnicos forem suspensos, a partir de janeiro, os candidatos que hoje são desclassificados poderão tirar a carteira de motorista sem dificuldades. Não entendo como isso pode acontecer em uma época em que já se descobriu que trânsito não é um desafio para qualquer um, diz a especialista em trânsito e psicóloga do Detran/PR Suzana Martins Lacerda.
A regra imposta pelo novo Código Nacional de Trânsito, que contraria as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), foi feita com base nas experiências de países como os Estados Unidos, onde os exames psicotécnicos deixaram de ser realizados há vários anos. Outra justificativa para o fim dos testes, comentada no setor mas não admitida oficialmente pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), seria a tentativa do governo de acabar com o cartel das clínicas de psicologia responsáveis pela realização dos exames. No Paraná, os testes são realizados por profissionais de universidades conveniadas com o Detran.
Antes de ter alguns de seus dispositivos vetados, o novo Código de Trânsito defendia a permanência e um rigor ainda maior na realização dos exames psicotécnicos para concessão da carteira de habilitação. Pelas regras anteriores, os exames seriam realizados no momento da concessão da carteira e seriam refeitos a cada cinco anos. Agora a capacidade e o equilíbrio de cada um serão avaliados apenas no dia a dia das ruas, sem qualquer prevenção, lamenta a psicóloga Suzana.
A decisão do governo de eliminar os testes preocupa o diretor do Juizado Especial Criminal, responsável pelo julgamento dos delitos mais leves de trânsito, José Laurindo Neto. Ele teme um aumento significativo no número de ocorrências. Não haverá mais critérios para a escolha dos novos motoristas, a não ser os exames de clínica geral realizados pelo Detran, diz.
Além dos processos do Juizado Especial, a Vara de Justiça de Trânsito tem atualmente outros 31 processos sobre acidentes de trânsito envolvendo homicídios, a maioria deles ocasionada por falha ou imprudência do motorista.